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Queimada 'do bem' testa forca da Amazonia

FSP, Ciencia, p.A12
17 de Ago de 2004

Ambiente
Experimento feito por brasileiros e americanos em propriedade privada vai verificar resistência da mata ao fogo
Queimada "do bem" testa força da Amazônia
Cláudio Ângelo
Enviado especial a Querência (MT)
Uma área de floresta maior que cem campos de futebol no ecossistema mais ameaçado da Amazônia foi deliberadamente incendiada ontem em Querência, Mato Grosso. Mas, desta vez, não se trata de tragédia ambiental. A queimada faz parte do maior experimento do gênero já feito numa selva tropical, e seu objetivo é justamente entender como evitar um desastre -a conversão da mata em cerrado por efeito do fogo.
A experiência é resultado de uma parceria insuspeita, entre uma ONG ambientalista e o maior grupo produtor de soja do mundo. Na fazenda Tanguro, uma área quase do tamanho do município de São Paulo pertencente ao Grupo Maggi, pesquisadores do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) estão iniciando um projeto de seis anos para verificar a resistência ao fogo da chamada floresta de transição, no meio do caminho entre cerrado e Amazônia.
Andando entre as labaredas enquanto técnicos ateavam fogo com tubos de querosene, o ecólogo Daniel Nepstad, do Ipam e do WHRC (Woods Hole Research Center, nos EUA), resumiu: "Para mim, isso é o que você precisa fazer para poder combater as queimadas e prever onde elas estarão. Claro, além de ser muito legal."
O americano Nepstad é o coordenador científico do projeto, batizado de Experimento de Savanização. Os números do programa são superlativos: ao longo desses seis anos, três parcelas de mata de cem hectares cada uma serão queimadas sucessivas vezes pelos cientistas, a intervalos variados.
Os 300 hectares a serem incendiados -de forma controlada- são uma parte bem pequena da área da fazenda: 81,5 mil hectares.
Além do Ipam e do WHRC, o experimento envolve as universidades de Brasília e Federal do Pará, e as americanas Yale e Stanford. Essa última se encarrega de vigiar o experimento do espaço, com os satélites Earth Observing-1, Terra, Acqua e Noaa-14.
"Espero que haja fogo suficiente para o satélite", disse Nepstad. E a preocupação se explica: um dos objetivos principais do estudo é saber se esses satélites conseguem captar o fogo rasteiro, que se alastra pelo chão da floresta sem afetar as copas das árvores. A suspeita dos pesquisadores é que os satélites não estão calibrados para detectar esse tipo de queimada -caso em que a tragédia ambiental amazônica pode ser bem maior do que se imagina.
Essa queimada rasteira também deixa a floresta mais vulnerável a incêndios subseqüentes. Além de secar a mata, o fogo torra as folhas no dossel e faz com que elas caiam, transformando-se em combustível para fogos futuros.
O megaexperimento do Ipam na fazenda da Maggi -propriedade da família do governador do Estado, Blairo Maggi (PPS)- quer precisar em quantas queimadas a floresta se transforma em uma savana, ou capoeira degradada. "Estamos na luta entre dois grandes biomas [Amazônia e cerrado]. A presença humana vai decidi-la", diz Nepstad.
A região inteira é a nova fronteira agrícola do Estado, onde madeira, gado e soja fazem avançar o chamado Arco do Desflorestamento. Só no biênio 2002-2003, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) estima que a Amazônia perdeu 23.750 km2 de cobertura vegetal, mais de 43% deles em Mato Grosso.
Além de estar no centro do furacão econômico, as características físicas da floresta de transição, mais seca, fazem dela o ecossistema mais ameaçado da região amazônica. Em 1998, 30% dela pegou fogo. Um modelo em computador feito pela Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Ipam indica que, se nada for feito, apenas 15% do bioma ainda estará de pé até 2050.

Ação modifica a composição da fauna local
Do enviado a Querência (MT)
Enquanto os outros pesquisadores se voltavam para a mata durante o incêndio na fazenda Tanguro, Oswaldo de Carvalho, do Ipam, e Lisa Curran, da Universidade Yale (EUA), estavam de olho no que saía dela. Seu trabalho é mapear as espécies de mamíferos na região e entender o que acontece com elas depois do fogo.
A queimada pode mudar a composição da fauna na mata. Com o brotamento de folhas que se segue ao fogo, certos herbívoros tendem a colonizar a mata e espécies que comem de tudo aumentam sua densidade.
Mas isso não é necessariamente bom. "Se aumenta a quantidade de predadores de sementes, por exemplo, você impede a regeneração", disse o biólogo. (CA)

ONG quer usar gado para cumprir lei florestal
Do enviado a Querência (MT)
O texano John Carter, 38, solta o manche de seu monomotor e aponta para uma rota aérea traçada de Nordeste a Sul no mapa de Mato Grosso. "Quando vim para cá, em 1993, só tinha 20% abertos. Hoje não sobrou quase nada."
Carter e sua mulher, a paranaense Ana Francisca Garcia Carter, 36, são pecuaristas, donos de uma fazenda de 8.000 hectares no centro-leste do Estado.
Assustado com a velocidade do desmatamento e de olho no mercado externo de carne, o casal resolveu usar o boi a favor da floresta. Eles criaram uma ONG, a Aliança da Terra, com o objetivo de cumprir a lei ambiental e ganhar dinheiro com isso.
Nas matas de transição, o Código Florestal determina que metade da área seja mantida de pé, como reserva. Na prática, os proprietários rurais dizem que a lei inviabiliza a produção.
A idéia básica da ONG, já que reúne o Grupo Maggi e uma grande empresa de pecuária, a canadense Brascan, é formar uma aliança de produtores que respeitem o código e certificar gado e soja na Amazônia.
Os Carters querem usar o peso dessas empresas para assegurar também de que produtores menores cumpram igualmente a legislação. (CA)

FSP, 17/08/2004, p. A12

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