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Riquíssimo em biodiversidade, Brasil ainda é pobre em turismo

OESP, Vida, p. A30
21 de Mai de 2006

Riquíssimo em biodiversidade, Brasil ainda é pobre em turismo
País deveria seguir o exemplo da Costa Rica, que fatura R$ 1,5 bilhão com ecoturismo e é menor que a Paraíba

Herton Escobar

Número de parques nacionais: 23. Número de visitantes anuais: cerca de 1 milhão. Valor arrecadado com o pagamento de ingressos para visitação: US$ 6 milhões. Valor total movimentado pela indústria de turismo no país: US$ 1,5 bilhão. Resultado: valorização dos recursos naturais e reconhecimento como um dos principais destinos ecológicos do turismo internacional.
Números dignos de um país grande e rico em biodiversidade como o Brasil. Só que eles pertencem à Costa Rica, uma nação menor do que o Estado da Paraíba e cujos parques nacionais caberiam facilmente dentro de uma única unidade de conservação da Amazônia. 'Em menos de 1 milhão de hectares (a área somada dos 23 parques) nós produzimos mais dinheiro do que todos os parques nacionais do Brasil', diz o ex-ministro de Meio Ambiente da Costa Rica e atual diretor regional para América Central da organização Conservação Internacional, Carlos Manuel Rodriguez.
A comparação é um tanto exagerada. Mas não muito. Considerando a diferença de escala entre os dois países, ela soa mais do que correta. Apesar de sua fama internacional como detentor da maior biodiversidade e da maior floresta tropical do planeta, o Brasil ainda tira muito pouco proveito de suas belezas naturais como atração turística. Os prejuízos são tanto econômicos quanto ambientais: o País deixa de participar de um mercado bilionário, cujos benefícios podem ser revertidos tanto para o desenvolvimento quanto para a conservação. 'É uma das maiores indústrias do mundo, e o Brasil está jogando isso fora', resume o geógrafo e diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani.
Dos 60 parques nacionais brasileiros, apenas 23 estão oficialmente abertos para visitação, e só 19 deles fazem arrecadação de ingressos (veja tabela ao lado). Outros 6 podem ser visitados apenas com autorização especial, e 31 são visitados de maneira 'não oficial' - o que significa que não têm plano de manejo ou estrutura apropriadas para isso. Conseqüentemente, o turismo nessas unidades não é devidamente controlado e não há retorno financeiro direto para a conservação.
Nesse último grupo, surpreendentemente, estão alguns dos destinos turísticos mais conhecidos do País, como Chapada Diamantina, Jericoacoara e Lençóis Maranhenses. 'A visitação nos parques só é legal se for feita de acordo com um plano de manejo', diz a técnica Camila Rodrigues, da diretoria de Áreas Protegidas do Ibama. 'Por enquanto, portanto, a visitação nesses locais é irregular.'
ESTATÍSTICAS
Mesmo para os parques com visitação oficial, estatísticas confiáveis sobre números de visitantes e valores arrecadados são difíceis de se conseguir. Inclusive para o Ibama. Não há um sistema uniformizado de cobrança nem de controle de visitantes entre as unidades, o que torna as informações difusas.
Os levantamentos mais recentes indicam, porém, que os 23 parques nacionais oficialmente abertos para ao turismo receberam quase 3 milhões de visitantes em 2005 - 1 milhão a mais do que cinco anos atrás (veja gráfico). A arrecadação com taxas de visitação subiu de R$ 8,3 milhões em 2000 para R$ 14,3 milhões, em 2004. Não há estimativa para 2005.
Os campeões do turismo são os Parques Nacionais de Foz do Iguaçu, no Paraná, e da Tijuca, no Rio (onde está o Cristo Redentor), com mais de 1 milhão de visitantes cada um.
Numericamente, é mais do que a Costa Rica. Mas poderia ser muito, muito mais. 'Temos um potencial enorme que não está sendo aproveitado, o que nos deixa até meio impacientes', diz o consultor de ecoturismo da Embratur, Ricardo Attuch, que trabalha com o Ibama desde o fim de 2004 para tentar organizar e incrementar o turismo nos parques brasileiros.
Uma das propostas principais é, justamente, estabelecer um sistema integrado de arrecadação e controle da visitação para todas as unidades, por meio de um convênio com a Caixa Econômica Federal.
APELO INTERNACIONAL
Apesar de haver belezas naturais espalhadas por todo o País, o ideal, segundo Attuch, é focar a atenção nos parques nacionais - principalmente na divulgação para o mercado internacional. 'Todo mundo entende o que é um parque nacional; essa é a grande isca do turismo', diz.
Segundo ele, o Brasil precisa diversificar sua oferta de atrativos ambientais, ainda muito focada no produto 'sol e praia'. 'Precisamos quebrar esse conceito de balneário.' 'Praia todo mundo tem e até mais bonitas do que as nossas', diz o empresário e ambientalista Roberto Klabin, presidente da SOS Mata Atlântica e sócio do Refúgio Ecológico Caiman, no Pantanal, que investe na observação de onças, araras e outras espécies selvagens como trunfo para o turismo. Segundo ele, o Pantanal vem perdendo apelo nos últimos anos por falta de investimentos em infra-estrutura e divulgação. 'As políticas públicas no Brasil não reconhecem o meio ambiente como um diferencial de turismo', diz. 'A Costa Rica está anos-luz à frente do Brasil', diz o empresário alemão Wolf Michael Iwand, diretor-executivo da Tui, uma das maiores empresas de turismo do mundo. 'O País não é visto como um destino de ecoturismo. A imagem que chega para o turista europeu ainda é a da garota de Ipanema.' Além de divulgação, segundo ele, é preciso investir em infra-estrutura logística e na criação de roteiros mais acessíveis. 'O Brasil tem uma vantagem competitiva muito grande, por causa da riqueza de sua biodiversidade', afirma Iwand. 'Entretanto, por causa do tamanho do País, o acesso a muitos dos locais é difícil e exige muitos dias de viagem, o que acaba se tornando uma desvantagem.' A Costa Rica, por outro lado, é beneficiada por seu pequeno tamanho, que permite trânsito fácil entre os diferentes parques e outros pontos turísticos. 'Você pode ter a maior biodiversidade do planeta, mas se as pessoas não conseguem chegar até ela, não adianta nada', afirma Richard Tapper, do Environment Business & Development Group, que é consultor do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma) para assuntos de turismo. Ele é o principal autor do relatório Observação de Vida Selvagem e Turismo, divulgado pelo Pnuma no início do ano, que relaciona várias iniciativas positivas de ecoturismo voltado para a observação de animais - entre elas, a do Projeto Tamar, no Brasil.
Na Tanzânia, segundo a publicação, só o Parque Nacional do Serengeti recebe mais de 150 mil turistas por ano, que pagam US$ 5,5 milhões pelo direito de contemplar leões, guepardos, elefantes e girafas em seu ambiente natural. Nos biomas brasileiros, observar animais selvagens costuma ser bem mais complicado (principalmente nas florestas), mas a variedade de paisagens e espécies não deixa nada a desejar. 'A Amazônia, por si só, tem um apelo inacreditável', observa Tapper. 'Imagino que só caminhar pela floresta já seria uma experiência incrível para muita gente.'
PRÓS E CONTRAS
O principal desafio do ecoturismo é fazê-lo de forma sustentável, para que não se torne uma ameaça à natureza. Afinal, o homem pode ser um animal extremamente perigoso, até mesmo para um leão ou uma onça. Há quem diga, inclusive, que as palavras 'eco' e 'turismo' são incompatíveis. 'Elas são compatíveis, sim, desde que a atividade seja bem planejada e bem gerenciada', avalia Tapper. Nesses casos, segundo ele, o ecoturismo pode servir como uma importante fonte de recursos para conservação e para o desenvolvimento econômico das comunidades locais. 'Sempre vai haver algum impacto, mas esse impacto pode ser aceitável. Se você tem turistas entrando na floresta em vez de madeireiros, eu diria que é um benefício.' Na Costa Rica, manter a floresta em pé se tornou um negócio lucrativo.
Mesmo fora dos parques nacionais, muitos proprietários particulares também adotaram o ecoturismo como atividade principal, segundo Rodriguez. 'Hoje uma propriedade com floresta vale muito mais do que uma sem floresta', diz o ex-ministro. 'O Brasil tem muito orgulho de ser o campeão do futebol. Deveria ter orgulho de ser o campeão do meio ambiente também.' Há pouco mais de um mês, o Ministério do Meio Ambiente publicou as primeiras Diretrizes para Visitação em Unidades de Conservação, com regras para a prática de caminhada, escalada, montanhismo, rafting, ciclismo, mergulho e outras modalidades de turismo sustentável. O documento também é direcionado aos gestores das unidades, com normas para prestação de serviços e participação das comunidades locais e tradicionais. O documento, entretanto, ainda não está disponível online para a população.
Com relação à aplicação de recursos para conservação, a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), de 2000, determina que entre 25% e 50% dos recursos arrecadados com visitação devem ser revertidos para a própria unidade. Mas esse caminho ainda não é direto. O dinheiro das entradas vai para um conta única da União e só retorna dentro do orçamento geral do Ibama, que distribui os recursos de acordo com as necessidades.

