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Rede de gasodutos na regiao Norte deve baratear a energia

FSP, Dinheiro, p.B9-B10
20 de Ago de 2005

Substituição de óleo por gás em termelétricas reduziria subsídio pago por consumidor, mas Estados impõem entrave
Rede de gasodutos na região Norte deve baratear a energia
Humberto Medina
A queima de combustível para a geração de energia em usinas termelétricas no Norte do país é uma das principais fontes de arrecadação dos Estados da região. A dependência do ICMS cobrado na venda de óleo para a geração de energia é um entrave político e econômico ao desenvolvimento de soluções mais baratas, eficientes e menos poluentes.
Por ano, todos os consumidores de energia do país pagam aproximadamente R$ 3,5 bilhões para financiar o consumo de óleo das termelétricas dos Estados que compõem o chamado "sistema isolado": Acre, Rondônia, Roraima, Amazonas e Amapá. O subsídio, chamado de CCC (Conta Consumo de Combustíveis), onera a conta de luz. Na tarifa cobrada pela Eletropaulo, por exemplo, esse subsídio corresponde a 4% do valor cobrado do consumidor.
Segundo cálculos da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), com a conclusão de duas obras importantes para a região -gasoduto Coari (AM)-Manaus (AM) e linha de transmissão Jauru (MT)-Vilhena (RO)-, a CCC poderia cair para pouco menos de R$ 1 bilhão por ano, proporcionando uma redução média na tarifa de energia de cerca de 3%.
As obras oferecem redução de custos por dois motivos. Um é o preço do gás, bem menor que o do óleo. Cálculos da agência reguladora indicam que o MWh (megawatt-hora) gerado com óleo combustível custe cerca de R$ 420 no sistema isolado. Esse valor passaria a ser algo entre R$ 30 e R$ 40 quando as termelétricas trocarem o óleo pelo gás. O uso do gás também é subsidiado pelo consumidor, mas o valor do encargo passaria a ser bem menor.
O outro motivo é a ligação dos Estados do Acre e de Rondônia ao Mato Grosso e, daí, ao resto do país. Esses Estados deixariam de compor o sistema isolado e passariam a estar conectados ao sistema interligado, ou seja, teriam acesso a energia mais barata produzida no resto do país. A linha de transmissão permitiria eliminar a geração de energia térmica em Porto Velho (RO) e em Rio Branco (AC) e nas pequenas cidades no entorno das duas capitais.
"O valor do subsídio é significativo, e há uma distorção. O consumidor da região Norte não tem sinal de preço que indique o valor da energia que ele está consumindo", diz Jerson Kelman, diretor-geral da Aneel. "É do interesse do país [a conclusão das obras], mas é uma situação complexa, porque não se deve tirar da equação o problema fiscal dos Estados."
Para o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, agora é o momento de tratar do assunto. "É a hora de enfrentar essa questão do sistema isolado. O primeiro grande momento vai ser a substituição do óleo combustível em Manaus pelo gás de Urucu. Com isso, nós já temos uma redução brutal no custo de produção energia", afirmou.
A Petrobras começou a construção do gasoduto Coari (AM)-Manaus (AM) em maio. O duto terá 385 quilômetros de extensão e abastecerá a capital do Estado com 5,5 milhões de metros cúbicos de gás por dia, o bastante para gerar aproximadamente 800 MW. Essa energia é suficiente para abastecer a cidade e outros sete municípios atravessados pelo traçado do gasoduto. Se houver aumento de demanda, o gasoduto poderá transportar até 10,5 milhões de metros cúbicos de gás por dia.
O gás é produzido no campo de Urucu (AM), e o trecho Urucu-Coari já existe. A conclusão da obra está prevista para o final de 2006, a um custo de aproximadamente US$ 525 milhões.
Já a construção da linha de transmissão Jauru (MT)-Vilhena (RO)-Pimenta Bueno (RO)-Ji Paraná (RO), com aproximadamente 610 quilômetros de extensão, é mais polêmica e vem enfrentando resistências desde o início de seu projeto, principalmente do governo do Acre. Sua licitação nem sequer está prevista para o próximo lote de linhas a serem concedidas pelo governo, em setembro.

