VOLTAR

Raposa: arrozeiros ainda colherão nova safra

O Globo, O País, p. 10
12 de Dez de 2008

Raposa: arrozeiros ainda colherão nova safra
Produtores devem faturar R$ 50 milhões com plantação na área indígena; ministro diz que eles sairão espontaneamente

Evandro Éboli

Ao deixar para 2009 o desfecho do caso Raposa Serra do Sol, o ministro Marco Aurélio Mello adiou a saída de sete grandes arrozeiros da reserva por pelo menos mais quatro meses, prazo que garantirá o resultado de mais uma safra da produção de arroz. A colheita acontece entre dezembro e maio, e a expectativa dos rizicultores é faturar cerca de R$ 50 milhões com as 70 mil toneladas do grão que plantam dentro da área indígena.
Os sete produtores respondem por 60% da produção de arroz de Roraima. Um dos principais plantadores da reserva, Paulo César Quartiero, retornou ontem de Brasília, onde acompanhou o julgamento no STF. Suas duas propriedades em Raposa somam 9,2 mil hectares. Quartiero elogiou a decisão de Marco Aurélio:
- Foi sensata. Agora ele é o Santo Marco Aurélio.
Quartiero estima colher 500 mil sacas de arroz, avaliadas em R$ 20 milhões. Ao desembarcar em Boa Vista, o produtor adotou um discurso menos agressivo e disse que decisão judicial se cumpre - uma frase incomum para ele, habituado a declarações que desqualificam medidas judiciais.
- Vamos aguardar e cumprir, caso seja a decisão final. Sei que poucas opções nos restam, mas não me aflijo.
O presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Nelson Itikawa, disse que os sete fazendeiros têm 25 mil hectares de terras plantadas com arroz na reserva. Ele é dono de onze mil hectares em Raposa Serra do Sol e acompanhou a votação em Brasília. Itikawa estava indignado com o resultado.
Não foram consideradas todas as provas. A guerra continua. Temos provas de que nem toda a área de Raposa sempre foi indígena. Quem sabe o ministro (Marco Aurélio) faça os outros verem que estão errados.
O deputado Francisco Rodrigues (DEM), de Roraima, criticou a decisão:
- Está aberto o flanco para a ONU criar a nação indígena.
O governo federal está preocupado com a segurança durante os quase dois meses em que os arrozeiros permanecerão na reserva. Em Brasília, Marco Aurélio Mello disse acreditar que, sabendo da tendência do STF de expulsá-los, os produtores sairão espontaneamente, sem necessidade de força policial, antes da retomada do julgamento, prevista para fevereiro.
- É melhor assim. Se a decisão fosse agora, a Polícia Federal estaria lá, expulsando todo mundo às vésperas do Natal. Vai haver tempo para eles arrumarem a mudança. Eles sabem que a ótica do tribunal é essa (pela expulsão) e terão cerca de 50 dias para deixar o local espontaneamente.
Oito dos onze ministros votaram pela manutenção dos limites da reserva e pela retirada dos não-índios do local. O julgamento foi interrompido por Marco Aurélio, que pediu vista.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, elogiou o STF, afirmando que a decisão mantém a tradição nacional de proteção às comunidades indígenas, e confirma a visão do governo federal de que as terras indígenas são de propriedade da União. Disse que o governo não aceitará a provocação dos ruralistas.
- Não adianta provocar, dizer que vai haver conflito

Reza forte pela demarcação
Índios colam até cartazes com os nomes dos ministros do STF em altar de Igreja

A 4.500 quilômetros de Brasília, os índios macuxis, da Vila Surumu, recorreram à pajelança e às preces para o julgamento da demarcação da reserva, anteontem. Colaram cartazes com nomes dos ministros do STF no altar da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
- Pedimos que Deus orientasse seus votos. Fomos ouvidos. Prece de macuxi é forte - disse a catequista Maria de Lourdes Soares, que cuida da igreja.
Nos cartazes, nomes e sobrenomes dos ministros apareciam trocados. Joaquim Barbosa, por exemplo, foi confundido com Cezar Pelluzo. No cartaz, estava escrito Joaquim Pelúcio. Em vez de Gilmar Mendes, Gilmar Brito. Mas corrigiram. Ricardo Lewandowski virou Lewandosk.
Seus nomes eram citados nas orações, obedecendo a uma ordem dos tuxauas do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que quer a saída dos arrozeiros de Raposa.
Durante a votação, os índios dançavam, bebiam caxiri (bebida forte à base de mandioca) e cantavam. Do outro lado da vila, discretos, índios ligados ao arrozeiro Paulo César Quartiero assistiam ao julgamento na casa de Clóvis Pereira Costa, um dos poucos moradores com antena parabólica. Mas foram se desanimando.
- Dá para virar - esperava José Braga, funcionário da prefeitura de Pacaraima e discípulo de Quartiero.

Opinião
Cuidado

Confirmada a vitória no STF do modelo de delimitação da Raposa Serra do Sol em terras contínuas, todo esforço precisa ser feito para se evitar qualquer violência na região. Claro, o mesmo valeria se o resultado fosse o oposto.

Mas é necessário um cuidado especial por causa da demarcação em área indivisível: como será amplo o espaço para atividade ilegais, a PF e as Forças Armadas precisam estar prontas para agir na reserva, conforme estabelecido pelo voto do ministro Carlos
Alberto Direito.

O Globo, 12/12/2008, O País, p. 10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.