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PROPOSTAS DA COORDENAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕESINDÍGENAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA - COIAB

Coordenação da COIAB-Manaus-AM
28 de Ago de 2002

AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

O Brasil é habitado por mais de 216 povos indígenas, com população de aproximadamente 368 mil pessoas, morando em terras indígenas, que falam 180 línguas diferentes. Nós indígenas representamos menos de 1% da população brasileira, mas temos contribuído na construção da identidade e cidadania brasileira, sem renunciarmos a nossa identidade de povos etnicamente diferenciados.

Os dados oficiais de setembro de 2001 indicam que encontram-se demarcadas 420 terras indígenas, que somam 87.000.000 hectares, representando 11,55 % de todo território nacional. Outras 130 terras estão em processo de demarcação, correspondendo a 17.508.334 hectares. A maior parte das terras indígenas localizam-se na Amazônia, correspondendo a 20 % da extensão desta região.

A legislação brasileira é razoavelmente favorável aos povos indígenas, tendo como marco principal a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, que alterou substancialmente o tratamento dado pelo Estado brasileiro aos direitos dos povos indígenas.

Até 1988, a legislação determinava a integração do índio à sociedade brasileira, negando nossos valores culturais. A nova Constituição revogou as normas assimilacionistas ao reconhecer os usos, costumes e tradições dos povos indígenas e determinou a demarcação das terras com base na sua ocupação tradicional.

A partir de então surgiu um número expressivo de organizações indígenas, que aos poucos ampliaram a participação dos povos indígenas nas instâncias que tratam dos direitos e interesses, especialmente aqueles relacionados a demarcação das terras, saúde, educação e ao desenvolvimento econômico sustentável. As organizações indígenas, portanto, têm redimensionado sua autonomia e confirmado sua interlocução para tratar dos diretos dos povos indígenas, em fóruns governamentais não governamentais e de outros segmentos sociais.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB que articula a mais de 75 organizações indígenas e 164 povos indígenas daa Amazônia Legal (Amazonas, Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins), região onde vive mais de 60% da população indígena do Brasil, junto com outras organizações e lidernças indígenas do Nordeste, sudeste, centro-oeste e sul do Brasil, entende que, mesmo com os avanços da democracia, o Estado e o povo brasileiro ainda têm dívidas históricas pendentes para com os povos indígenas do país. Dívidas essas que devem ser resolvidas com medidas governamentais concretas, que objetivem o exercício pleno da cidadania indígena e sobretudo dos direitos originários dos povos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal.
Nesse sentido nós, organizações e povos indígenas do Brasil aqui reunidos (Ticuna, Tucano, Dessana, Galibi-Marworno, Xavante, Macuchi, Wapichana, Karajá, Tupinambá, Sateré-Mawé, Baniwa, Apurinã, Potiguara, Terena e Arapium, entre outros), esperamos que o próximo governo tenha a suficiente vontade política para viabilizar a nossa seguinte pauta de reivindicações:

DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS E DESINTRUSÃO DAS ÁREAS INVADIDAS

Mesmo com alguns avanços significativos, na demarcação das terras indígenas nos últimos anos, ainda há muita pressão contra os direitos territoriais dos povos indígenas. Muitas terras ainda não tiveram seus processos concluídos, e outras que já foram demarcadas encontram-se invadidas. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, por exemplo, ainda não foi homologada por conseqüência da pressão dos políticos do Estado, contrários aos direitos indígenas.

No ano de 2000, um levantamento da FUNAI concluiu que para indenizar as benfeitorias construídas de boa fé pelos ocupantes não índios das terras indígenas seria necessário pagar o valor de aproximadamente duzentos milhões de reais, enquanto a FUNAI recebia apenas em seu orçamento o valor de quatro milhões de reais. Ou seja, de acordo com esses valores, seriam necessários 50 anos para desintrusar as terras indígenas. Por isso faz-se necessário que o orçamento da FUNAI seja adequado para cumprir o pagamento das indenizações e devolver as terras para as comunidades indígenas.

Portanto, faz-se necessário que o governo conclua os processos de demarcação e proceda a retirada dos ocupantes não índios que se encontram instalados ilegalmente nessas terras, a fim de evitar conflitos e mortes. A história mostra que os povos indígenas, nesses confrontos, tem sido as maiores vítimas.

CONSOLIDAÇÃO DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE ESPECIAL PARA OS POVOS INDÍGENAS

As políticas públicas de atendimento a saúde indígena passaram a ser reformuladas desde 1999, quando a responsabilidade desse atendimento passou para o Ministério da Saúde e à FUNASA.

Nesse mesmo período, a COIAB, outras organizações indígenas e organizações não governamentais (ONGs) firmaram convênios com a FUNASA, através dos quais obtiveram recursos financeiros para prestar o atendimento primário nas comunidades indígenas. Foram contratadas equipes formadas por médicos, odontolólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, laboratoristas e Agentes Indígenas de Saúde (AIS).

