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Regulamentar para agilizar

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: SCHMIDT, Alacir Borges
30 de Dez de 2006

Regulamentar para agilizar

Alacir Borges Schmidt

A decisão do governo, em reunião no Palácio do Planalto há poucas semanas, de "destravar" investimentos em infra-estrutura, sinalizou na área ambiental a necessidade de mudar a legislação, regulamentando o artigo 23 da Constituição Federal, que trata da competência concorrente para a concessão de licenças necessárias à execução de obras.

A falta da regulamentação está fazendo com que muitos licenciamentos, principalmente do setor elétrico, sejam questionados pelo Ministério Público (MP) por meio de medidas judiciais que suspendem a implantação dos empreendimentos de geração de energia. O MP não reconhece a aplicação da Resolução Conama 237/97, que melhor define a competência licenciatória. Com isso a cada dia o problema se agrava, aumentando a judicialização dos licenciamentos.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou o envio de projeto de lei complementar ao Congresso para regulamentar a questão da competência para licenciamento, argumentando que, "a rigor, esse projeto de lei seria uma 'cópia' da Resolução 237 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que já prevê essa divisão de tarefas".

De fato, a Resolução Conama 237 veio, em 1997, para suprir as lacunas conceituais, falhas e contradições que havia na legislação. De lá pra cá, muito melhorou em termos de licenciamento, a exemplo do licenciamento ambiental de empreendimentos que atingem mais de um Estado ou município, que passou a ser realizado por um único ente federado.

Esta definição de competência licenciatória, conforme a proposta do MMA, tem o mérito de focar o impacto ambiental, e não a dominialidade do bem atingido. Define que a competência do licenciamento é determinada pelo território afetado pelo empreendimento, não importando de quem seja o domínio do bem. Outro aspecto positivo a ressaltar no projeto é que ele descreve o que cada órgão licenciador deve fazer, quem licencia e fiscaliza.

Com razão o governo defende a necessidade de regulamentação do artigo 23 da Constituição como uma solução que trará segurança jurídica aos órgãos licenciadores e aos empreendedores. O benefício imediato esperado pelo setor elétrico seria a redução da judicialização dos processos de licenciamento.

Sem dúvida, este é um primeiro passo, mas somente regulamentar em lei as competências licenciatórias não é suficiente para dar mais agilidade aos licenciamentos, principalmente de obras de infra-estrutura e daquelas em que a União tem interesse, como a geração e transmissão de energia elétrica.

Precisa também receber tratamento a questão da existência de procedimentos diferenciados nos entes federados. Entendemos que a política ambiental deve ser única e permanente para todo o País e contemplar as particularidades regionais e locais. Com mais razão ainda, os procedimentos para licenciamento devem ser uniformes.

Os Estados e municípios, ao estabelecerem as normas relativas a licenciamento, controle, manutenção e recuperação da qualidade ambiental, têm de respeitar a legislação federal pertinente. Isso nem sempre acontece e o empreendedor que licencia em mais de um município ou Estado fica à mercê de procedimentos licenciatórios diferentes para um mesmo empreendimento. Tem de ser estabelecido critério para integração de procedimentos.

As exigências para licenciamento dos Estados e dos municípios devem conformar-se com os da União, obedecendo a um efetivo plano de ação governamental de integração.

É premente a necessidade de aperfeiçoamento dos procedimentos para atender, em tempo hábil, às necessidades de energia elétrica da sociedade em relação à implantação de novos empreendimentos. Uma padronização, integrando os diversos procedimentos de licenciamento adotados pelos órgãos licenciadores, permitirá a redução da discricionariedade verificada nesses processos e a conseqüente adequação dos prazos para a concessão das licenças ambientais.

Atualmente está em vigor uma grande "teia" de normas em cada órgão ambiental estadual, muitas conflitantes entre si e também com as normas de âmbito federal. Esta realidade torna o processo de licenciamento ambiental totalmente inseguro para o empreendedor, quer seja este público ou privado.

O procedimento licenciatório é o mesmo tanto para uma empresa de pequeno porte quanto para obras de relevante interesse do País. Não há diferenciação nos procedimentos de licenciamento nem nos prazos.

Este cenário precisa ser analisado e, se realmente o governo quer "destravar" empreendimentos de infra-estrutura, tem de buscar adequar as normas legais para dar mais agilidade ao processo.

Assim, faz-se necessária a elaboração de norma legal específica ou alteração da já existente para licenciamento de empreendimentos de utilidade pública, buscando considerar sua importância e urgência para o País.

Este não será um precedente, pois a própria legislação ambiental vigente já excetua, em alguns casos, a aplicação da lei visando à implantação de empreendimentos de relevante interesse público, como na mata atlântica e nas áreas de preservação permanente, por exemplo.

Se a geração e a transmissão de energia elétrica são de relevante interesse da União, exploradas mediante concessão, todas as razões indicam que esta importância deve ser considerada pelo legislador no rito do licenciamento ambiental, quer para dar prioridade, quer para agilizar ou para garantir o cumprimento das metas definidas pelo poder concedente para atendimento das necessidades de suprimento de energia.

Por isso urge que se crie norma de licenciamento específica ou revisão da existente para dar mais agilidade à expedição de licenças para empreendimentos de utilidade pública, garantindo, obviamente, o desenvolvimento sustentável.

Alacir Borges Schmidt, advogada, é coordenadora do Comitê de Meio Ambiente da Associação Brasileira de concessionárias de Energia Elétrica (ABCE)

OESP, 30/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

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