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Redd não atrapalha a agricultura, vai apenas segurar o avanço do desmatamento, diz deputado

Amazônia - www.amazonia.org.br
Autor: Fabíola Munhoz
17 de Mai de 2010

Foi aprovado pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, um projeto de lei (PL), de autoria do deputado federal Lupércio Ramos (PMDB/AM), que pretende criar a Redução Certificada de Emissões do Desmatamento e da Degradação (RCEDD).

A proposta, que institui um certificado para a redução de emissões de gases do efeito estufa a partir da conservação de áreas de floresta, pretende garantir o pagamento por serviços ambientais aos detentores desse documento, que poderiam ser desde povos tradicionais, como indígenas e quilombolas, até empresas e produtores rurais da Amazônia, que mantenham áreas de mata intocada.

Segundo PL, a RCEDD teria valor mobiliário, sendo emitida sob forma escritural pelo Poder Executivo ou outra entidade designada, para áreas preservadas de forma voluntária, além da reserva legal e de outras exigências do Código Florestal Brasileiro. Pelo projeto, a certificação também poderá ser cancelada por solicitação do proprietário rural, ou decisão do órgão federal "se forem constatadas irregularidades nas informações sobre a área afetada para RCEDD".

A proposta, que agora segue para apreciação pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, recebeu um único voto contrário na Comissão de Agricultura. O deputado Anselmo de Jesus (PT/RO) votou contra por entender que as regras do projeto não são claras, em relação à definição da RCEDD como título mobiliário.

"Após emitidas as RCEDD, estas terão valor mobiliário e, por conseguinte, serão negociadas em bolsa de valores ou de mercado futuro. Assim, o cancelamento do projeto ou suspensão das emissões das referidas RCEDD não tem sentido, pois isso é o mesmo que emitir um cheque e depois dar contra ordem para sustá-lo. Tal medida cria insegurança de mercado inviabilizando o mecanismo de RCEDD", disse o deputado em trecho do seu voto, que foi apresentado em separado ao da Comissão de Agricultura, da qual faz parte.

Em entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br, o autor do PL, Lupércio Ramos, rebate as críticas de Anselmo de Jesus, e defende a criação de um fundo específico, a ser formado por doações, para garantir os recursos que serão destinados ao pagamento por serviços ambientais da Amazônia. Confira, a seguir, a conversa.

Veja o texto do PL com o voto de Anselmo de Jesus, na íntegra.

Amazonia.org.br- O que motivou o senhor a propor esse projeto de lei?

Lupércio Ramos- Foram duas coisas, primeiro uma preocupação pessoal, em ver que na nossa região, no Amazonas, há uma preocupação muito grande em manter a floresta, em preservar o meio ambiente. Já há um nível de conscientização bastante avançada nesse sentido, e nosso Estado é o da região Norte com menor grau de devastação da floresta. Então, existe de minha parte uma preocupação com essa limitação da atividade econômica, que somos obrigados a seguir na nossa região. Temos muitos limitadores porque, quando você fala de uma atividade econômica tradicional, vem logo a imagem de que você tem que desmatar. Nós precisamos criar alternativas a esses limitadores sob o ponto de vista da economia da região, buscando fontes de atividade econômica que não agridam a natureza.

A outra preocupação, não digo que foi uma pressão dos eleitores, mas uma constatação por parte de muitas pessoas de que é preciso pagar pela manutenção da floresta amazônica. Alguém tem que assumir o custo dessa boa qualidade de vida que a gente precisa ter no futuro, e que parte da necessidade de manter a floresta e os biomas. Em conversa com algumas lideranças indígenas, também cheguei à conclusão de que as próprias comunidades de índios que hoje habitam grandes áreas demarcadas lá no nosso Estado vivem numa pobreza absoluta, sob vários pontos de vista. Muitas comunidades se integraram à convivência com os não-índios, e são bastante pobres.

Elas não têm escolas e, quando as têm, essas estão caindo. A mortalidade infantil é muito alta, não existe um acompanhamento da juventude e há muitos jovens que se entregam à bebida e outros vícios. Então, há uma degeneração muito grande das comunidades indígenas, especialmente aquelas mais integradas à convivência com os não-índios. Partiu daí a necessidade de a gente ter uma renda a partir dos serviços de proteção à natureza. Quem vive na Amazônia sabe como proteger a natureza. Muitas vezes a atividade econômica exige, até para sua sobrevivência, você desmatar ou degradar alguma coisa. Então, para evitar isso, estamos querendo buscar uma fonte segura para que as pessoas que cuidam da natureza tenham uma qualidade de vida um pouco melhor, e não morram à míngua.

Amazonia.org.br- O deputado federal que integra a Comissão de Agricultura, Anselmo de Jesus, deu voto separado, contrário ao projeto, por discordar da definição do certificado de Redd como título mobiliário, que pode ser transferido, com o risco de gerar especulação. O que o senhor pensa disso?

Ramos- Esse voto foi superado, foi voto vencido. Eu tinha uma preocupação muito grande com a passagem do projeto pela Comissão de Agricultura. Tive impressão de que lá não teríamos sucesso na aprovação do projeto. Felizmente, nós tivemos só o voto do deputado Anselmo contrário, e conseguimos a aprovação. O que o deputado Anselmo levanta é o que muitos têm levantado. Qual vai ser a forma de remuneração e de valoração que vamos ter para esses serviços ambientais? Concordo que esse ainda é um assunto novo, nós não dominamos essa questão e temos que encontrar a melhor forma de remuneração: como remunerar, como valorizar essa remuneração, o que é de fato serviços ambientais. Os números, acredito que vamos encontrar até o final do debate. O importante pra nós é a tese, é a forma, a maneira de remuneração das pessoas ou empresas que detêm áreas intocadas. As empresas também vão receber uma remuneração para isso, não só as pessoas físicas.

