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Quatro ações de inconstitucionalidade questionam código no STF

O Globo, Sociedade, p. 40
04 de Jun de 2017

Quatro ações de inconstitucionalidade questionam código no STF

Nada menos do que 58 dos 84 artigos das leis que constituem o novo Código Florestal têm sua validade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) através das chamadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). As três mais importantes delas, de autoria de Sandra Cureau, Procuradora-Geral da República em exercício em 2013, não entraram na pauta de julgamento até hoje. Tanto entre aqueles que defendem quanto os que contestam a legislação de 2012, há pelo menos um argumento comum: a demora no julgamento é prejudicial e leva à insegurança jurídica.
Cureau, que atua há décadas na área de meio ambiente no Ministério Público Federal (MPF) e é uma das candidatas a substituir Rodrigo Janot no próximo mandato, sustenta a inconstitucionalidade de parte do código sobretudo com base no artigo 225 da Constituição Federal, que assegura o "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado".
Em linhas gerais, a três ADIs questionam a legislação no que diz respeito às Áreas de Preservação Permanente (APP), às Reservas Legais (RL) e à possibilidade de que aqueles que desmataram até 2008 regularizem a situação de suas propriedades. Nas ações, a PGR pede que a eficácia dos dispositivos questionados seja suspensa até o julgamento do mérito.
- Sem dúvida nenhuma este código diminuiu a proteção ambiental em relação à legislação anterior. A Constituição não reconhece a possibilidade de uma proteção menor do que havia anteriormente - defende Cureau.
Entre os dispositivos contestados nas ações, estão as possibilidades de ocupação de áreas onde ocorreu desmatamento irregular antes de 2008; de uso de plantas exóticas para recomposição da Reserva Legal; e de compensação da RL em áreas de um mesmo bioma - sem considerar, segundo Cureau, que um mesmo bioma tem diferentes ecossistemas e, portanto, a compensação não necessariamente será equivalente.
Em audiência pública sobre o novo código, em abril de 2016, Luis Fux, relator das ADIs, afirmou que pretendia levar as ações para julgamento ainda naquele semestre. No meio do caminho dos ministros da corte, porém, estavam a Lava-Jato e a crise nos estados e, hoje, é incerto quando as ADIs serão pautadas.
Secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck relata que, em seu estado, alguns produtores estão adiando a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) - instrumento previsto no código e que deve ser preenchido por proprietários rurais até 31 de dezembro de 2017 - pela incerteza na Justiça.
- Muitos produtores estão preocupados com a ideia de quem faz primeiro [o cumprimento das regras] é penalizado. A discussão no Supremo pode praticamente invalidar o código.
Consultor da Comissão do Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus também demonstra preocupação com as ADIs. A CNA é, inclusive, amicus curiae nas ações. Justus prevê um impacto "muito maior do que a Operação Carne Fraca" para o setor agropecuário caso boa parte do novo código seja declarada inconstitucional. Isto porque uma série de propriedades teria ocupação considerada irregular pela legislação anterior - mesmo que, hoje, novas técnicas garantam exploração sustentável nestes locais, garante Justus.
- Alguns juízes de primeira instância acreditam que o código será declarado inconstitucional no Supremo, e estão determinando o cumprimento das leis antigas. Isto está abarrotando os tribunais - aponta o consultor da CNA.
Sandra Cureau, no entanto, garante que o Cadastro Ambiental Rural - "uma das poucas boas coisas" da nova legislação - não corre riscos diante das ADIs, uma vez que o artigo que criou o instrumento não está sendo questionado.
Mesmo assim, a subprocuradora-geral da República concorda que a demora para que o tema seja julgado é prejudicial.
- É muito ruim para todo mundo. A verdade é que o novo código está sub judice: no nosso entendimento, é o caso de não aplicá-lo.
Mauricio Guetta, advogado do Instituto Socioambiental, também amicus curiae no processo, considera a nova lei um "retrocesso" e, por isso, afirma que a indefinição no STF prolonga os danos ao meio ambiente.
- Qualquer impacto ao meio ambiente é de impossível ou muito difícil reparação. A nova lei desprotegeu uma área imensa. As ADIs são as ações judiciais mais importantes hoje, pelo impacto e pelos precedentes de jurisprudência, na área socioambiental. O que está em xeque é o próprio direito da sociedade brasileira a um meio ambiente equilibrado - argumenta o advogado.
Além das três ADIs de autoria de Sandra Cureau, há outra ação do tipo, ajuizada em 2013 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O partido argumenta que os dispositivos da lei questionados fragilizam a proteção ao meio ambiente. Por outro lado, o Partido Progressista (PP) ajuizou, em 2016, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) em relação ao novo código.
"Apesar da constitucionalidade latente de todos os dispositivos mencionados, a Lei em comento vem sendo questionada pelo Ministério Público Federal, pelos Ministérios Públicos Estaduais, por entes políticos, bem como por alguns tribunais. Neste diapasão, busca se declarar a legalidade destes dispositivos que estão sendo questionados, de modo a sanar a discussão de forma definitiva", diz a petição protocolada pelo PP.
As ações abertas pelo PSOL e pelo PP também têm como relator o ministro Luis Fux.

