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Promessas e dividas da biotecnologia

FSP, Mais, p.9
Autor: LEITE, Marcelo
06 de Mar de 2005

Promessas e dívidas da biotecnologia
Marcelo Leite
Colunista da Folha
E fez-se a luz, dirão os entusiastas incondicionais da tecnociência, após a aprovação da Lei de Biossegurança. O obscurantismo foi vencido pela Razão e o país está enfim livre para gozar das maravilhas da biotecnologia, terapias com células-tronco embrionárias e alimentos geneticamente modificados (transgênicos). Como cautela e caldo de galinha (ainda) não fazem mal a ninguém, aqui vai mais uma frase feita: promessa é dívida.

Ao público, cabe manter a vigilância sobre pesquisadores, governantes, ambientalistas e jornalistas
Em algum momento, os pesquisadores terão de resgatar a promissória que alguns deles emitiram em nome de pessoas como Mara Cristina Gabrilli, secretária de Portadores de Deficiência da Prefeitura de São Paulo. "É um dia e tanto", declarou ela à repórter Gilse Guedes. "Acredito que daqui a 3 ou 5 anos teremos condições de usar os avanços da ciência para que pessoas como eu possam recuperar os movimentos."
Em algum momento, a tropa de choque da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) terá de pôr em marcha a Nova Revolução Verde que seus generais reabilitados não se cansam de anunciar. Resolver o problema da fome, no Brasil e no mundo. Criar vegetais resistentes à seca e a solos tóxicos, ampliando a área agricultável. Alimentos mais nutritivos, duráveis e até terapêuticos, que tragam de fato benefícios para o público, e não só para o agricultor.
Em algum momento, os "derrotados" Marina Silva e Ibama terão de levar algum caso flagrante de negligência ambiental transgênica -cometida dentro do novo "marco regulatório" da biotecnologia- ao recém-criado Conselho Nacional de Biossegurança, com assentos para nove ministros. Sem isso, ficará patenteada a frivolidade dessa mínima brecha aberta na muralha da CTNBio (aquela comissão de biossegurança do Ministério da Ciência e Tecnologia que é técnica antes de ser nacional).
Em algum momento, os inimigos dos transgênicos terão de comprovar, com dados, que a engenharia genética é inerentemente arriscada. Ou, pelo menos, que algum cultivar transgênico de largo uso acarreta danos ao ambiente pelo menos tão graves quanto a agricultura intensiva de hoje (pois de malefícios à saúde humana eles falam cada vez menos).
Até lá, o Greenpeace pode sonhar com um veto de Lula. Mesmo as placas de mármore da rampa do Planalto já sabem que o companheiro presidente fez uma opção preferencial pelo agronegócio e adotou o slogan revolucionário "Todo poder à CTNBio". "Traição", talvez, ao seu programa de governo, como argumenta carta-corrente difundida na internet pela Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos. Mas não "burrice", ainda que o próprio Lula assim se tenha referido aos transgênicos. Parece mais esperteza, naquela intensidade que acaba engolindo o dono.
Ao público, cabe manter a vigilância sobre pesquisadores, governantes, ambientalistas e jornalistas que as propagam. Tomá-los pela palavra, pensar com a própria cabeça e parar de comer na mão de um fundamentalista qualquer. Crescer -e aparecer.

FSP, 06/03/2005, p. 9 (Mais)

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