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Regularização fundiária de grilagem gera mais desmatamento, conclui estudo

Direto da Ciência - http://www.diretodaciencia.com/
Autor: CÍNTHIA LEONE
22 de Mai de 2020

Análise contraria argumento usado pelo governo Bolsonaro para legalizar áreas da União invadidas e desmatadas.

Um artigo publicado no dia 18 na revista Nature Sustainability indica que a regularização fundiária de áreas invadidas estimula o desmatamento na Amazônia brasileira. Essa conclusão contraria a concepção geralmente aceita de que a titulação da propriedade para invasores aumenta a proteção ambiental. A gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentou com esse argumento aprovar a Medida Provisória 910/2019, a MP da Grilagem, como foi chamada, que "caducou" e foi substituída pelo projeto de lei 2633/2020 .

Grilagem é o nome dado ao crime de desmatar áreas públicas e simular a posse dos terrenos. Em geral, o objetivo dessa ação é a venda das terras, que se valorizam tanto pelo desmatamento em si (a queima e remoção das árvores requer um alto investimento), como pela obtenção do título de propriedade. A prática é umas das principais causas de desflorestamento e alimenta um mercado ilegal de terras na região amazônica.

"Existe uma hipótese muito difundida de que a degradação ambiental acontece porque a terra não tem dono, é terra de ninguém", afirma Tiago Reis, um dos autores do artigo "Impacts of a large-scale titling initiative on deforestation in the Brazilian Amazon".

"O que nossa pesquisa indica é que a regularização fundiária dá aos pequenos e médios ocupantes acesso a crédito, permitindo que eles iniciem ou ampliem atividades produtivas que intensificam o desmatamento", diz. Segundo o estudo, a degradação aumenta com o passar dos anos e começa antes mesmo da data da titulação por conta da expectativa de posse.

Especulação imobiliária
Já no caso das grandes áreas, a regularização não altera o cenário. "A invasão de extensas terras públicas não visa à atividade produtiva, mas à especulação imobiliária", explica o pesquisador. "Nesses casos, o desmate ocorre antes da busca por regularização, e o título serve para valorizar a terra que já foi invadida para venda."

O artigo também identifica uma relação entre a valorização da carne e da arroba do boi com o desmatamento. "A pecuária é a atividade principal em áreas griladas porque requer menos conhecimento e investimento em tecnologia em comparação com atividades agrícolas, além de ter mais liquidez", explica. "Se o ocupante da terra precisa de dinheiro rápido, é mais fácil vender alguns animais do que uma produção de grãos ou frutas sujeitos a sazonalidades e intempéries."

Reis foi pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e desde 2018 faz doutorado em Ciências do Uso da Terra na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Seu tema de pesquisa é a relação entre questões fundiárias e a cadeia produtiva de commodities.

O artigo publicado usa dados coletados entre os anos de 2011 e 2016 e é assinado também por pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e do departamento de Economia do College of William & Mary, dos EUA. A revista Nature Sustainability é um periódico mensal criado pelo grupo editorial Springer-Nature em 2018 para abordar exclusivamente temas de sustentabilidade.

Anistia a desmatadores
Programado para ir à votação na Câmara dos Deputados na quarta-feira (20), o PL 2633 foi retirado da pauta após protestos da ala ambientalista e pela insistência do governo por uma redação mais próxima à da MP 910, que perdeu validade justamente em 19 de maio. Ela permitia que terras da União invadidas até 2018 fossem legalizadas - o prazo anterior era 2014. O texto do projeto de lei deixa o marco temporal como estava, mas mantém dispositivos da MP que regularizam terras desmatadas e anistiam crimes e multas ambientais.

O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), da Frente Parlamentar Ambientalista, afirma que essa movimentação criou uma corrida em busca de terras na Amazônia, com aumento crescente do desflorestamento. "Depois de muita pressão, nós conseguimos alterar esse texto, reduzindo o tamanho das áreas que podem ser regularizadas de maneira simplificada de 15 para 6 módulos (ou de 1.650 hectares para 650 hectares) e proibição da legalização das grilagens novas".

Mesmo com as mudanças, a Frente defende que a matéria não deve ser votada agora para dar prioridade ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. "O projeto ainda é muito prejudicial ao Brasil e incentiva o desmatamento", declara o parlamentar.

'O crime compensa'
Para Reis, as sucessivas mudanças na lei precisam parar. Ele lembra que já houve uma outra MP da Grilagem em 2017, no governo Temer (MDB), que permitiu regularizar terras ocupadas até 2014. Antes, a Medida Provisória 458 de 2009, no governo Lula (PT), deu origem ao Programa Terra Legal, que também anistiava invasões de áreas da União. O estudo se baseou em dados de respostas de 10.647 proprietários de terras no âmbito desse programa, abrangendo uma área equivalente às da França e da Alemanha combinadas, segundo os autores.

"A cada momento há uma nova atualização para essa regularização, contemplando invasões cada vez mais recentes. A mensagem que o poder público está passando é a de que o crime compensa", avalia.

Autodeclaração
O pesquisador avalia que a autodeclaração é um dos maiores defeitos do PL. Com ela, o invasor informa ao governo o tamanho da área e as condições de preservação sem a necessidade de vistoria. "Isso permite que uma pessoa possa legalizar uma ocupação na Amazônia estando em um escritório de qualquer cidade do mundo", diz.

A alegação de que o ocupante seria obrigado a provar que vive e produz no local é refutada pelo pesquisador, que afirma ser fácil para quem pode pagar fraudar tais exigências. "Um agricultor familiar que vive numa terra da União e que realmente poderia ser beneficiado por essa medida está em áreas remotas, distantes dos cartórios da região e sem dinheiro para produzir toda a documentação necessária", diz. "Quem tem condição de fazer todo esse processo de maneira autônoma são os grileiros profissionais".

Direto da Ciência questionou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), relator do PL 2633/2020., sobre as conclusões do estudo publicado pela Nature Sustainability. Não houve resposta até a publicação desta reportagem na manhã desta sexta-feira (22).

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