VOLTAR

Riviera embargada

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: RIBEIRO, José Hamilton
12 de Mar de 2013

Riviera embargada

José Hamilton Ribeiro

Oásis sustentável no litoral norte, a Riviera de São Lourenço acumula prejuízos por conta de decisão judicial que paralisou obras iniciadas
O litoral norte de São Paulo tem natureza esplendorosa e bem preservada. Fica perto da capital, mas se vê diante de um quadro assustador: suas cidades, vilas e loteamentos -alguns caríssimos- estão em áreas sem sistema eficaz de saneamento.
Nas épocas de alta concentração de pessoas, a rede (ou o que existe dela) não dá conta, e o esgoto às vezes corre a céu aberto.
Por falta de coleta seletiva, amontoa-se o lixo que tem de ser levado para aterros na serra. A selvagem ocupação do espaço coloca casas comuns e de luxo em áreas sem ordenamento urbano e infraestrutura. Com isso, loteamentos irregulares, favelas e "invasões" avançam sobre áreas de preservação.
Nessa região, a Rio-Santos rasga a natureza da Serra do Mar e como que separa uma parte -da rodovia para o mar- destinada ao ser humano e outra -da estrada para o morro-, aos bichos e plantas. O visitante vê ali cenários encantadores, mas deve manter um pé atrás quanto à limpeza e ao saneamento básico. Com uma exceção: a Riviera de São Lourenço.
Na década de 60, a baía de São Lourenço, em Bertioga, era parte de uma gleba em que havia plantação de banana e mandioca e criação de gado. Um dos sócios, José Aparecido, reagia assim a propostas: "Loteamento comum, não! Vamos fazer a primeira cidade-praia planejada do Brasil". O que parecia sonho se viabilizou num consórcio liderado por conhecida construtora.
O projeto teve como consultores urbanistas, paisagistas, arquitetos e um especialista em portos e praias de Portugal. Pelo plano, as ruas deveriam ser tortuosas, para que cada lote tivesse sempre a sua cota de luz do sol. Ao entrar agora em seu 33o ano, a Riviera realizou quase tudo que antes parecia miragem.
Tornou-se o primeiro projeto de praia no mundo com o certificado Iso-14.001:2004 por seu sistema de gestão ambiental. É administrada por uma Associação de Amigos, que conta com uma taxa mensal de cada proprietário. Na praia, não entra veículo motorizado (fora ambulância e polícia) nem animal doméstico, mas bicicleta é incentivada. Quanto às pessoas, acesso livre.
No momento, a Riviera de São Lourenço está em "suspense". Uma decisão judicial, em caráter liminar, embargou obras com licenças ambientais aprovadas, algumas das quais já com ruas abertas, terrenos limpos e casas construídas. Nesses locais, foi feito manejo de flora e fauna.
Esse embargo vem causando tantos prejuízos que o prefeito de Bertioga, o arquiteto e urbanista Mauro Orlandini (DEM), recorreu à Justiça pedindo para a prefeitura também ser ré. Ele diz: "Não tenho compromisso com empreendedor nenhum. Mas estou vendo que está em risco a sustentabilidade do município".
Orlandini mostra como Bertioga é um dos municípios com mais áreas verdes no mundo. Juntando parques estaduais (dois), municipais e particulares, além de praças e bosques na área urbana, tem 94% de seu território como reserva natural. Restam apenas 6% para a cidade (de 5O mil habitantes), mais 12 bairros, 40 loteamentos, cinco praias, dez "invasões", um histórico forte militar, uma hípica com 30 cavalos, uma colônia do Sesc, uma aldeia de índios -e a Riviera.
Quando estiver concluída, a Riviera de São Lourenço ocupará menos de 2% do território de Bertioga. Mas já concorre com 50% da arrecadação e mais de 40% dos postos de trabalho. Tanto no litoral norte como em outros lugares, há loteadores que batem bumbo na hora de vender terrenos e depois desaparecem, deixando só problemas. Na Riviera, a escrita mudou. Quem sabe ela "pega" em outros cantos do país...

José Hamilton Ribeiro, 77, é jornalista e escritor

FSP, 12/03/2013, Tendências/Debates, p. A3

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/98123-riviera-embargada.shtml

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.