Na Amazônia, 15 pólos detectados em locais conhecidos e remotos

Herton Escobar

Um estudo de seis anos, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, identificou 15 pólos regionais com vocação para o ecoturismo na Amazônia Legal. A lista inclui pontos turísticos já conhecidos, como as praias fluviais de Alter do Chão, no Pará, e as dunas e cachoeiras do Jalapão, no Tocantins. Mas introduz também destinos remotos, como o extremo norte do Amazonas, onde estão o Parque Nacional do Pico da Neblina (ponto mais alto do País) e a região conhecida como Cabeça do Cachorro.
O objetivo, segundo o ministério, é desenvolver o turismo como uma atividade econômica sustentável na região. "É uma estratégia que se contrapõe ao modelo vigente da Amazônia, que é o de corte raso da floresta para pasto", diz o gerente-técnico do Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur), Rinaldo Mancin.
O estudo foi iniciado em 2000, com um empréstimo de US$ 13 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A primeira fase, que envolveu a identificação dos pólos e análises de mercado, deve ser concluída ainda neste ano. A fase dois, que será coordenada pelo Ministério do Turismo, fará a implementação e o desenvolvimento de fato das atividades turísticas.
O grande desafio, segundo os técnicos, é a dificuldade de acesso. "É uma região remota, o que implica custos maiores para visitação", observa o coordenador-geral do programa, Allan Milhomens. Ao mesmo tempo, porém, é uma região de grande apelo internacional e extremamente diversificada do ponto de vista ambiental e cultural. "Temos uma infinidade de áreas com potencial turístico para explorar."
Outra dificuldade é a falta de infra-estrutura das unidades de conservação. Segundo Mancin, são poucas na Amazônia as que têm plano de manejo para o turismo. Entre os parques nacionais, apenas dois estão abertos para visitação em áreas de floresta: o da Amazônia, no Pará, e o do Jaú, no Amazonas. Juntos, eles receberam menos de 500 visitantes em 2005.

OESP, 21/05/2006, Vida, p. A30

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