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Risco de esbulho

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/
13 de Dez de 2019

Risco de esbulho
MP que busca regularizar posses de terras no país abre brechas para infratores

Estima-se que cerca de 1,27 milhão de posses de terras públicas federais careçam de títulos de propriedade. Sob pretexto de regularizá-las e fazer justiça a pequenos agricultores, o governo Jair Bolsonaro baixou medida provisória com algumas brechas capazes de consagrar o esbulho de bens da União por grileiros e desmatadores.

Algo precisava ser feito com esse imenso passivo fundiário, ninguém duvida. Numa análise superficial, a MP 910, assinada na terça-feira (10), parece trilhar o caminho correto da desburocratização. Existem detalhes, contudo, que merecem exame mais detido.

A medida altera norma anterior sobre regularização, a lei 11.952/2009, que disciplinava os requisitos para regularizar por alienação (venda) ocupações anteriores a dezembro de 2004. Esse prazo já havia sido alterado para julho de 2008, no governo Michel Temer (MDB) -e agora muda de novo, para maio de 2014.

No caso da Amazônia Legal, a leniência ganha mais amplitude: antes se admitia ali a regularização de posses posteriores a 2008, havendo ocupação por ao menos cinco anos; pela MP, o prazo cai para um ano; tornam-se passíveis de regularização, portanto, imóveis ocupados até dezembro de 2018.

A brandura ruralista não para por aí. O tamanho máximo das posses regularizáveis foi aumentado de 4 para 15 módulos fiscais. Na região Norte, isso pode representar uma área de 1.650 hectares (16,5 km²), na qual caberiam dez parques como o Ibirapuera paulistano.

Por fim, a MP dispensa a vistoria prévia para comprovar as informações oferecidas por quem pleitear a compra de área federal. Em outras palavras, é considerável o risco de o Estado brasileiro alienar patrimônio público por valores baixos e premiar esbulhadores e infratores ambientais.

Não se deve ignorar que 35% do desmatamento na Amazônia acontece em terras públicas não destinadas. E houve aumento de 61% nessa modalidade de devastação entre 2018, o ano da candidatura Bolsonaro à Presidência, e seu primeiro ano de governo.

Compete ao Congresso Nacional aperfeiçoar a medida provisória recém-editada, de modo a impedir que ela regularize o processo tradicionalmente selvagem de ocupação de terras no Brasil.

editoriais@grupofolha.com.br

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/12/risco-de-esbulho.shtml

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