Dependência de arrecadação com tributos sobre termelétricas dificulta implantação de sistemas mais baratos de energia
Perda dos Estados iria a R$ 288,3 mi ao ano
As obras previstas para a construção de gasoduto na região Norte afetam principalmente o caixa de Acre, Rondônia e Amazonas, que podem ter perdas de R$ 288,3 milhões por ano, a partir de 2007.
No Amazonas, a arrecadação de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) no ano passado foi de aproximadamente R$ 2,612 bilhões. Desse total, cerca de R$ 230 milhões (8,8%) vieram da tributação de ICMS sobre o consumo de óleo das termelétricas.
Em 2006, a arrecadação total do Estado deverá aumentar para R$ 2,850 bilhões, e o consumo de óleo deverá ser responsável por R$ 250 milhões. Em 2007, com o gasoduto Coari-Manaus em funcionamento, a arrecadação com o combustível das termelétricas cairá para R$ 50 milhões por ano, de acordo com os números do Ministério de Minas e Energia. Uma perda potencial de R$ 200 milhões por ano.
A Secretaria de Fazenda do Estado projeta números menores, mais ainda assim significativos: perda de R$ 120 milhões por ano, em estudo feito pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa). O Estado deverá tentar negociar algum tipo de compensação com o governo federal para a perda de arrecadação com o ICMS.
Nos Estados do Acre e de Rondônia, a arrecadação de ICMS somada foi de R$ 1,304 bilhão em 2004. Desse total, R$ 112 milhões (8,6%) vêm da tributação sobre o consumo de óleo das termelétricas. Em 2006, a arrecadação total deverá chegar a R$ 1,460 bilhão, e o consumo de óleo contribuirá com R$ 125 milhões.
Kyoto
Com as obras, o total arrecadado com combustível para as termelétricas cairia para R$ 36,7 milhões em 2007. O potencial de perda é de R$ 88,3 milhões por ano.
O governo federal estuda, ainda em caráter preliminar, a possibilidade de obter créditos de carbono, por meio dos mecanismos previstos no Protocolo de Kyoto, a fim de compensar a perda financeira dos Estados. Isso seria possível porque os Estados estariam deixando de queimar combustíveis fósseis e, portanto, de emitir gás carbônico.

Fornecimento para Manaus gerou polêmica
O fornecimento de energia termelétrica para a cidade de Manaus foi causa de uma disputa polêmica envolvendo o governo e a multinacional norte-americana El Paso no ano passado.
A disputa envolveu suspeitas de uso de "laranjas" para a obtenção de liminares na Justiça e também boatos sobre "grampos" telefônicos que teriam sido feitos para obter informações sobre o processo de compra de energia e, dessa forma, coagir autoridades do governo federal. Na ocasião, tudo foi negado pela El Paso.
A multinacional americana fornece aproximadamente 60% da energia consumida na cidade de Manaus, por meio de termelétricas, desde 1997, quando foram feitos contratos emergenciais para evitar racionamento na cidade. Devido à situação de emergência vivida naquele ano, os preços da energia contratada eram considerados muito altos.
Desde o ano de 2003 a estatal Eletrobrás tentava fazer um novo processo de licitação para contratar novos fornecedores de energia para a capital amazonense e reduzir os preços que eram cobrados pela energia fornecida.
A El Paso vinha barrando esse processo na Justiça, alegando que a licitação estava sendo direcionada de forma que ela não pudesse participar.
Renovações
Em janeiro deste ano o governo perdeu disputa com a multinacional e teve que renovar os contratos por prazos de dois anos (no caso da El Paso Rio Negro) e de três anos (no caso da El Paso Amazonas), com redução de aproximadamente 5% nos preços que eram praticados pela geradora norte-americana.
De acordo com a Eletrobrás, foram contratados 387,5 MW de energia da El Paso até o final do ano de 2007.
No final do contrato, as usinas iriam para a Manaus Energia, subsidiária integral da Eletrobrás.

FSP, 20/08/2005, p. B9-B10

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