VOLTAR

Rio Tietê pode voltar a ser hidrovia

OESP, Metrópole, p. C8
11 de Mai de 2009

Rio Tietê pode voltar a ser hidrovia
Governo estuda usar o rio em anel hidroviário para transportar cargas

Bárbara Souza

O Rio Tietê, para o qual a cidade só olha quando transborda ou seu cheiro está pior que o normal, pode ganhar mais um respiro entre as 67 propostas já feitas em mais de 100 anos - e se tornar navegável. A ideia do governo do Estado é criar um hidroanel metropolitano, aproveitando a conexão entre o Tietê e o Rio Pinheiros, que serão ligados às Represas Billings e Taiaçupeba, na região de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. O objetivo é levar, pela água, toda a carga transportada - ou parte dela - o mais próximo possível do Porto de Santos ou de pontos de distribuição que se integrariam a outros sistemas, como o Rodoanel e o Ferroanel.

Mais de uma área sentiria o impacto dessa nova forma de transportar carga - e talvez pessoas - na Região Metropolitana: enquanto o Tietê agoniza solitário em meio ao asfalto, 440 mil viagens são feitas diariamente pelas pistas da Marginal, contribuindo para o transporte de 1 bilhão de toneladas de carga por ano.

Tirar tantos caminhões das ruas, segundo o Estado, beneficiaria o meio ambiente, melhoraria o trânsito e, por que não, faria a cidade voltar os olhos para o Tietê. "Se a população perceber que o rio pode oferecer benefícios, com certeza a fiscalização será maior", diz o engenheiro Frederico Bussinger, diretor do Departamento Hidroviário (DH), da Secretaria Estadual de Transportes.

A ideia custaria R$ 2 bilhões e levaria ao menos 20 anos para ser concluída. "Não é um valor para assustar ninguém, essa obra traria muitos benefícios." Um terço da verba seria destinada apenas à construção de um canal de 25 quilômetros ligando as Represas Billings e Taiaçupeba.

Mas o tempo, diz Bussinger, não é empecilho para o início da exploração da navegabilidade do rio no trecho urbano - hoje, o Tietê já conta com 41 quilômetros entre a Barragem da Penha, na zona leste, e a de Edgar de Souza, em Santana de Parnaíba. Neste momento, além da conclusão do projeto executivo para a construção de uma eclusa na Barragem da Penha, o DH está identificando grupos que poderiam usar o rio como meio de transporte. Além de empresas de construção civil, a Sabesp é cotada para usar esse tipo de alternativa - a ideia é que o lodo das estações de tratamento seja transportado em barcaças pelo Tietê.

No Pinheiros, seria necessário rebaixar trechos da calha, como no Tietê. Na Billings, precisaria ser delimitado o percurso das embarcações. "Estamos só resgatando projetos que já foram feitos no passado." O engenheiro sabe que há muito chão pela frente para a obra deixar de ser apenas um sonho - e admite que é impossível realizá-la toda de uma vez. Mas diz que falta pouco para parte dela virar realidade.

No século 20, o engenheiro americano Asa White Kenney Billings já previa essa finalidade para o rio - a carga passaria pelo Tietê, cruzaria o Pinheiros e chegaria a um grande reservatório. Do alto da serra, ela desceria a Santos por um teleférico. Quase cem anos depois, nenhuma parte do sonho dele virou obra de engenharia. Apenas seu nome foi usado para batizar a represa por onde esse hidroanel poderá passar.

Navegabilidade está em pauta desde 1920
Engenheiro planejou parque às margens do rio, para dar vazão às cheias

Bárbara Souza

Não é de hoje que se fala em usar o Tietê para transportar cargas e pessoas. Bem antes de a capital se tornar esse emaranhado de avenidas congestionadas, seus rios eram cortados por embarcações levando gente para todos os lados. Em 1924, o engenheiro Francisco Saturnino de Brito pensava em construir quatro eclusas para garantir sua navegabilidade e criar um parque às suas margens, para dar vazão à água na época das cheias. Mas as ideias de Brito não foram levadas adiante. Nos anos 1940, o prefeito Prestes Maia lançou um plano de construção de vias. Nos anos 1960, nasceram as marginais.

Havia lei prevendo recuperar a relação da cidade com o Tietê. Em 1927, a Lei 2.249 declarava o destino navegável do rio, que precisava receber outras obras. Em estudo, o engenheiro Adriano Murgel Branco ressalta: "Registre-se que, não obstante a Lei 2.249 haver previsto as obras de navegação, elas não foram feitas." Os dados constam de apresentação feita em outubro passado no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

Adriano Branco aponta o retrocesso da cidade no uso dos rios como meio de transporte, fazendo um paralelo com a exploração deles para a geração de energia. "No século 16, quando a Vila de São Paulo era limitada pelos Rios Tamanduateí, Tietê e Anhangabaú, se navegava por eles, principalmente na ligação com Santo André. Dessas imediações, as cargas e as pessoas desciam para o mar pelo chamado Caminho de Padre José", descreve. Em 1940, pedras e areia eram transportadas pelo rio, licenciadas pela Prefeitura. Aos poucos, sumiram. Nos anos 1960, foi feito um estudo detalhado para transportar hortaliças e frutas de Mogi das Cruzes para a capital. Mas esse projeto também não vingou.

Proposta não esclarece dúvidas

Bárbara Souza

A proposta de criar um hidroanel deixa perguntas no ar: que carga será transportada? Como atrair a iniciativa privada? Onde serão os pontos de transbordo? "O problema é que não se apresenta um estudo para valer", diz o engenheiro Sergio Rocha Santos, professor da Escola Politécnica e do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. "É preciso fazer um estudo real para dizer se é economicamente viável." Para ele, antes de executar o projeto, seria bom iniciar a navegação no trecho já existente - entre os Rios Tietê e Pinheiros. "Seria uma oportunidade de viabilizar a operacionalidade de transporte de carga no rio. E mostrar que funciona."

OESP, 11/05/2009, Metrópole, p. C8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.