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Recursos naturais precisam de nova gestão, diz especialista

Valor Econômico, Brasil, p. A3
Autor: JACOBI, Pedro
21 de Mar de 2014

Recursos naturais precisam de nova gestão, diz especialista

Daniela Chiaretti
De São Paulo

A atual crise da água que atormenta cidades brasileiras exige que a infraestrutura seja repensada, que a gestão pública sensibilize as pessoas para lidar melhor com os recursos naturais e melhor planejamento e investimento. A síntese é do sociólogo Pedro Jacobi, especialista em governança ambiental e em recursos hídricos.
"As pessoas não têm a percepção de que existem limitações reais. Para elas, a água sempre sai da torneira", diz. Este processo de "corresponsabilização", afirma Jacobi, tem que ser contínuo, não apenas nos momentos de escassez.
Há risco do racionamento se alastrar no país, se não houver planejamento adequado e se a variabilidade climática for cada vez mais sistemática, acredita o professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e do programa de pós-graduação em ciência ambiental.
Equipamentos sanitários mais eficientes deveriam inspirar políticas públicas, o racionamento teria que atingir quem consome mais, assim como a política de preços. "Esse é o grande nó: a incoerência de se cobrar daquele que tem pouco e cobrar muito pouco daquele que tem muito", diz Jacobi. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Cidades em São Paulo e Minas estão fazendo racionamento de água. Há risco desse quadro se alastrar no Brasil?

Pedro Jacobi: Tudo está associado a uma questão de planejamento e a um calendário político, que cria situações para o governo não cumprir com suas responsabilidades de pensar nos investimentos de uma forma sistemática. Há, sem dúvida, a questão concreta da variabilidade climática. E o que considero mais significativo do ponto de vista da gestão pública: não se promove a corresponsabilização. Essa corresponsabilidade só aparece quando a água - nesse caso é o oposto, não é no pescoço -, não está no calcanhar.

Valor: Do que se trata?

Jacobi: É a ideia de que o poder público precisa tornar os cidadãos mais cientes de questões relacionadas aos recursos naturais. Falando de resíduos sólidos, por exemplo: se há ações públicas de coleta seletiva, você corresponsabiliza as pessoas ao estimular a reciclagem. Mas se a política não existe, isso fica frágil. No caso da água, as pessoas não têm a percepção de que existem limitações reais, porque, para elas, sempre sai da torneira. O governo já deveria ter falado sobre o problema em novembro, quando surgiram os primeiros sinais.

Valor: E nos outros Estados?

Jacobi: Há muitas limitações de dados para que possamos analisar com profundidade o que acontece nos outros lugares, tem que haver maior transparência da informação. E políticas mais preventivas. Em 2013, em São Paulo, choveu muito, tiveram que abrir as comportas, este ano aconteceu o contrário. E no ano que vem? Não há bola de cristal. E se a gestão pública protela essas questões? A região metropolitana é de uma complexidade enorme, são 20 milhões de habitantes, cinco bacias hidrográficas. Do ponto de vista da operação da água, fala-se em 170 municípios, uma macrometrópole.

Valor: Quando houve outra situação de escassez tão alarmante?

Jacobi: Há dez anos, mas não foi tão alarmante. Não afetou a Cantareira, afetou mais a Guarapiranga e a Billings, que têm menos responsabilidade no abastecimento e são fontes que têm bastante problemas de contaminação. Boa parte da água da Billings não é apropriada para consumo humano, porque tem metais pesados e a Guarapiranga tem problemas com algas. Este ano a situação é muitíssimo pior. A Cantareira é responsável por 47% do abastecimento de água da região metropolitana.

Valor: Existe o risco de o racionamento se ampliar no Brasil?

Jacobi: Se a variabilidade climática incidir de forma cada vez mais sistemática e não houver planejamento adequado, é um risco real. Mesmo em regiões onde há muita água, como a Amazônia, muitos não têm água por falta de investimento.

Valor: Por que se chegou nisso?

Jacobi: Somos uma megacidade. Por menos que a população cresça, cresce 1% ao ano. Se aumentou a renda da população, aumenta também o consumo. Deixou-se de levar em consideração algo que deveria ter um investimento muito maior. Agora fala-se em prover conexões com a bacia do Paraíba do Sul em um projeto que alimentaria o sistema e não haveria mais problema. Não tenho condições de comentar, mas é tudo em cima da bucha, não? Por que não foi planejado e pensado antes?

