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Quem matou Anderson Mura?

Amazônia Real (Manaus - AM) - www.amazoniareal.com.br
Autor: Kátia Brasil
08 de Out de 2015

Uma operação de combate ao crime organizado numa área de ocupação irregular denominada de "invasão Cidades das Luzes", na zona oeste de Manaus, repercutiu sobre as comunidades indígenas urbanas da capital amazonense. Um homem morreu com um tiro na cabeça. Entre os dez presos preventivamente, sete são índios das etnias Cocama, Miranha e Mura.

A Operação "Blackout", da Polícia Civil do Amazonas, aconteceu nesta quarta-feira (07) às 6h. Anderson Rodrigues de Souza, conhecido como Anderson Mura, 30 anos, morreu quando policiais civis tentavam cumprir o mandado de prisão contra o índio Sebastião Castilho Gomes, conhecido como Sabá Cocama, considerado foragido da Justiça.

De acordo com o Instituto Médico Legal do Amazonas, Anderson Rodrigues de Souza foi atingido com um tiro de arma de fogo na cabeça. Ele foi levado ao hospital, mas morreu às 13h de ontem (07). Segundo o IML, na carteira de identidade não constava a etnia dele. Daí o fato da polícia não ter reconhecido Anderson como indígena.

Em entrevista à agência Amazônia Real, o cacique Carlos César Mura disse que Anderson era índio da etnia Mura. A Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmou que Anderson Mura se auto definia sendo da etnia, mas está investigando a emissão do Rani (Registro Administrativo de Nascimento Indígena) dele.

O coordenador da Funai, Edivaldo Oliveira, afirmou que independente de Anderson ser indígena ou não, sua morte foi motivada por "uma ação truculenta do ponto de vista dos direitos humanos".

"A morte dele (Anderson) aconteceu num local com muitas famílias indígenas. Todos ficaram em vulnerabilidade. Foi uma operação totalmente truculenta da Polícia Civil, que ofendeu toda a questão jurídica e dos direitos humanos", afirmou Edivaldo Oliveira, que também é indígena Mura.

À agência Amazônia Real, o Ministério Público Federal informou que está acompanhando o caso Anderson de Souza. "Como parte da apuração preliminar, a Secretaria de Segurança Pública será oficiada a prestar informações sobre a operação e as circunstâncias em que a morte do indígena ocorreu", disse nota do órgão.

Indígenas moram em áreas de ocupação de terra irregular desde os anos 80, em Manaus, quando começou a migração das aldeias no interior do Amazonas para a capital. Estudos feitos pelo projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, grupo de pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), estimam que na cidade vivem indígenas de cerca de 20 etnias. Eles procuram estudo, empregos e saúde na cidade. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, quatro mil pessoas em Manaus se auto identificaram como indígenas.

A Funai informou em 2014 para a Amazônia Real que existem 25 mil indígenas vivendo na capital amazonense.

A Operação "Blackout" na ocupação de terra irregular "invasão Cidades das Luzes" mobilizou cerca de 500 policiais, entre civis e militares, além de membros do Ministério Público Estadual. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, na "Cidades das Luzes", integrantes da organização criminosa denominada "Família do Norte" eram os responsáveis por crimes como tráfico de drogas, ambiental, invasão de terras públicas e estelionato.

Segundo a SSP, as famílias indígenas e não indígenas estavam sob o domínio da organização criminosa. Os lotes de terra eram adquiridos de forma ilegal, mediante estelionato. A floresta, em 61 mil hectares do terreno, foi destruída para instalação de barracos, mas haviam casas em alvenaria pertencentes a traficantes, diz a investigação.

De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Público, o indígena Sabá Cocama é acusado por crime de tráfico de drogas, invasão de terras públicas e crime ambiental. Ele teria ligações com Sebastião Ribeiro Marinho Filho, conhecido como Velho Sabá, que já estava preso antes da operação, e é integrante da "Família do Norte".

Na operação "Blackout" foram presos por acusação de invasão de terras públicas, crime ambiental e estelionato, os indígenas, Pedro Santos Vale Mura, Agnaldo Pereira Gonçalves, Jair Cordovil Trindade Miranha, Reginaldo Garcia Soriano, Raimundo Alves Romano Mura, Suzete Almeida Ramos Cocama, Ana Maria B. da Costa Mura e Francisnaldo Freire Pereira. José Augusto Miranha está foragido. Pedro Mura e Augusto Miranha são caciques na Comunidade Nações Indígena, região visitada pela Amazônia Real este ano, veja aqui.

Não havia acusações contra Anderson Mura

O secretário da SSP, delegado Sérgio Fontes, afirmou à Amazônia Real que a morte de Anderson Rodrigues de Souza aconteceu quando os policiais civis da Operação"Blackout" foram fazer buscas a Sabá Cocama em outra ocupação, localizada na zona norte de Manaus, mas sem um nome definido.

Ao chegar ao local, segundo Fontes, os indígenas reagiram à ação dos policiais civis para proteger Sabá Cocama. "Quando o pessoal chegou já foi recebido a flechas, tiros e jogaram terçados nos policiais. Ninguém sabe ainda efetivamente o que aconteceu. Nem sequer se o tiro disparado foi de arma da polícia", afirmou o delegado Sérgio Fontes.

A reportagem da Amazônia Real entrevistou também o secretário-executivo do Gabinete de Gestão Integrada da SSP, delegado Frederico Mendes, que acompanha conflitos de terra envolvendo indígenas em Manaus. Ele acusou Anderson Rodrigues de Souza de ser "capanga" do índio Sebastião Cocama.

