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Protecao ao cerrado

CB, Cidades, p.23
04 de Abr de 2005

Proteção ao cerrado
Governo federal cria políticas públicas específicas e financiamento para a preservação do segundo maior ecossistema do país
O futuro do cerrado está em discussão. Representantes de secretarias do Meio Ambiente de 15 estados e do Distrito Federal começaram a traçar uma radiografia do bioma. Particularidades regionais, problemas que prejudicam a preservação e alternativas para o desenvolvimento sustentável farão parte de um documento único, a ser elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente e encaminhado ao Fundo Global do Meio Ambiente (GFE). O objetivo é garantir, em setembro, financiamento internacional para projetos que ajudem a barrar a devastação do cerrado nos próximos cinco anos.
O governo do Distrito Federal pretende aumentar o número de unidades de preservação e parques ecológicos, melhorando a conservação dessas áreas. O grande desafio é garantir o abastecimento de água e ordenar o crescimento da região. Amanhã, os técnicos da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Distrito Federal (Semarh) têm a primeira reunião de trabalho com o novo secretário, Antônio Gomes.
Eles apresentarão o esboço da versão 2005 do zoneamento ecológico e ambiental do DF. O zoneamento traça a matriz ecológica, o que há de biodiversidade, e que tipo de matriz econômica aquele local suporta”, explica o assessor da Semarh, Lucídio Guimarães. O crescimento desordenado está destruindo o cerrado candango, alerta.
Arquiteto e urbanista, especialista em desenvolvimento regional, Lucídio Albuquerque acompanha as transformações da região desde a implantação da nova capital. Quando aqui chegou, todo o território era um imenso cerradão (veja quadro). Entre 1954 e 1998, a área de expansão urbana do DF ficou 329 vezes maior. Os terrenos destinados às atividades agropecuárias aumentaram 2.316 vezes. A exposição do solo, fruto da devastação, cresceu 230 vezes. A área coberta por vegetação natural, por sua vez, diminuiu em 57,65%. Brasília não foi construída aqui por acaso. Tudo foi estudado. Ela nasceu com seu crescimento ordenado. A meta é que tivesse 500 mil habitantes no ano 2000 porque era isso que o território, o bioma cerrado, suportaria, lembra Albuquerque.
O zoneamento feito nos anos 90 foi elaborado pela Semarh com a participação de entidades como a Universidade de Brasília (UnB) e a Embrapa. Ele aponta, por exemplo, que os principais núcleos rurais do DF estão perfeitamente localizados em áreas com solo propício às atividades agrícolas, ricos em nutrientes e recursos hídricos, mas onde há alto risco de contaminação dos mananciais. O mesmo ocorre em outros pontos do DF, que acabaram com a vocação natural desvirtuada. É o caso do lixão da Estrutural e da Expansão do Setor O. Estão sobre áreas de intensa vulnerabilidade dos aquíferos subterrâneos. Ou seja, o lençol freático está poluído de forma irreversível, completa Guimarães.
A versão 2005 do zoneamento ecológico e ambiental do DF apontará, segundo o especialista, as novas agressões ao solo, águas, vegetação, animais e até ao clima do cerrado candango. Mostrará a área destinada às atividades agropecuárias sendo invadida pelos condomínios horizontais. Terrenos que têm no subsolo águas vulneráveis à contaminação cobertos por postos de gasolina. O que temos de fazer, de agora em diante, é reforçar a matriz ecológica, já que não dá para remover a matriz econômica desenvolvida em local errado, pondera o assessor da Semarh.

Agressão ao bioma candango
O avanço da degradação ambiental
1954 Total da área coberta por vegetação nativa 99,96% (do território) Área destinada à exploração agropecuária 0,02% Área urbana 0,02%
1973 Cobertura vegetal 91,84% Atividades agropecuárias 6,06% Ocupação urba na 2,10%
1998 Área de cerrado 47,11% Atividades agropecuárias 46,32% Ocupação urbana 6,57%

FONTES: Universidade de Brasília/ IPEA/ Semarh

DF quer parte da verba global
O Distrito Federal pleiteia parte da verba global. "Além do zoneamento ecológico, a estratégia que adotaremos será a de ampliação e aumento no número das unidades de preservação e unidades ecológicas", afirmou o secretário de Unidades de Conservação e Parques do DF, Ênio Dutra. Responsável pela administração de 68 áreas de preservação protegidas por legislação local e federal, ele representou o DF no evento promovido pela Abema.
A estratégia é considerada tímida por representantes da sociedade civil. "Um pouco da diversidade perdida, degradada, está preservada nas unidades de conservação. Mas é preciso proteger também o que está fora delas", alerta o coordenador da pós-graduação em Ecologia da Universidade de Brasília, Paulo Salles. Ele lembra que as cidades e loteamentos do DF, em geral, não estão em áreas de proteção. No entanto, hoje há pelo menos 12 áreas de risco de enchentes, desabamentos e erosões que são monitoradas pela Defesa Civil.
"Há casas erguidas nas encostas, avanço da ocupação em áreas ribeirinhas. Isso deixa o solo exposto, provoca erosão, a terra desce, vai parar no leito dos rios", diz Salles. Como Lucídio, ele lembra da proximidade dos postos de gasolina com as áreas residenciais do DF. "Eles eliminam gases, há risco de explosão e contaminação do solo e lençóis freáticos por metais pesados. Se o governo tivesse criado comitês temáticos, poderíamos pontuar isso tudo para o projeto", afirma o professor, que integra a Comissão Pró-Comitê da Bacia Hidrográfica do Paranoá.
Assim, Salles defende que parte dos recursos a serem coletados pelo programa federal deva custear ações de preservação em áreas não protegidas e de mobilização da sociedade brasiliense. "Onde um morador desmatou e hoje se tenta conter a erosão, prova que falta consciência ecológica", afirma. "Se campanhas educativas não forem feitas junto com as ações de proteção e recuperação, o cerrado continuará sob risco."

CB, 04/04/2005, p. 23

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