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'Preservação da Amazônia passa pelo combate ao crime organizado', diz Juan Manuel Santos

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
Autor: SANTOS CALDERÓN, Juan Manuel
06 de Jun de 2024

'Preservação da Amazônia passa pelo combate ao crime organizado', diz Juan Manuel Santos
Para o ex-presidente da Colômbia, os líderes dos países da região precisam entrar em acordo sobre a região

Daniela Chiaretti

06/06/2024

Político experiente, Juan Manuel Santos Calderón dá uma resposta ambígua sobre quem tem razão sobre a exploração de petróleo na Amazônia, o presidente Luis Inácio Lula da Silva, que não nega o interesse em abrir novas frentes de produção, ou o colombiano Gustavo Petro, que declarou que o país não entrará na Amazônia. "Ambos têm razão e ambos não têm razão e ambos não têm razão", diz. A curto prazo, países e petroleiras se beneficiam dos lucros da exploração. "A longo prazo, o mundo inteiro perde", diz o ex-presidente colombiano.

Santos, que ganhou o Nobel da Paz em 2016, por seus esforços de pacificar o país no conflito com as Farc, observa que Lula, Petro e as outras lideranças de países amazônicos têm que entrar em acordo sobre a região. Não só para combater o desmatamento, mas o crime organizado, que domina boa parte da Amazônia. "Se isso não acontecer, o combate ao desmatamento será um fracasso. A região, em boa medida, está sob controle do crime organizado, que é um negócio multinacional".

Santos esteve no Brasil há alguns dias, com o grupo "Planetary Guardians", uma constelação de 19 personalidades globais que querem disseminar a necessidade de se proteger o planeta. São cientistas como o brasileiro Carlos Nobre e o sueco Johan Rockström, e políticos, como a ex-presidente da Irlanda Mary Robinson e Santos.

Este ano há duas grandes conferências das Nações Unidas, a COP 16, da biodiversidade, na Colômbia, em outubro, e a COP 29, de clima, no Azerbaijão, em novembro. Ele defende que as duas deveriam ser unidas. Criadas em 1992, durante a Rio 92, são independentes. A posição histórica brasileira era de manter dois trilhos de negociação considerando que clima era um problema de energia, causado principalmente por países industrializados e evitando colocar a Amazônia na mesma cesta.

Em São Paulo, Santos concedeu a entrevista ao Valor:

Valor: Este ano a Colômbia irá sediar a COP 16, da Convenção de Biodiversidade. É a primeira desde Montreal, em 2022, quando se assinou o grande marco global da biodiversidade. O sr. diz que o sucesso da COP 16 é importante para a COP 30, no Brasil, em 2025. Por quê?

Juan Manuel Santos: Eu sempre defendi que as duas cúpulas se juntem em uma só. São duas faces da mesma moeda. Se não há progresso em proteger a biodiversidade, a luta contra a mudança do clima fracassa. Se fracassa a luta contra a mudança do clima, a biodiversidade desaparece. Por isso acredito que o esforço do mundo deveria ser unificado: proteger a biodiversidade e conter a mudança climática. Isso, no meu modo de ver, faria com que as duas cúpulas tenham que ser bem sucedidas. Se a COP 16 que vai acontecer em Cáli, na Colômbia, não for exitosa, será difícil que a COP 30, no Brasil, o seja. É uma condição necessária. Veja, se não protegermos a biodiversidade, no largo prazo deter a a crise do clima será cada vez mais difícil.

Valor: O que se espera da COP 16 de Cáli?

Santos: Na conferência de Montreal, em 2022, os países concordaram com um plano-base, o Marco Global da Biodiversidade. Mas o resultado desta e das demais COPs não podem ser simplesmente enunciados em discursos. Chegou a hora, até porque não temos mais tempo, de que sejam ações concretas e não intenções. Repito: temos cada vez menos tempo para preservar o planeta. Veja o que está acontecendo na Amazônia, que está prestes a alcançar um ponto de não retorno, onde a floresta se transforma em outra coisa [por ação do desmatamento, incêndios e aquecimento global]. Estamos cada vez mais próximos deste momento. É por isso que todos temos que fazer um grande esforço e reverter este processo.

Valor: O presidente Gustavo Petro e o presidente Lula divergem em relação à exploração de petróleo na Amazônia. A Colômbia exporta petróleo, está entre os 20 grandes produtores, mas a produção amazônica é só 11% do total. No Brasil é diferente. Como o senhor vê isso?

