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Riqueza de uma safra

O Estado de S. Paulo-SP
Autor: Lúcio Flávio
27 de Nov de 2001

Uma vez exauridos os depósitos minerais de interesse comercial, acabou a história.

Minério não dá duas safras. Uma vez exauridos os depósitos de interesse comercial, acabou a história. A história já acabou para o manganês do Amapá. Durou menos de meio século. Está chegando ao fim para a mina de ouro do igarapé Bahia, em Carajás, no Pará, que não foi além de 15 anos. No curso desse período, essa mina, que chegou a produzir 10 toneladas por ano do metal, desbancou a secular hegemonia de Morro Velho, em Minas Gerais. Só não pôde sustentar esse feito por muito tempo. Os fatos, na Amazônia, parecem ser mais intensos. No entanto, também mais rápidos.
A história já tem quase um quarto de século para a bauxita do Trombetas, também no Pará, a terceira maior jazida do mundo, que começou com 2 milhões de toneladas e agora está passando de 16 milhões ao ano, e igual idade para o caulim do Morro do Felipe, no Amapá (extraído em um lado do rio e beneficiado do outro lado do Jari, no Pará). Está chegando a 20 anos para o minério de ferro e o manganês de Carajás. Vai alcançar meio século em relação ao ouro do Tapajós. Considerando-se apenas as ocorrências de maior expressão econômica.
Somente na segunda metade do século passado a Amazônia passou a contar na economia mineral do país, a partir de duas frentes pioneiras: o garimpo de ouro no Tapajós e a lavra industrial de manganês no Amapá. Hoje, ninguém mais tem dúvida de que a região guarda (ou esconde) em suas entranhas o mais valioso patrimônio mineral do país. Só uma pequena parte desse potencial está sendo explorado atualmente. Geologicamente, a Amazônia tem uma estrutura complexa e original. Por sua extensão e pela grandiosidade dos seus elementos geográficos, o aproveitamento econômico das concentrações de minérios requer uma combinação de capital e tecnologia, que limita a capacidade humana de transformar o potencial em realidade e, ao mesmo tempo, estabelece a regra dos mastodônticos empreendimentos, conectados aos grandes consumidores internacionais e com poucos vínculos locais.
A dispersão das jazidas, na imensa paisagem de terras, florestas e rios e, ao mesmo tempo, a formação de enclaves nos locais em que foram implantados os projetos minerais, parecem tolher a capacidade de percepção e entendimento da face mineradora da região, que se torna uma face oculta, quase invisível. A jazida de manganês de Serra do Navio, uma das mais ricas que já houve em todo o mundo, foi exaurida numa exploração intensa de meio século sem que a população amapaense tomasse consciência do seu significado, ou tentasse tirar-lhe os melhores rendimentos econômicos. Os buracos ficaram abertos, as drenagens assoreadas, a vila residencial se tornou uma cidade fantasma, a ferrovia está abandonada e o capítulo manganês, minério estratégico para a siderurgia, acabou. Talvez venha a ser escrito um dia no país que dele tirou mais vantagem: os Estados Unidos.
A mineração já viveu e ainda vai viver novos ciclos no Pará, o segundo maior Estado minerador brasileiro, logo após Minas Gerais, na véspera de passar à dianteira. No balanço entre o que estará acabando e o que se iniciará, o saldo será positivo ainda por algumas décadas. Mas alguns cartuchos já foram queimados e outros continuarão a ser desperdiçados se o Estado não der conseqüência prática - e inteligente - a essa elementar observação dos geólogos: minério só dá uma safra. Depois de duas décadas de extração do filé-mignon do ferro mundial, o de Carajás, o de melhor teor que se conhece, o Estado parece não ter massa crítica para questionar a decisão que a Companhia Vale do Rio Doce tomou, em dezembro de 1998, um ano e meio depois de ser privatizada: instalar em São Luís, a capital do vizinho Maranhão, a primeira usina de pelotização de ferro do Sistema Norte. Individualmente, ela é maior do que todas as sete pelotizadoras que a CVRD construiu ao lado do porto de Tubarão, no Espírito Santo, a porta de saída de riquezas do Sistema Sul, o mais antigo e ainda o mais poderoso da sua estrutura.
Em março do próximo ano, essa enorme usina, com capacidade para produzir seis milhões de toneladas de pellets por ano, entrará em operação. Continua não respondida a questão que os paraenses não formularam para a empresa: a agregação do minério fino não podia ser feita junto à própria mina, no Pará? A Vale tem uma série de explicações técnicas, ditas em tese, formuladas ex-cathedra. Jamais foi contraditada. Nunca teve que se pronunciar sobre uma demonstração oposta. Sua deliberação foi aceita passivamente. Como manso e pacífico foi o acatamento à instalação em Fortaleza, no Ceará, da primeira grande aciaria do Norte-Nordeste do Brasil, para onde irão o ferro de Carajás e o gás do Rio Grande do Norte. Para o Pará, dono da área onde está localizada a jazida, a quase dois mil quilômetros de distância, restará, na escala da verticalização, enriquecer um pouco mais o minério de Carajás, na forma de ferro gusa.
Siderurgia tropical
O empresário Luís Carlos Monteiro, dono da maior das três guseiras que funcionam no Pará, a Cosipar (há outras seis no Maranhão, ao longo da ferrovia de Carajás), sustenta que esse é um bom negócio porque o Brasil tem, na região, a possibilidade de realizar uma "siderurgia tropical". Essa "tecnologia eminentemente brasileira" decorre do uso de floresta, na forma de carvão vegetal, como insumo de excepcional qualidade enquanto redutor, suprindo a inexistência de carvão mineral (e superando-o comparativamente) no país. Seria, assim, uma inteligente adaptação ao meio para competir num mercado do qual, de outra maneira, o Brasil estaria excluído.
É uma perspectiva, a empresarial. Falta, porém, a visão organizada e consistente do Estado, que continua a tratar a mineração, a siderurgia e a metalurgia como resíduos de competência de uma secretaria com tripla abrangência (indústria, comércio e mineração), a mineração sendo tratada pelas sobras, assim como é mal definida numa empresa pública, a Paraminérios, e tangencialmente abordada numa outra secretaria, voltada para o meio ambiente e a ciência.
A ausência de uma cultura compreensiva e crítica do problema explica o refluxo do interesse no momento em que começa o ciclo do cobre, que pode se tornar o mais importante dos até agora implantados, e se consolida o do caulim, sem que o Estado possa apresentar nada de concreto para evitar que dessas safras fique o buraco na terra e o apito do trem no ar. Como está ficando.
Em relação ao caulim, vai estancar na primeira transformação, a da concentração, sem chegar, ao menos por enquanto, na metalurgia. Já quanto ao caulim, desenvolvido paralelamente à produção de celulose, não alcançará a indústria papeleira. Essas limitações serão mesmo estruturais, ou resultam da ausência de um diálogo em pé de igualdade, entre os que se lançam ao uso dessas riquezas naturais em busca do maior rendimento possível, e controlam o processo, e os que têm os recursos, mas não os controlam?
Foi assim em outras províncias minerais do planeta, na África e na Ásia (e particularmente na África do Sul, que guarda impressionantes semelhanças físicas e, de certa maneira, excluído o problema racial, históricas com o Pará). Será assim deste lado verde (e cada vez menos verde) da Terra azul? A pergunta anda atrás, angustiada, de uma resposta.

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