Mas, o primeiro passo do projeto é o Brasil ter uma legislação que garanta a remuneração dos serviços ambientais. Os próximos passos serão muito mais assunto para a regulamentação do que propriamente para a lei. Nós vamos fazer a lei, depois o governo vai regulamentá-la. E como isso vai ser feito, é papel dos técnicos, da área econômica. Não acho nenhum contra-senso, nem uma grande preocupação esse assunto que o deputado Anselmo levantou.

Amazonia.org.br- Pelo projeto, indígenas e quilombolas serão remunerados da mesma forma que empresas com projetos de conservação, independentemente de suas diferentes necessidades?

Ramos- A remuneração não será pela necessidade das pessoas. Ela deve ser pelos serviços prestados à preservação ambiental. Por exemplo, se você tem dez hectares de mata, e não toca nessa mata, nem deixa que a derrubem, você vai calcular quanto aqueles hectares de floresta nativa seqüestram de carbono por ano. Isso tem que ter um valor. E é esse valor que aquela pessoa, aquele morador, ou aquela empresa, vai cobrar do fundo. Nós vamos ter um fundo que vai remunerar todos esses serviços.

Amazonia.org.br- Um estudo recente da ONU mostra os custos da degradação do meio ambiente, e defende que esse prejuízo seja calculado e compensado pelas empresas que impactam a natureza. Por outro lado, indígenas, quilombolas e pequenos agricultores causam pouca degradação. Essas especificidades não deveriam ser levadas em conta?

Ramos- Com certeza absoluta. Esse é um ponto diferente que nós temos que analisar. Você tem razão quando diz que a situação de uma área demarcada como terra indígena é diferente de uma empresa que é detentora de centenas de hectares. Mas essas diferenças serão em termos de serviços prestados, não diferenças na tese da remuneração. Na tese da remuneração, todos devem ser remunerados pelos serviços que prestam.

Amazonia.org.br- A exigência de uma certificação de Redd, como prevê o PL, não pode burocratizar o processo, dificultando o acesso aos recursos do pagamento por serviços ambientais?

Ramos- Infelizmente nós somos obrigados a burocratizar um pouco, mas o ideal é que seja o menos burocrático possível. A gente lida com seres humanos, e a gente sabe que onde tem 99% de boa-fé, pode ter 1% de má-fé. Então, para que a coisa aconteça de boa-fé, há necessidade de se ter certa burocracia. Não há como você não ter o certificado, não há como você não estar cadastrado, não há como você não ter uma regulamentação dessas coisas. Tem que regulamentar, não tem jeito. Tem que dizer quem tem direito, quem não tem, como fazer e o que fazer.

Amazonia.org.br- O projeto pretende pagar pela manutenção de áreas de floresta. Nesses locais, será permitida a exploração sustentável de recursos, ou o objetivo é manter a mata intocada?

Ramos- A nossa ideia inicial é a intocabilidade. É deixar a área intocada. É o pagamento pela manutenção daquela floresta nativa, esse é o espírito do projeto. Mas, você há de convir comigo que não sei o que virá no substitutivo, que já está nascendo aí, depois de muito debate.

Estou feliz porque muitas entidades, muitas ONGs, muitas pessoas estudiosas do assunto estão debatendo profundamente o projeto. Soube que a deputada Rebecca Garcia (PP-AM) vai fazer um substitutivo, que não sei o que trará de novo com relação ao nosso projeto de lei. Mas, quando nós tivemos a ideia, e tomamos a iniciativa de apresentar o projeto, queríamos manter a floresta intocada, virgem e sem qualquer alteração, manejo, ou reflorestamento.

Amazonia.org.br- De onde virão os recursos para o pagamento por essa preservação?

Ramos- O recurso seria por doações e compromissos que os países começam a assumir em nível mundial, no sentido de manter as florestas tropicais. Seria, por exemplo, uma empresa que tem débitos devido às emissões de carbono e deve compensar. Então, para compensar o que ela polui nos EUA, pode compensar mantendo e pagando os serviços ambientais na Amazônia. Com a lei, acredito que o governo federal terá um instrumento extraordinário para uma negociação internacional.

Amazonia.org.br- Será criado um fundo específico para isso, ou os recursos poderão vir, por exemplo, do Fundo Amazônia?

Ramos- Não. Será um fundo diferente. O Fundo Amazônia tem também o viés do financiamento. Mas, seria uma coisa específica para a remuneração dos serviços ambientais, que vai depender muito da regulamentação da lei.

Amazonia.org.br- O senhor está confiante com relação à apreciação do projeto pela Comissão de Meio Ambiente?

Ramos- Estou. Já percebi na comissão certo debate sobre o melhor momento para essa proposta ser discutida. Se é melhor agora, ou deixar para depois, etc. Mas, estou vendo que existe uma grande força e um grande interesse da maioria de se aprovar o PL o mais rápido possível.

Amazonia.org.br- Os ruralistas do Congresso Nacional são favoráveis ou contrários ao projeto?

Ramos- Não sei como virá o substitutivo, mas a bancada da agricultura já aprovou. Então, acho que na hora do debate, talvez na Comissão de Constituição e Justiça e se for o caso de ir a Plenário, é provável que a bancada ruralista tenha alguma reação aqui e ali. Mas, o projeto não atrapalha o que já existe da agricultura. O projeto visa apenas a dar uma segurada no avanço do desmatamento da Amazônia. E isso todo mundo quer. Inclusive, a bancada ruralista já começa a pensar de forma diferente.

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=355005

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