"A polícia não agiu de forma arbitrária. A polícia foi cumprir um mandado de prisão. Foi recebida de forma hostil, através de lanças, pedras, terçados, houve uma reação. Não sabemos ainda se esse tiro partiu da força policial. Não tem nenhuma afirmativa de que ele seja índio. Esse cidadão (Anderson) deveria ser algum capanga, é aquele cara que dar proteção. Ele simplesmente reagiu de forma a agredir a vida dos policiais", disse Mendes.

Segundo o secretário-executivo do Gabinete de Gestão Integrada da SSP, um inquérito policial foi aberto hoje para investigar a autoria dos disparos contra Anderson Souza. A investigação será acompanhada pelo Ministério Público Estadual.

"Foi determinada a investigação. Não temos interesse nenhum de esconder nada. O sistema de segurança trabalha de forma cristalina possível. Infelizmente houve a legítima defesa. Não é justo combater um crime e chegar lá pegar flechada e terçada e não reagir. Nossa obrigação é defende a vida, mas quando se torna impossível, houve um embate. Mas a população foi receptiva porque agimos dentro da lei", disse o delegado Frederico Mendes.

Liderança Mura nega revide com tiros

O cacique Carlos César Mura, da Comunidade Nova Esperança Cocama, na zona norte, negou que Anderson Rodrigues de Souza e outros indígenas tenham reagido por arma de fogo.

"Se eu faço parte de uma organização da polícia, se eu vou buscar uma pessoa, não tenho que enfrentar os primeiros que estão na frente. O rapaz revidou com uma flecha, não foi tiro. Eu creio que um tiro é mais rápido do que uma flecha. O policial atirou na cabeça do rapaz. Então foi muito violenta essa ação da Polícia Civil. De uma forma ou de outra, estamos vulneráveis. Aqui tem pessoas de bem. A revolta é muito grande. Para polícia nós não valemos nada", disse o cacique.

Com relação às acusações da Operação contra os indígenas presos, inclusive às atribuídas a Sebastião Cocama, o cacique Carlos César Mura disse que "eles têm que pegar" pelos crimes que cometeram.

"Todos nós sabemos que invasão de terra é crime, ainda por cima, tem um monte de coisa (crimes) dentro dessas ações. Então, não somos de acordo. Se estão buscando Sebastião Cocama, que seja feita a vontade de Deus. Mas é ele que tem que pagar pelos crimes. O nosso parente Mura, que pegou o tiro na cabeça, não tinha nada com o crime" afirmou o cacique Carlos César Mura.

O coordenador da Funai, Edivaldo Oliveira Mura, disse que esteve nesta quinta-feira (08) na comunidade onde morreu Anderson. Também compareceu ao enterro dele no Cemitério Tarumã, na zona oeste de Manaus.

"Ele deixou a esposa grávida. As testemunhas falam que a polícia chegou atirando para todo canto. Elas recolherem cápsulas de balas e vão apresentar na Justiça. A Funai está acompanhando esse momento do processo", disse o coordenador.

A Amazônia Real entrevistou o secretário da SSP, delegado Sérgio Fontes sobre as acusações do coordenador da Funai. "Essa declaração que a polícia foi truculenta, é uma declaração passional. Quando o Sabá Cocama vai dar porrada no pessoal da Funai, a Funai é a primeira a pedir socorro. Todo mundo sabe quem é o Sabá Cocama. Tem pelo menos dez anos que esse rapaz comete crimes. Ele colocou os guerreiros para lhe proteger. Ele sempre fez isso", disse o delegado Fontes.

Sob o domínio de organização similar à de Escobar

Sobre o domínio do tráfico de drogas na "invasão Cidades das Luzes", o delegado Sérgio Fontes disse que as famílias da ocupação eram obrigadas a comprar alimentos, gás e material de construção no comércio dos traficantes. O secretário disse que a ação é similar ao que fez o traficante Pablo Escobar na Colômbia, nos anos 80. A Operação "Blackout" demandou, segundo ele, quatro meses de investigações.

"Na Cidade das Luzes um terreno custa de R$ 5 mil a R$ 8 mil, se o cara não pagar é expulso. Paga R$ 30 pela luz, paga gás e material de construção pela polícia. E tem o toque de recolher. O Pablo Escobar (traficante colombiano) fundou um bairro em Medellín para praticar crimes livremente. Não podemos deixar que isso aconteça em Manaus", afirmou o delegado Sérgio Fonte, que é ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas.

Dos sete indígenas presos pela Operação "Blackout", a Amazônia Real localizou apenas o advogado de Jair Miranha. O advogado Abdalla Sahdo disse que acompanha o processo de regularização de terras de uma ocupação chamada "Comunidade Parque das Nações Indígenas" na qual Jair Miranha é um dos caciques.

Ele disse que pesam contra ele acusações de invasão de terras públicas e tráfico de drogas. Mas que Jair nega envolvimento em crimes na "invasão Cidades das Luzes".

"Não tivemos acesso ao processo (do tráfico) devido ao sigilo decretado pela Justiça. Por isso não pedi a liberdade dele. Mas, o Jair nega qualquer envolvimento com drogas. Com relação a ocupação de terras em local de preservação permanente, ele (Jair) confirma a ocupação da área do Parque das Nações, onde ele diz que antes o local era um lixão. O Jair foi preso em casa no Parque das Nações", disse o advogado Abdalla Sahdo.

Veja vídeo da operação realizado pelo jornal Diário do Amazonas aqui

http://amazoniareal.com.br/quem-matou-anderson-mura/

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