VOLTAR

Regra para investir é melhor que na China. Só falta funcionar

OESP, Economia, p. B1
27 de Nov de 2006

Regra para investir é melhor que na China. Só falta funcionar
Muitas leis, quando saem do papel, acabam sendo atropeladas por decisões políticas e judiciais

Renée Pereira

Ao contrário do que se imagina, o Brasil tem o melhor ambiente regulatório entre os Brics (sigla usada para identificar Brasil, Rússia, Índia e China). Mas isso não traz nenhuma vantagem para o País quando o assunto é investimento e crescimento econômico. O Brasil tem perdido recursos para os outros emergentes, que crescem a taxas de 10% ao ano, enquanto aqui o avanço não passa da casa dos 3%.

A explicação é que, apesar de estar à frente de outros países, a nota brasileira - atribuída por instituições multilaterais, que avaliam regras de comércio exterior, entraves para a tomada de decisão, burocracia, controle de preços, dificuldades ambientais e sistema tributário - é muito baixa (ver quadro). Além disso, muitas leis estão apenas no papel e são atropeladas por decisões políticas e judiciais. Não é raro encontrar obras e projetos paralisados pelo Ministério Público por causa de questões ambientais.
Se quiser crescer acima de 5% ao ano a partir de 2007, é bom que o governo comece a melhorar o ambiente regulatório brasileiro. O alerta faz parte de um levantamento feito pela Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), com dados do Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Unctad.

De acordo com o trabalho, a nota brasileira atribuída à qualidade regulatória caiu de 61,1, em 2002, para 55, em 2005. Apesar disso, houve melhora em relação à nota de 53,4 de 1996. O país que mais apresentou melhoras nesse campo foi a Rússia, cuja nota subiu de 23,5, em 1996, para 43,6, em 2005.

O presidente da Abdib, Paulo Godoy, explica que um bom ambiente regulatório seria o diferencial do Brasil para atrair mais investimentos, já que o País não tem apresentado um crescimento robusto. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou apenas 2,3%.

O mesmo não ocorre com China e Índia, cuja aumento do PIB em 2005 foi de 10,2% e 8,5%, respectivamente. "Com esse potencial de crescimento, não tem como não estar nesses países. Todos querem ir pra lá", argumenta Godoy. Segundo ele, para entrar nesse "clube", o Brasil terá de apresentar evolução em crescimento econômico e marco regulatório de qualidade.

De acordo com o levantamento da Abdib, em 2005 o País recebeu US$ 15,07 bilhões de investimento direto externo (IDE), valor 16% menor que o de 2004. Cerca de US$ 6,6 bilhões foram para a infra-estrutura, que vinha se recuperando.

A expectativa é que este ano o volume de investimento volte a diminuir. Só no primeiro semestre, a entrada de recursos externos no setor diminuiu 13% em relação a igual período de 2005. Enquanto isso, a China registrou aumento de 19% nos investimentos estrangeiros, para US$ 72,4 bilhões.

Na avaliação de especialistas, a meta de crescimento de 5% ao ano somente será alcançada se houver reforço na infra-estrutura do País e, para isso, é preciso contar com a iniciativa privada. "Nessa área, qualidade regulatória é primordial para a atração de recursos", alerta o economista Samuel Pessoa, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Ele explica que isso ocorre porque o custo das obras é extremamente elevado comparado ao custo dos serviços. "Nesses casos, o setor público fica estimulado a mudar as regras do jogo. A empresa investe e depois que a obra fica pronta a regra muda. Isso é muito comum no País." Para ele, um dos maiores problemas está nas constantes interferências do executivo nas agências reguladoras e o contingenciamento do orçamento desses órgãos.

"Mas já ficou claro que esse governo não vê com bons olhos a atuação das agências", disse o presidente da Siemens no Brasil, Adilson Primo. Segundo ele, o histórico também pesa no momento de destinar recursos ao Brasil. "Aqui as regras mudam a cada novo mandato político."

Ele reconhece que houve avanços importantes em alguns setores da infra-estrutura, mas diz que as regras precisam ser aperfeiçoadas. No setor de telecomunicação, em que a tecnologia dita a regra do jogo, há uma enorme necessidade de ajustes constantes. "Enquanto isso não ocorrer, os investimentos não virão."