Santos: Ambos têm razão e ambos não têm razão. Me explico: temos que ir nos desfazendo do petróleo, mas não pode ser de um dia para o outro. Tem que ser gradualmente. As intenções de ir desmontando as operações de petróleo são corretas e são necessárias. Contudo, o mais necessário é que o presidente Lula e o presidente Petro, e os presidentes dos demais países amazônicos, entrem todos em acordo. Se isso não acontecer, o combate ao desmatamento da Amazônia será um fracasso. A região, em boa medida, está sob controle do crime organizado, que é um negócio multinacional.

Valor: O sr. pode falar mais disso?

Santos: Estamos vendo os tentáculos dos cartéis do México na Argentina, na Costa Rica, na Colômbia e no Brasil. A luta contra o crime organizado, assim como o combate à mudança do clima têm que, necessariamente, ser uma luta de todos, cooperando e produzindo sinergias para sermos mais efetivos. Se seguirmos cada

Valor: O sr. ganhou o Nobel da Paz em 2016 pelos seus esforços para colocar fim à guerra civil na Colômbia. Como vê a situação hoje?
Santos: Infelizmente a implementação do acordo de paz não foi cumprida. O governo que me sucedeu [de Iván Duque] era contrário ao processo de paz e fez muito pouco neste sentido. E este governo também não fez grandes coisas. Então, a falta de implementação do processo produziu um ressurgimento da violência e isso está afetando a Colômbia. Por isso dissemos ao presidente Petro que a sua prioridade número 1 deve ser a implementação do processo de paz. Sem isso, o cumprimento de suas intenções, no que ele chama de 'a paz total ', irá fracassar.

Valor: A Colômbia é o segundo país mais megadiverso do mundo. As florestas deveriam ter valor por si, mas não têm. O sr. diz que elas têm valor mortas e que esta equação não está bem colocada. Mas como fazer isso?
Santos: Tive uma experiência com a comunidade indígena mais antiga da América, os kogis, na Sierra Nevada de Santa Marta. Levei a eles o acordo de paz e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] que foram aprovados nas Nações Unidas em 2015 - uma iniciativa colombiana que foi aceita na Rio+20, aqui no Brasil.

Eu me comprometi com os indígenas de conseguir a paz com as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] e com a natureza. Eles me disseram: "Presidente, faça a paz com as Farc, mas faça paz com a natureza. No fim do meu governo, depois de 8 anos, levei a eles o acordo de paz e os ODS dizendo que eu tinha cumprido minha promessa. Eles me devolveram os ODS. Perguntei a razão e me responderam que faltava ali o mais importante, que é o fator espiritual. Perguntei do que se tratava. Me responderam com uma frase muito bonita e também muito contundente: enquanto os seres humanos não tratarem a natureza como iguais, e continuemos a tratá-la como algo de segunda categoria, não teremos paz com a natureza. Temos que sentir que a natureza tem vida, que os rios têm vida, que as florestas têm vida, que os oceanos têm vida. Se percebermos isso, vamos cuidar. Para mim isso foi algo muito poderoso e é o que está nos faltando.

Santos: Eu não era um negacionista, mas era ignorante no tema. Realmente não estava muito comprometido em cuidar da natureza. Na semana seguinte que cheguei ao governo fomos atingidos pelo fenômeno La Niña mais forte que tivemos na nossa história. Algo como o que viveu o Brasil agora, no Rio Grande do Sul [com El Niño]. Fomos impactados durante quase um ano. Eu não sabia o que fazer. Meu antecessor [Álvaro Uribe], como aconteceu no Brasil recentemente, havia sido, de certa forma, negacionista ou pelo menos indiferente. Tinha abolido o Ministério do Meio Ambiente. Então eu chamei especialistas do mundo inteiro, entre eles Al Gore [ex-vice presidente dos EUA e uma das vozes mais importantes do ambientalismo global], que vieram me dizer o que deveria fazer e como poderia manejar este tema. Al Gore me deu uma aula que permanece comigo para a vida toda, sobre a importância de se cuidar da natureza e a importância da biodiversidade para a Colômbia. Nós podemos ter um papel muito importante no debate, mas, como o Brasil, somos muito vulneráveis. Quanto mais eu estudava o assunto, mais me entusiasmava. Fui me tornando um apaixonado na questão climática. Hoje sou um guardião planetário.