É verdade que nesse período houveram alguns avanços no atendimento à saúde dos nossos povos, mas as organizações indígenas enfrentaram sérios problemas decorrentes, entre outras questões, do atraso no repasse dos recursos por parte do governo federal, da falta de capacitação e qualificação para gerenciar e executar os serviços e da falta de acompanhamento direto por parte da FUNASA, órgão que tem a responsabilidade dentro da estrutura do governo federal, de garantir o atendimento às necessidades dos povos indígenas na área da saúde

Esse problemas não só têm prejudicado o atendimento mas também a credibilidade das organizações indígenas junto aos fornecedores e, sobretudo, às comunidades indígenas. Para agravar este quadro, o governo vem reduzindo o orçamento dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). É necessário que essa situação seja revista no menor prazo de tempo, com ampla participação do movimento indígena, visando a construção de um modelo eficaz e eficiente.. Nesse contexto reivindicamos criação de um fundo específico para atender as demandas da saúde dos povos indígenas, o reconhecimento público do saber e medicina tradicional indígenas e a valorização dos médicos tradicionais indígenas (pajés).

APOIO PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

A Constituição Federal Brasileira estabeleceu o ensino diferenciado, intercultural e bilingüe para a população indígena resguardando suas culturas e línguas. Em todas regiões do país as comunidades indígenas vêm desenvolvendo experiências para melhorar a educação escolar.

No entanto, os recursos financeiros são insuficientes para o funcionamento regular das escolas indígenas. Por isso é necessário que seja criado um fundo específico para consolidar uma política voltada a educação escolar indígena diferenciada e de qualidade nos diferentes níveis: fundamental, médio e superior, priorizando a formação em áreas profissionalizantes e de graduação, que respondam às atuais demandas e necessidades dos povos e comunidades. Com isso estará se evitando a crescente migração dos alunos para outras áreas ou para as cidades em detrimento de sua identidade, vínculo comunitário e engajamento nas lutas, processos organizativos e projetos de sustentabilidade dos territórios indígenas, questões todas dirigidas a garantir a autonomia dos povos indígenas.

Ressalte-se também a necessidade de oferecer apoio aos estudantes indígenas, através de bolsas de estudo, e buscar formas alternativas que facilitem o acesso daqueles que concluem o ensino meio ao Ensino Superior, onde possa ser valorizado o conhecimento tradicional e as demandas históricas dos nossos povos.

APOIO AO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO SUSTENTÁVEL E PROTEÇÃO DAS CULTURAS DOS POVOS INDÍGENAS

O desenvolvimento econômico sustentável dos povos indígenas relaciona-se com a proteção de suas terras, recursos naturais, culturas e condições para ter segurança alimentar nas aldeias.

Para atender essas demandas, o próximo governo deveria se empenhar na adoção de uma política voltada para o desenvolvimento econômico sustentável dos povos indígenas, que contemple entre outras questões, a criação de um fundo constitucional voltado ao financiamento de suas atividades econômicas e a participação efetiva do movimento indígena organizado na discussão e execução dessa política, a fim de superar a tradicional perspetiva assistencialista e garantir que os recursos sejam acessados de forma transparente e estritamente para os fins previstos.

É necessário também a aprovação de uma lei que estabeleça a isenção tributária para os produtos que tenham origem nas comunidades indígenas.

OS DIREITOS DAS MULHERES INDÍGENAS

A participação das mulheres no movimento indígena tem crescido nos últimos anos.
por conta de suas próprias reivindicações e das demandas históricas de seus povos, na área da educação, da saúde, das alternativas econômicas e da cultura, principalmente.

Esse crescimento se expressa na ocupação de cargos de direção, nas organizações do movimento indígena e na intervenção delas, no processo de definição dos rumos do movimento indígena.

As mulheres avançaram de fato não só no conhecimento e compreensão de seus problemas específicos mas na capacidade de formular suas reivindicações e de intervir de forma mais efetiva e qualificada na luta pelo reconhecimento de seus direitos e os de seus povos e comunidades

Face a essa situação as mulheres indígenas reivindicam do próximo governo apoio institucional para que possam fortalecer seu processo de organização e articulação em nível local, regional, nacional e internacional, e implementar programas que dêem solução aos problemas que afetam seus povos e comunidades, mas sobretudo às mulheres indígenas, particularmente na área da saúde preventiva, da capacitação e da segurança alimentar.

PROTEÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA E DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS INDÍGENAS

A Medida Provisória No 2.186, de Agosto de 2001, que dispõe sobre o Acesso ao Patrimônio Genético, Proteção e Acesso aos Conhecimentos Tradicionais Associados, a Repartição de Benefícios e o Acesso à Tecnologia e Transferência de Tecnologia para sua Conservação e Utilização protege razoavelmente os recursos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais indígenas.

