VOLTAR

Que vamos fazer com as cidades?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
17 de Jun de 2005

Que vamos fazer com as cidades?

Washington Novaes

Na Semana do Meio Ambiente, há poucos dias, a Organização das Nações Unidas lançou sua proposta Cidades Verdes: Planos para o Futuro. E o secretário-geral Kofi Annan advertiu que esse é um dos mais graves desafios de hoje para enfrentar os dramas da pobreza, do desemprego, das drogas, do crime. As chamadas Metas do Milênio, disse ele, não serão alcançadas "se o planejamento ambiental nas cidades não for adotado - e já existem conhecimento e tecnologia para tanto". Mas criar "cidades verdes" exigiria, entre muitas coisas, ocupação racional do solo, redução da produção de lixo, uso eficiente da energia e da água, transporte público adequado (movido por fontes não poluentes).
Mais uma vez se evidencia a necessidade de colocar as questões socioambientais no centro e no início de todos os planejamentos públicos e privados - para que se possa ter visão clara de todos os problemas e dos caminhos para enfrentá-los. E com toda a razão: mais de metade dos 6,1 bilhões de habitantes do planeta e 38% das pessoas entre 15 e 29 anos já vivem em áreas urbanas; em 2050, calcula a ONU, serão mais de 4,5 bilhões das pessoas (65% do total).

O recém-lançado Atlas Ambiental, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que compara 80 pontos do mundo ao longo de 30 anos, com imagens de satélites, evidencia "mudanças dramáticas" em toda parte, de Pequim a Dacar, de Nova Délhi a Santiago: desaparecimento de terras cultiváveis, obstrução do leito de rios, desmatamento, erosão na mineração. Seus autores não têm dúvida em afirmar que o crescimento urbano é o principal fator no aquecimento global, com impactos muito além das áreas em que ocorre - até no Ártico. Um dos casos preocupantes apontados é o de Las Vegas, nos EUA, que em 50 anos multiplicou sua população por quase 20, prevê passar de 1 milhão de habitantes para 2 milhões em mais uma década e viu o lago que a abastece baixar seu nível em 18 metros de 2000 a 2003.

No Brasil a situação é delicada. Temos hoje mais de 80% da população em áreas urbanas, diz o IBGE (há controvérsias sobre o que é população urbana). Em 60 anos, a população das áreas urbanas foi acrescida de 106 milhões de pessoas, boa parte das quais por migrações internas. Segundo o IBGE, metade dessa população não dispõe de redes coletoras de esgotos - e, do que é coletado, mais de 80% são despejados com toda a carga orgânica e outros resíduos na rede hidrográfica.

Mais de metade do lixo vai para lixões a céu aberto; 1031 municípios têm esgotos correndo pelas ruas; 1682 municípios não têm aterro industrial para receber o lixo tóxico que produzem. As vias públicas das cidades, já perturbadas pelo trânsito caótico, acolhem hoje nada menos que 720 mil camelôs.

Até na Amazônia o problema assume proporções inquietantes. A população urbana ali triplicou de 1980 a 2000, diz o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia. Eram 4,5 milhões de pessoas, passaram para 13,7 milhões (65% do total de 21 milhões que vivem na área). Só 7% dispõem de saneamento, toda a infra-estrutura urbana é precária.

Em vários fóruns mundiais se discutiu muito a Carta Mundial pelo Direito à Cidade. Ela relaciona dezenas de direitos dos cidadãos que precisam ser assegurados, para que a vida urbana seja viável para todos. Inclui do direito ao trabalho e à seguridade social à saúde pública, alimentação, vestuário e moradia; do acesso à água potável à energia, ao transporte, à educação pública e à justiça; da participação política à segurança; do respeito às minorias e pluralidades (étnica, racial, sexual, cultural) à participação na gestão pública; do respeito ao meio ambiente à distribuição eqüitativa das riquezas. Se se comparar com o quadro de realidade vigente, não haverá como não espantar-se. Ou alarmar-se.

A Agenda 21 brasileira oferece muitas propostas de estratégias e ações prioritárias para as cidades. Mas advertindo que é preciso partir exatamente de algo de que estamos distantes: o planejamento intersetorial, que incorpore planos diretores e programas de ordenamento territorial, habitação, transporte, geração de empregos e renda. E ainda a criação da "autoridade metropolitana" em áreas assim caracterizadas (que hoje abrigam cerca de 40% da população brasileira).

Já o Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais (Iclei), em publicação recente, sugere "oportunidades para governos locais" e roteiros práticos no âmbito do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo da Convenção sobre Mudanças Climáticas, que permitiriam obter recursos de outros países. Por exemplo, substituindo frotas de ônibus, reduzindo a emissão de poluentes. Trocar uma frota de mil ônibus a diesel por veículos híbridos pode ter financiamento de até US$ 1 milhão por ano. Corredores de trânsito rápido podem candidatar-se, assim como projetos de energia renovável, co-geração de energia e seqüestro de gases em aterros sanitários, entre outros.

Já a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, lembra as possibilidades da agricultura urbana e periférica, enfatizando que as populações pobres consomem 60% de seu orçamento na compra de comida, em grande parte inadequada, geradora de desnutrição e obesidade. Enquanto isso, um canteiro de um metro quadrado produz de 18 a 30 quilos de tomates por ano; uma mini-horta, mostram seus projetos pilotos, pode produzir diariamente alimentos que valem US$ 3 (metade da humanidade tem renda inferior a US$ 2 diários).

Caminhos há. Fundamental é romper o quadro de paralisia e perplexidade que domina as cidades.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 17/06/2005, Espaço Aberto, p. A2

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.