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Risco de apagão assombra o País

OESP, Economia, p. B1
28 de Ago de 2006

Risco de apagão assombra o País
Pesquisa da UFRJ mostra que 60% das entidades do setor acreditam em nova crise até 2010

Renée Pereira

O risco de um novo racionamento ainda assombra o País, apesar das diversas mudanças promovidas no setor elétrico nos últimos cinco anos. Recente pesquisa feita pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que é grande a preocupação quanto ao ritmo de crescimento da oferta de energia no Brasil. Quase 60% das entidades do setor acreditam que o País poderá sofrer nova crise até 2010.

O principal entrave é a questão ambiental. Segundo a pesquisa, 42% dos entrevistados acreditam que a demora na concessão das licenças pode atrapalhar a ampliação da capacidade instalada do País e que esse processo tende a elevar o custo da energia. Para eles, o setor precisa de legislação pragmática e objetiva que permita o andamento das obras.

Segundo relatório de fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), há 23 usinas licitadas (5.157 MW) até 2002 que ainda não iniciaram obras principalmente por atraso no processo ambiental. Dessas, 12 ainda esperam a obtenção da licença prévia e 5 aguardam a licença de instalação.

Há empreendimentos cujo cronograma de construção venceu em 2000, como é o caso da Hidrelétrica de Cubatão, em Santa Catarina. Conforme a Aneel, o inventário florestal foi indeferido pelo Ibama. A construção da unidade exige corte de Mata Atlântica, o que é proibido. O contrato de concessão de Cubatão foi assinado em 1996. O mesmo ocorre com a usina de Santa Isabel (TO/PA), cujo projeto foi considerado inviável. O processo foi reiniciado, mas ninguém garante que a usina, de 167 MW, saia do papel.

Para evitar esse tipo de problema, o Ministério de Minas e Energia adotou a regra de somente leiloar usinas que tenham licença prévia aprovada pelos órgãos ambientais. Mas a morosidade das concessões continua. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, garante, porém, que o País está livre de racionamento até 2010. "Pela primeira vez na história, as distribuidoras estão com 100% da energia contratada para atender seus mercados."

Mas especialistas alertam que essa garantia é um papel. E, em várias outras ocasiões, contratos não foram cumpridos no País. A grande preocupação é que uma hidrelétrica demora no mínimo três anos para sair do papel. Conforme a Aneel, todas as usinas (13 unidades), pequenas ou médias, estão em construção há, pelo menos, cinco anos. Há unidades que foram concedidas à iniciativa privada em 1993, como é o caso de Rondon II, em Roraima.

De acordo com especialistas, a situação melhorou bastante desde o racionamento. Mas ainda há muito por fazer, afirma o consultor Roberto Pereira D'Araujo. Na avaliação dele, alguns fatores têm contribuído para a reestruturação do setor elétrico: as chuvas ajudaram a recuperar uma parte significativa dos reservatórios (exceto os do Sul) e as taxas de crescimento do País continuam pífias.

"Teremos tranqüilidade até 2009 se a economia continuar crescendo 3% ao ano", afirma o diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Luiz Gonzaga Bertelli. Na opinião dele, continuamos dependentes das chuvas. "Na prática, não está acontecendo nada. Apenas estamos criando papéis", afirma ele. "Há um descompasso grande entre o que o governo fala e o que ocorre no setor. Há um marasmo nas licenças ambientais e nas agências."

Para o presidente da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, se considerarmos os papéis não temos motivos para preocupação até 2010. "Mas as usinas precisam entrar em operação." A maior crítica do diretor-técnico da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), Cristiano Abijaode, é que o novo modelo excluiu a figura do autoprodutor, que foram os grandes investidores de geração nos últimos anos. "Hoje, companhias, como Vale do Rio Doce, não têm o menor interesse em entrar em leilões de hidrelétricas. São R$ 3 bilhões por ano que não estão sendo aplicados no setor. O País não pode dar-se ao luxo de excluir investidores desta forma."

Acabou a era das usinas com grandes reservatórios

A aposta do governo em projetos como Rio Madeira e Belo Monte, vai exigir grandes mudanças na operação do sistema elétrico. Isso porque a maioria das novas hidrelétricas serão a fio d'água, sem reservatório para armazenar água para o período seco, afirma o consultor Roberto Pereira D'Araujo.

Na região Norte, onde está boa parte das usinas previstas pelo governo, o volume de água é intenso entre janeiro e junho. De julho a dezembro, o nível de água cai até seis vezes o volume das cheias. No Rio Xingu, por exemplo, onde será construída Belo Monte, o volume de água cai de 13 mil para quase mil metros cúbicos por segundo.

D'Araújo explica que, para aproveitar o total de água do rio seria necessário criar mecanismos para compensar a queda do volume de água na segunda metade do ano. Isso poderia ser feito pelos reservatórios da região Sudeste ou com a inserção de um número maior de termoelétricas no sistema brasileiro, afirma Xisto Vieira, presidente da Associação Brasileira de Geradores Térmicos (Abraget).

Segundo ele, está cada vez mais difícil construir hidrelétricas com reservatórios no País por causa dos impactos ambientais. O último levantamento da Aneel mostrava que 90% das usinas licitadas são a fio d'água. Durante muito tempo pôde-se levantar usinas sem um controle rígido dos prejuízos à natureza. Mas hoje as exigências são maiores e os estudos muito mais completos que antigamente. Por isso, para conseguir fazer hidrelétricas sem que haja um processo extremamente demorado, a saída é abrir mão do reservatório. "O problema é que, assim, perdemos a capacidade de armazenamento. Ficaremos ainda mais dependentes das chuvas", avalia Vieira.

Para o presidente da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, o risco do País é apostar todas as fichas nesses projetos estruturantes, como Belo Monte e Rio Madeira. Ele explica que o grau de risco é maior, pois estão em áreas mais sensíveis do ponto de vista ambiental. "Por isso, é necessário um acompanhamento rígido do processo."

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, afirma que a previsão é que as usinas do Rio Madeira consigam licença prévia em novembro.

OESP, 28/08/2007, Economia, p. B1

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