Valor: São Paulo está captando água muito longe, não?

Jacobi: Sim, e parece que o investimento fundamental é em captação. Há o problema famoso da perda de água, que se calcula em 30%. Não sei se a redução das perdas seria suficiente para fazer com que não fosse necessário investir em captacão. Mas, sem dúvida, é possível reduzir essas perdas. Temos infraestrutura antiga, que deveria ser revista e que não dá conta da vazão quando chove muito. Os eventos climáticos extremos estão acontecendo de forma cada vez mais frequente. Não quero ser apocalíptico, mas essa é a verdade. Estamos tendo variabilidade climática com enorme grau de imprevisibilidade. Não dá para ficar falando o que acontecia nos últimos dez anos, porque isso não está mostrando a tendência.

Valor: Precisa repensar a cidade.

Jacobi: Exatamente. A região metropolitana é um desastre do ponto de vista da falta de planejamento territorial global. Esse não é um problema só do Brasil. Todas as cidades terão que repensar sua infraestrutura em função dos eventos extremos. É um processo de uma geração ou mais, de investimentos e planejamento.

Valor: Vale para todas as cidades brasileiras, não é?

Jacobi: Nas metrópoles pelo menos. Se as de menor porte pensarem que água é uma questão de política pública, encontrarão cada vez mais soluções cooperativas e de articulação entre municípios.

Valor: A cultura de desperdício de água no Brasil é muito grave, se comparada a outros países?

Jacobi: Se comparar com os países nórdicos da Europa, sim. Na América Latina é o mesmo tipo de comportamento, a não ser nas regiões de escassez extrema, como o norte do Chile, Peru, parte da Bolívia. As pessoas não são sensibilizadas pela gestão pública. Você é o dono da sua água. Não se trata apenas de colocar cartazes nas obras indicando quantos quilômetros se fez para captar, mas é fundamental trazer estímulos para a sociedade se tornar corresponsável na gestão dos recursos naturais.

Valor: Educação?

Jacobi: Exatamente, é um processo pedagógico de consciência. Mas com essa visão tão individualista, que não é culpa de ninguém, mas do sistema, as pessoas nem se dão conta. Mas acho que, se a situação se agravar, as pessoas sairão para a rua, assim como saíram em junho, dizendo: 'Olha, preciso de água. Sem água não posso viver'. E aí, o comportamento do governo do Estado -que poderia ser de outro, não estou tomando aqui nenhuma posição partidária-, é de total irresponsabilidade. Dizer que não vai haver racionamento, que não vai faltar água. É um absurdo. Já deveria ter racionamento. Não nos bairros de baixa renda, que consomem 10 metros cúbicos, mas naqueles onde pessoas consomem 300 metros cúbicos por dia.

Valor: Assim como em energia só se fala em geração, na água também não se fala em economia?

Jacobi: Fala-se muito pouco. As empresas têm algo de reuso, um caminho fundamental. Os novos projetos arquitetônicos, chamados verdes, trazem à tona o reuso da água de chuva, mas é uma minoria. A maioria não faz isso. O México substituiu o tipo de equipamento sanitário. Ali troca-se o jato d'água da descarga por vasos com caixas com quantidade limitada de litros de água. Isso poderia ser uma campanha institucional no país ou uma política pública.

Valor: E o hábito de lavar a calçada com mangueira e água tratada?

Jacobi: Um absurdo completo. Tem que multar.

Valor: E o preço da água?

Jacobi: Se poderia aumentar para aqueles que consomem mais. Assim como se deveria aumentar o imposto para os que ganham mais. Esse é o grande nó: a incoerência de se cobrar daquele que tem pouco e cobrar muito pouco daquele que tem muito.

Valor: O sr. acha que essa situação poderia ter sido evitada?

Jacobi: Não digo evitada, porque são Pedro funciona autonomamente, mas poderia ser diminuída trabalhando-se com planejamento, investimento e educação.

Valor Econômico, 21/03/2014, Brasil, p. A3

http://www.valor.com.br/brasil/3488562/recursos-naturais-precisam-de-no…

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