Na área de energia, critica ele, o País está voltando ao velho modelo estatal. Os grandes projetos, como as hidrelétricas do Rio Madeira e Belo Monte, estão nas mãos da Eletrobrás. Além disso, conseguir arrematar um projeto de usina para construir não tem sido tarefa fácil. Os preços para venda de energia estão baixos e não apresentam o retorno adequado aos investidores privados.

É no setor de energia também que está outro grande entrave ao investimento. Inúmeras usinas não conseguem sair do papel por causa de problemas ambientais. "Estou tentando colocar mais uma turbina para aumentar a capacidade de uma pequena central hidrelétrica e não consigo a licença ambiental há mais de quatro anos", diz o presidente do Grupo Orsa, Sergio Amoroso.

O presidente da Suez Energy no Brasil, Maurício Bähr, lembra que o Brasil tem um potencial hidrelétrico enorme. Alguns não poderão ser aproveitados por estarem em áreas mais sensíveis do ponto de vista ambiental. "Mas há empreendimentos de que não podemos abrir mão." Ele afirma que a Hidrelétrica de São Salvador, por exemplo, foi licitada em 2001 e só conseguiu iniciar as obras recentemente. O mesmo ocorre com a usina Estreito, licitada em 2002 e que aguarda licença de instalação. "Há falta de clareza e objetividade nas regras."

País disputa recursos com obras de todo o mundo
Setor de transporte terá de competir com programa americano de privatização de rodovias
Só o setor de infra-estrutura deverá exigir investimentos anuais de R$ 87,7 bilhões entre 2007 e 2010. Mas atrair capital para esses projetos no Brasil não será uma tarefa fácil. Isso porque, apesar da abundância de dinheiro no mercado mundial, há uma infinidade de projetos espalhados pelo mundo, afirma o diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Servilha Duarte.

Segundo ele, o setor de transportes terá de disputar investimentos com os Estados Unidos, que estão com um programa de transferência de rodovias para a iniciativa privada. A expectativa é que no ano que vem o Brasil faça, enfim, o leilão de concessão de sete trechos de estradas federais. "Mas por causa de tanta insegurança jurídica é possível que muitos investidores estrangeiros prefiram os projetos americanos aos nossos."

Ele afirma que o histórico brasileiro não ajuda muito, referindo-se às interferências do governador do Paraná, Roberto Requião, que abriu fogo contra os pedágios. Além disso, em Florianópolis (SC), depois que a empresa investiu, o governo isentou os moradores do norte da ilha do pagamento do pedágio. No Rio Grande do Sul também houve problemas em relação aos reajustes das tarifas. "Não adianta ter uma estrutura de regulamentação se o administrativo não segue. Não adianta ter contratos claros, se o político quer inovar."

O leilão de concessões de rodovias foi desenhado ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. A previsão era realizar a privatização em meados de 2003, mas o governo Lula decidiu redesenhar o programa. Quando estava tudo pronto, o Tribunal de Contas da União (TCU) exigiu mudanças no cálculo dos pedágios feito pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). O processo somente foi liberado no início deste mês e a previsão é de que o leilão ocorra no primeiro semestre de 2007.

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, a sobreposição de funções entre executivo, reguladores e legislativo é um dos principais fatores que emperram os investimentos no País. A briga de poder entre os órgãos atrasa a definição de projetos e retarda o início de obras importantes para o crescimento do País. "Foi o que aconteceu com o leilão de concessão de rodovias."

Na avaliação dos especialistas, a impressão é de que o capital estrangeiro não é bem vindo no País. "A população acha que eles vêm para cá para explorar", avalia o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Samuel Pessoa. A mesma opinião tem o presidente do grupo Orsa, Sergio Amoroso. "Aqui no Brasil parece que investidor é inimigo."

O presidente da Suez Energy no Brasil, Maurício Bähr, lembra que o resultado dos entraves é o atraso da entrada em operação de obras e o aumento do custo dos projetos, que no caso da infra-estrutura vai parar no bolso do consumidor.

OESP, 27/11/2006, Economia, p. B1

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.