A Crítica, Últimas, p. A16
Autor: RADLER, Juliana
27 de Set de 2022
Quilombolas fundam coordenação no AM para defender os direitos das comunidades negras
Criação da coordenação estadual da Conaq aconteceu durante 1o Encontro Estadual das Comunidades Quilombolas do Amazonas, que ocorreu entre os dias 16 e 19 deste mês
Juliana Radler
23/09/2022
Cultura, educação, saúde, regularização fundiária, políticas públicas para a juventude e para as mulheres, meio ambiente e espiritualidade afro-brasileira. Esses foram os principais temas tratados por 70 quilombolas do Amazonas reunidos no Quilombo do Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa, quilombo amazonense certificado pela Fundação Cultural Palmares, órgão federal voltado para promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.
Localizado na cidade de Itacoatiara, a cerca de 270 quilômetros de Manaus, o quilombo reúne 140 famílias e foi o anfitrião do 1o Encontro Estadual das Comunidades Quilombolas do Amazonas, que ocorreu entre os dias 16 e 19 de setembro. Durante o evento, as lideranças de 10 quilombos do Amazonas, sendo oito certificados a espera de titulação definitiva, fundaram a Coordenação Estadual da Conaq no Amazonas. A Conaq é a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, fundada em 1996, com objetivo de garantir os direitos das comunidades remanescentes de quilombos no Brasil.
"É um momento histórico para a luta quilombola no Amazonas. As pessoas tentam nos esconder, dizendo que não tem povo negro no Amazonas. Mas, nós estamos aqui, temos nossa história, nossos territórios e nossa cultura. Estamos aqui por causa dos que lutaram e resistiram antes de nós e hoje lutamos pelos que virão depois de nós", afirmou a líder quilombola do rio Andirá (município de Barreirinha) Maria Amélia dos Santos Castro, cuja vida foi retratada em livro publicado pelo projeto Nova Cartografia Social das Comunidades Quilombolas no Brasil, com apoio da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Kátia Penha, coordenadora nacional da Conaq, fez a mediação do encontro, apoiando os quilombolas do Amazonas na elaboração e aprovação do regimento interno da coordenação, assim como na elaboração de sua Carta Política. Ambos os documentos dão as diretrizes iniciais para a luta do movimento quilombola no Amazonas, que a partir da criação da Conaq estadual ganha organização e articulação com outros 17 estados brasileiros onde também existem coordenações, como no Pará, Maranhão, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e outros.
"É a realização de um sonho e a consolidação de um trabalho importante para os quilombolas do Amazonas. Me sinto muito honrada e orgulhosa por fazer parte desta luta junto com os companheiros quilombolas do Amazonas. A luta pela permanência em nossos territórios e acesso a políticas públicas é fundamental para termos mais justiça social no nosso país. É um dever do Estado brasileiro reconhecer os territórios quilombolas", disse Kátia, que é originária do Quilombo de São Mateus, no Espírito Santo.
No Amazonas, hoje, oito quilombos aguardam pela titulação definitiva de seus territórios. São eles: Quilombo do Tambor, na calha do Rio Negro, município de Novo Airão, localizado dentro do Parque Nacional do Jaú; cinco quilombos no município de Barreirinha, na calha do rio Andirá, chamados de Boa Fé, Ituquara, São Pedro, Tereza do Matupiri e Trindade, além dos quilombos do Barranco, em Manaus, e do próprio quilombo do Lago de Serpa, em Itacoatiara, calha do rio Amazonas. Todos esses quilombos estavam representados no encontro estadual no Lago de Serpa.
Em Barreirinha, por exemplo, desde 2008 as comunidades lutam pela titulação de suas terras, enfrentando ameaças de madeireiros, pecuaristas e pesca industrial, de acordo com a Fiocruz, que coordenou o trabalho Mapa de Conflitos (Injustiça Ambiental e Conflitos no Brasil).
"As comunidades sofrem ameaças de invasão de suas terras por madeireiros, fazendeiros e empresas de pesca profissional. A falta da regulamentação e a restrição de uso das terras tradicionais dificultam a manutenção do meio de vida destas populações. O espaço utilizado para cultivo agrícola, que garante a subsistência das famílias - tanto para consumo próprio, como para venda do excedente - vem sendo gradativamente reduzido devido às ocupações irregulares do território", indica a Fiocruz.
Amazonas quilombola
Levantamento de pesquisadores da Nova Cartografia Social da Amazônia, no entanto, apontam para a presença de 64 comunidades quilombolas no Amazonas, indo bem além dos oito já certificados. Identificar, mapear e articular essas comunidades em busca do seu reconhecimento e regularização fundiária estão entre os objetivos da Conaq no Amazonas.
Conforme a carta política redigida durante o Encontro no Lago de Serpa, "as comunidades quilombolas, assim como os povos indígenas, são fundamentais para a preservação do meio ambiente e para a manutenção da Amazônia viva. É importante que a sociedade brasileira saiba que o Amazonas também é preto", escreveram as lideranças, acrescentando: "Neste dia 17 de setembro de 2022, juntamos nossa voz no Quilombo Sagrado Coração de Jesus do Lago de Serpa, neste momento histórico para os quilombolas do Amazonas para afirmar que "O Amazonas preto exige: nenhum direito a menos!".
Além dos líderes quilombolas, também estavam presentes convidados do movimento negro do Amazonas e do movimento socioambiental, representados pelo Fórum Permanente dos Afro-Descendentes do Amazonas (Fopaam) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), que atua em parceria com a Conaq em defesa dos direitos das populações quilombolas no Brasil.
Pesquisadores e professores das universidades públicas do Amazonas - UEA e UFAM - também fizeram apresentações no Lago de Serpa, em especial o professor Claudemilson Oliveira, cujo doutorado é uma pesquisa histórica detalhada sobre as origens do quilombo de Serpa, que remete à antiga colônia agroindustrial Itacoatiara, que pertencia ao Barão de Mauá, e à chegada de 34 negros de Angola escravizados ao município de Itacoatiara, vindos dos portos de São Mateus (ES) e de Serinhaém (PE) no século 19. "O quilombo de Serpa é um dos mais bem documentados do Brasil e da Amazônia", frisou o professor durante apresentação feitas às famílias que hoje vivem no quilombo.
Ernando Soares Macêdo, presidente da Associação do Quilombo do Lago de Serpa, ressaltou a importância da união entre os quilombolas do Amazonas e a necessidade de estarem comprometidos com essa luta coletiva pelos direitos de suas comunidades. Emocionado como anfitrião do encontro, Ernando agradeceu a todos os presentes pelas contribuições e pelo trabalho nos 3 dias de evento em sua comunidade, finalizando com sucesso com a eleição da coordenação executiva da Conaq Amazonas composta por cinco lideranças quilombolas amazonenses.
Para Arlete Anchieta, coordenadora do Fopaam, a organização do movimento quilombola no Amazonas fortalece a luta pelas políticas de diversidade racial no estado e possibilitam que o movimento negro e o movimento quilombola possam caminhar juntos na busca por direitos na educação, na saúde, na área ambiental e na valorização cultural. "Nós existimos e resistimos no Amazonas. A luta no combate ao preconceito e ao racismo é diária e árdua, mas nós seguimos em frente", concluiu.
A Crítica, 27/09/2022, Últimas, p. A16
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