Valor: O sr. acha que é um bom negócio abrir novos poços de petróleo e gás hoje?

Santos: Pode ser um bom negócio no curto prazo, mas é um mau negócio no longo prazo. Porque se não trocarmos o 'chip', se não desistirmos dos combustíveis fósseis sujos não teremos êxito em conter a mudança climática. E todos sofreremos. Então, provavelmente os países ou as empresas petroleiras ganharão no curto prazo em função do preço do petróleo atual. Mas o mundo perde a longo prazo.

Valor: Créditos de carbono podem ajudar a enfrentar a crise?

Santos: Para além dos créditos de carbono, o sistema financeiro internacional precisa de uma mudança fundamental. Oxalá isso seja obtido na COP 30, mas também no G20 [grupo das principais economias mundiais] sob a presidência brasileira. As entidades multilaterais foram concebidas depois da Segunda Guerra Mundial. O mundo mudou muito. As instituições, para serem efetivas, têm que ir mudando, à medida em que as necessidades dos países mudam. Hoje em dia, as necessidades de financiamento do mundo inteiro para combater a mudança do clima são imensas, mas são diferentes daquelas que tinham há 50 anos ou 60 anos, e é por isso que essas instituições precisam mudar. Devem gerar incentivos e mecanismos que estimulem os países, e o setor privado, a tomar decisões e adotar políticas compatíveis com a luta contra a mudança do clima.

Valor: Qual seria um resultado bom do G20?

Santos: Seria um sucesso no G20, por exemplo, se instituições como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional adotassem iniciativas que permitam financiar a transição a uma economia mais verde de uma forma mais efetivos, tanto em volume de recursos como nos procedimentos.

Valor: Mas para financiar a transição rumo a uma economia mais verde, créditos de carbono são ou não instrumentos interessantes?

Santos: São interessantes. Há a ideia de se "trocar" dívidas por florestas, uma ideia interessante, desde que se implemente corretamente. É justa. Manter nossas florestas gera custos ao Brasil e à Colômbia. Isso tem implicações e deveríamos ser recompensados. Por isso é fundamental para que se façam mudanças no sistema financeiro. O termo justiça deve ser um dos princípios fundamentais, para que os países que menos contribuíram para a mudança climática não sejam os que, proporcionalmente, paguem mais.

Valor: As empresas de combustíveis fósseis dizem que estão pavimentando a transição. O sr. vê este movimento?

Santos: Há empresas que fizeram coisas nesta direção, não se pode negar. Existem empresas que estão tratando, genuinamente, de compensar os danos com algo benéfico, mas no conjunto fizeram pouco. Enquanto constroem instalações imensas, o sacrifício tem sido relativamente pequeno. Acredito que podem fazer muito mais.

Valor: Metade do planeta vota este ano. Agora estão acontecendo as eleições para o Parlamento europeu e as políticas verdes devem perder espaço, até porque exigem sacrifícios. Há grandes pressões sociais, custo maior de energia e alimentos, movimentos migratórios, medo e insegurança. Esta temática não ganha nas urnas.

Santos: Sim, como fazer com que esta agenda se torne uma agenda de todos. Me preocupa muito ver como as democracias, no geral, estão se enfraquecendo. Entre outros fatores, a polarização alimentada pelas redes sociais, também alimenta o populismo. E produziu uma situação onde setores que pensam diferente, em vez de sentar juntos e dialogar, não se reconhecem. Quando não há trocas, as democracias não funcionam. Não conseguem resolver os problemas das pessoas. George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos, disse, no dia em que deixou a política, que não podemos nos esquecer da palavra moderação. Ou não vamos conseguir nos entender e as democracias fracassam. Isso está acontecendo hoje, 250 anos depois. Precisamos recuperar a moderação nas tensões permanentes que são criadas pela crise climática, por exemplo. Esse é um tema que produz paixões e contrapõe interesses de curto prazo com os de longo prazo. Ou seja: para que um político se eleja nas próximas eleições toma decisões que são convenientes às pessoas no curto prazo, mesmo sabendo que no futuro são contraproducentes. Eu paguei um custo alto, me criticaram muito por ter feito a paz com antigos inimigos.

Valor: O sr. se arrepende?
Santos: Nem por um segundo. Paguei um preço político pelo que fiz. Foram decisões impopulares, mas necessárias no longo prazo. Do tipo que os líderes mundiais não estão tomando, mas deveriam.

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