VOLTAR

Rio Sao Francisco

O Globo, Tema em Discussao, p.6
Autor: DELL' ISOLA, Olavo Nogueira
03 de Fev de 2005

Tema em discussão: Rio São Francisco
Nossa opinião
Baixo custo
Idéia mais do que centenária, da época do Império, a utilização do São Francisco para amenizar os efeitos das secas no Nordeste poucas vezes esteve tão próxima de se concretizar. Seja por ter sido o projeto de transposição das águas do rio convertido em uma obra menos ambiciosa — agora destinada a interligar a Bacia do São Francisco com a de rios da região do semi-árido — ou por ter havido um empenho político mais firme deste governo, o fato é que o empreendimento acaba de receber o sinal verde do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Faltam o aval das autoridades ambientais e escaramuças jurídicas. E, como sempre, é impossível prever o Ministério Público. Mesmo assim, há no Orçamento federal uma reserva de recursos para o início da obra. Também não se pode considerar irreversível o projeto por causa da histórica resistência de grupos políticos dos estados banhados pelo rio. Como o São Francisco é uma bandeira política suprapartidária, e em torno do assunto agem grupos de militância ecológica, poucas vezes o tema é debatido com a necessária objetividade e com base em dados técnicos.
Mas deveria. Argumenta o governo que o projeto, na nova versão, poderá atender a 28 milhões de pessoas, numa região onde mil quilômetros de rios se tornarão perenes. Tudo poderá estar concluído depois de um ano e meio de trabalho. Aos críticos e temerosos de danos ao meio ambiente Brasília garante que os 63 metros cúbicos por segundo a serem retirados do São Francisco representam apenas cerca de 3,5% da vazão efetiva do rio na foz. Muito pouco para os benefícios que o projeto levará ao agreste.

Outra opinião
Ambicioso
Olavo Nogueira Dell Isola
Com a aprovação do projeto pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, o governo federal anuncia, com estardalhaço, o início das obras de transposição do São Francisco. Toda a população do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco naturalmente se entusiasma. Antevê, como em sonho, o fim das trágicas cenas que se repetem todos os anos.
Como aqueles que vivem em qualquer outra parte do país mais desenvolvida, também o povo do Nordeste deseja ter, à porta, água abundante, tratada e encanada. Contudo o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco é extremamente ambicioso, caro, complexo e, o mais grave, sua viabilidade somente poderá ser comprovada efetivamente durante o seu funcionamento, após o término das obras.
Daí o receio de alguns governadores e de técnicos mais prudentes de que esse projeto, depois de pronto, possa vir a ser subutilizado ou abandonado, como outros. A primeira grande interrogação está na quantidade fixa de água a ser captada, nas cheias e nas estiagens, e as conseqüências, a montante e a jusante, no funcionamento das hidrelétricas, na navegação fluvial, nos sistemas de irrigação já existentes e nas demais atividades ribeirinhas.
Outra questão que não deve ser relevada é o custo final da água para o consumidor. Com extensas adutoras, túneis e bombas de funcionamento contínuo e que requerem manutenção permanente, o custo do produto final pode inviabilizar novos projetos de irrigação. Outro problema não menos importante é a obrigatoriedade que Minas Gerais e Bahia passariam a ter na preservação do volume mínimo de água do Rio São Francisco, necessário à transposição.
Em Minas, principalmente, o despejo in natura de águas altamente poluídas, o contínuo processo de assoreamento e de destruição de matas ciliares ameaçam a perenidade do rio e, por isso, deveriam ser considerados no projeto. Com a obrigação que passaria a ter de assegurar um determinado volume de água do São Francisco, é possível que Minas não pudesse mais autorizar a instalação de novos pontos de irrigação, e até mesmo o importante projeto Jaíba, ainda não concluído, não pudesse ser expandido.
Finalmente, é oportuno um alerta: não basta, através de um dispendioso projeto, ressuscitar-se leitos secos de rios. Apesar de perene, o Jequitinhonha, por exemplo, por si só não assegura à população do Vale água em abundância, tratada e encanada.
Olavo Nogueira Dell Isola é coronel-aviador na reserva.

O Globo, 03/02/2005, p. 6

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.