A atual Presidência da República editou a primeira versão da MP no 2.186, em junho de 2000, com o objetivo de regulamentar o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos a este associados. Vários setores da sociedade brasileira, incluindo ONGs, organizações indígenas e parlamentares, insurgiram-se contra a MP porque ela, entre outros problemas, desrespeitava a discussão em andamento no Congresso Nacional. O Senado, depois de quatro anos de discussão, já havia aprovado o Projeto de Lei no 306/95, tratando da matéria, necessitando somente sua aprovação pela Câmara dos Deputados.

É fundamental a aprovação de uma lei sobre o assunto, por ser o instrumento jurídico mais adequado para oferecer a proteção desejada, vez que a MP é um ato com efeitos provisórios.

GARANTIR A PARTICIPAÇÃO INDÍGENA NO CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO

Em 28 de setembro de 2001, o governo federal publicou o Decreto n o 3.945 no Diário Oficial da União, que regulamenta a MP 2.186, de junho de 2000, definindo a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. O Decreto apresenta defeito em sua origem por excluir a participação da sociedade civil. É necessário que as organizações indígenas e outros setores organizados da sociedade brasileira venham participar desse Conselho, ao qual caberá, entre outras funções, autorizar o acesso aos conhecimentos tradicionais e ao patrimônio genético no país.

APROVAÇÃO DO ESTATUTO DOS POVOS INDÍGENAS

Encontra-se no Congresso Nacional, desde 1991, O Projeto de Lei no 2.057/91, que institui o Estatuto dos Povos Indígenas. Quando aprovado o novo Estatuto servirá parar regulamentar a Constituição Federal de 1988, que modificou substancialmente a legislação indigenista brasileira.

O texto constitucional de 1988 reconheceu a diversidade cultural no país, garantindo a proteção da cultura e o direito dos povos indígenas de permanecerem enquanto tais não obstante a sua inter-relação com a sociedade envolvente.

Diante das mudanças constitucionais, tornou-se necessário atualizar a legislação infra-constitucional. Entre as principais mudanças, a Constituição estabeleceu as bases para a revogação dos dispositivos da Lei 6.001/73, que determinavam a integração dos índios à sociedade nacional, negando-lhes seus valores culturais e direito à diferença.

A COIAB e as outras organizações indígenas do Brasil, entendem que é necessária a criação de uma instância, vinculada diretamente à Presidência da República, coordenada e administrada pelos próprios indígenas, a partir da qual poderão ser atendidas as demandas dos povos indígenas, e que se reestruture o órgão indigenista oficial.

PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO INDÍGENA

A construção de grandes projetos (hidrelétricas, gasodutos, rodovias etc.) e a extração ilegal de riquezas naturais e de mineiros em terras indígenas é uma realidade preocupante em diversos estados da federação. Interesses contrários aos direitos indígenas e setores do governo se artilculam na tentativa de aprovar no Congresso Nacional o PL do Senador Romero Jucá (PSDB-RR) sobre a exploração mineral nas terras indígenas, para garantir, é claro, sua sede de lucro, em detrimento do médio ambiente e sobretudo dos direitos originários e da integridade física e cultural dos povos indígenas.

Nós organizações indígenas entendemos que a prioridade do governo deveria ser é regulamentar a legislação infra-constitucional que garante o nosso direito ao usufruto exclusivo de todas as riquezas existentes em nossos territórios, respeitando os nossos direitos originários e a vontade dos nossos povos e comunidades.

PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS EM TODAS AS INSTANCIAS QUE TRATAM DE SEUS INTERESSES

Todas políticas e os assuntos de interesse dos povos indígenas devem ser tratados com a participação desses povos em fóruns, programas e instâncias deliberativas e executivas instituídas ou que venham a ser criadas para esses fins, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual estabelece, entre outras coisas, que os governos deverão:

"consultar esses povos, mediante procedimentos apropriados principalmente por meio de suas instituições representativas, toda vez que se considerem medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente";
"estabelecer os meios pelos quais esses povos possam participar livremente, pelo menos na mesma proporção que os demais segmentos da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições eletivas e órgãos administrativos e de outra natureza, responsáveis por políticas e programas que lhes digam respeito".
Estabelece ainda que "as consultas realizadas deverão ser feitas de boa-fé e de acordo com as circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento sobre as medidas propostas" (Artigo 6).
Finalmente, "os povos indígenas deverão ter o direito de decidir sobre suas próprias prioridades no que se refere ao processo de desenvolvimento na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, e às terras que ocupam, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, deverão participar da formulação, implementação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de os afetar diretamente." (Artigo 7).

CONCLUSÃO:

As propostas do movimento indígena da Amazônia que em sua maioria concidem com as reivindicações dos povos e organizações indígenas do resto do país, visam finalmente contribuir na construção de uma Política Indigenista clara, democrática, objetiva, coerente, que garanta o respeito pleno aos direitos indígenas.

Esperamos que o próximo governo se empenhe em fazer realidade estas demandas e cumpra com os compromissos que venha assumir com nossos povos, convertendo em realidade os nossos direitos garantidos pela Constituição Federal e outros instrumentos internacionais que nos últimos anos têm avançado no reconhecimento desses direitos.

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