Pontos levantados pelas ADIS

1 ÁREAS DE PRESERVAÇÃO NA RESERVA LEGAL
O artigo 15 do novo Código Florestal prevê o cômputo de Áreas de Preservação Permanente (APP) no percentual de Reserva Legal (RL), com algumas contrapartidas pelos proprietários ou posseiros. Na petição inicial de uma das ADIs, Sandra Cureau afirma que a medida reduziu a área protegida. Além disso, ela defende que APP e RL "desempenham funções ecossistêmicas diversas, mas complementares".

2 PLANTIO DE ESPÉCIES EXÓTICAS
A ADI questiona também o artigo 66. Este dispositivo prevê a recomposição de Reserva Legal para imóveis com irregularidades até julho de 2008 - com a possibilidade de usar espécies exóticas em até metade da área a ser recuperada. "A principal finalidade da reserva legal é (...) a conservação e reabilitação dos biomas e da vegetação característica de cada ecossistema, protegendo a flora e a fauna nativas", diz a petição.

3 COMPENSAÇÃO DE VEGETAÇÃO NO BIOMA
Para regularização da Reserva Legal, o código prevê também a compensação deste déficit de vegetação em outros imóveis - através de uma venda de créditos, por exemplo. O critério para esta troca é: os imóveis envolvidos devem ser do mesmo bioma. Mas, para ambientalistas - e para os autores das ADIs - este critério não garante uma identidade ecológica entre estas áreas.

4 PROGRAMAS DE REGULARIZAÇÃO
A ADI 4902 classifica os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) como uma iniciativa "conveniente e louvável", mas afirma não haver segurança de que este mecanismo será eficaz. "Tais dispositivos legais inserem uma absurda suspensão das atividades fiscalizatórias do Estado (...) para exigir dos particulares o cumprimento do dever de preservar o meio ambiente e recuperar os danos causados", diz a petição.

5 FLEXIBILIZAÇÃO DE ÁREAS EM IMÓVEIS CONSOLIDADOS
O código flexibiliza a recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) em imóveis consolidados. As faixas de recomposição para APPs hídricas, por exemplo, variam de acordo com o tamanho da propriedade. "Os critérios para estabelecer quais APPs devem ser ou não recuperadas (...) variam unicamente em razão do tamanho das propriedades, sem qualquer vinculação com a importância ambiental do local", diz uma ADI.

6 ANISTIA EM PEQUENAS PROPRIEDADES
Um dos pontos mais polêmicos do novo código é também questionado nas ADIs: o artigo 67, que dispensa a restauração de Reserva Legal em imóveis com área menor que quatro módulos fiscais cujos proprietários tenham cometido irregularidades antes de 22 julho de 2008. Por este perdão a irregularidades, algumas medidas do código ficaram conhecidas como anistias.

O Globo, 04/06/2017, Sociedade, p. 40

https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/meio-ambiente/novo-codigo-fl…

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