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Projetos públicos em SP 'expulsam' 165 mil pessoas

FSP, Cotidiano, p. C1 e C4
25 de Out de 2010

Projetos públicos em SP 'expulsam' 165 mil pessoas
É o maior deslocamento populacional obrigatório já registrado no Estado
Maior parte das casas é irregular ou está em áreas de risco ou de proteção; obras incluem Rodoanel e megaparque

José Benedito da Silva

Projetos em execução pelo poder público em São Paulo vão desalojar compulsoriamente de suas casas cerca de 50 mil famílias em dez anos (2006-2015), no maior deslocamento populacional forçado já registrado no Estado.
Considerando 3,3 moradores por casa -média da prévia do Censo 2010-, o número de desalojados chega a 165 mil, mais que a população de São Caetano do Sul (153 mil).
A maioria das casas é irregular, está em áreas de risco ou preservação ambiental. Quase a metade das famílias desalojadas será atingida por ações de cunho ambiental.
A maior delas é o Várzeas do Tietê, um megaparque linear de 107 km de extensão que vai do extremo leste de São Paulo até Salesópolis, onde nasce o rio Tietê.
O projeto prevê desalojar 10 mil famílias em seis cidades, sendo a maior parte na região do Jardim Pantanal, onde remoções começaram após enchentes em 2009.
Outro ambicioso plano é o Programa Mananciais, que busca a despoluição das represas Billings e Guarapiranga e prevê demolir 8.500 casas irregulares no entorno.
O rol de projetos inclui remoções de favelas na Operação Urbana Água Espraiada, obras viárias da prefeitura, o Rodoanel e a expansão do metrô -esta desapropriará imóveis até em bairros nobres como Morumbi.
A maioria dos projetos é executada pelo governo do Estado ou prefeitura, mas parte tem recursos do PAC (federal) ou financiamento de órgãos como BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e Banco Mundial.
Nem todos os removidos até agora conseguiram moradias do poder público. Em alguns casos, ganham auxílio-aluguel de R$ 300 até serem encaixados em programas habitacionais em andamento. Em outros, recebem um pagamento -que varia de R$ 5.000 a R$ 8.000- e têm de procurar uma outra casa.
Para o ambientalista Carlos Bocuhy, da ONG Proam, a retirada das famílias de áreas de preservação é "demanda antiga e necessária", mas o poder público demorou para reverter o adensamento populacional nessas áreas. "As ocupações na Billings começaram na década de 80."
Para o arquiteto Kazuo Nakano, especialista em demografia, da ONG Instituto Pólis, o planejamento equivocado também amplifica os problemas das remoções.
"Fica muito complicado quando os agentes não apresentam alternativa de moradia." Para ele, os processos "não têm trabalho adequado antes, durante e depois".

Prefeitura e Estado dizem atender atingidos
Removidos recebem aluguel social ou são encaminhados para vagas em conjuntos habitacionais, afirmam

A Prefeitura de São Paulo diz que há 800 mil famílias à espera de moradia adequada, que age diante de situações emergenciais e que uma solução definitiva deverá vir até 2024, como prevê o Plano Municipal de Habitação.
Segundo ela, estão sendo urbanizadas 110 favelas na cidade, com verbas estadual, municipal e federal e que o processo é complexo pois envolve uma "negociação ininterrupta com a população".
Um dos problemas é o imediato adensamento populacional de uma favela sempre que sua reurbanização é anunciada, como diz ter acontecido na favela do Sapo (região da Água Branca), onde o número inicial de famílias saltou de 87 para 455.
De acordo com a pasta, o objetivo é atender com casas e apartamentos todas as famílias removidas, mas que, emergencialmente, paga o chamado aluguel social -R$ 300 por mês- para que elas fiquem em moradias provisórias até que sejam concluídas as unidades habitacionais.
Já o Parque Cocaia, no extremo sul da cidade, onde 130 famílias foram retiradas, a Secretaria da Habitação diz que era uma área de risco e havia determinação do Ministério Público para a remoção. As famílias receberam R$ 8.000 à vista -valor relativo a 24 meses de aluguel- porque o município sabia "que não haveria unidades habitacionais prontas".
Na Vila Brejinho, que integra o Complexo Cocaia, no extremo sul, a prefeitura diz que removeu 104 famílias mesmo sem ter para onde levá-las porque a área, às margens da Billings, era de "risco iminente" de alagamento.
As famílias, diz a pasta, receberão o aluguel social "até o momento da alternativa habitacional definitiva".

ESTADO
A CDHU (companhia habitacional do Estado) afirmou que atua em favelas em duas frentes -urbanização e erradicação- e que "em hipótese nenhuma deixa famílias sem atendimento definitivo nos locais de intervenção".
Segundo ela, o Programa de Atuação em Favelas atendeu 18.375 famílias com novas moradias entre 2007 e 2010 e 22.645 foram beneficiadas com urbanização.
No Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, a companhia afirma que as 5.350 famílias retiradas de áreas de risco ou de preservação irão para conjuntos habitacionais.

Família muda para casa que também será demolida

Desempregada, com o marido impossibilitado de trabalhar (é deficiente auditivo) e oito filhos, com idades de 8 a 17 anos, Bethania Sousa Bonfim, 36, foi a última a deixar a Vila Brejinho, conjunto de 104 casas irregulares à beira da represa Billings, onde viveu por 12 anos.
As demolições foram em março, mas os escombros ainda estão lá. Com auxílio-aluguel de R$ 300 mensais, se instalou numa casa ao lado, que, porém, também virá abaixo em razão do avanço do Programa Mananciais.
A dona quer despejá-la para alugar o imóvel por um valor maior antes que ele seja derrubado. "Fui a última a sair da Vila Brejinho porque não tinha para onde ir. Tenho oito filhos, ninguém quer me alugar casa", diz. Por ora, espera o "predinho" que diz ter sido prometido pela prefeitura. "Mas não disseram nem onde. E a maioria não vai conseguir pagar a prestação (R$ 360 por mês)."
Suas fontes de renda são o programa Renda Mínima da prefeitura (R$ 200) e os bicos que um de seus filhos faz numa pizzaria.
No Parque Cocaia, na mesma região, 130 famílias foram removidas sem receber outra moradia e apenas com um cheque de R$ 8.000 em mãos, pago pela empreiteira que demoliu as casas.
No Cantinho do Céu, nome do bairro num canto da Billings, o pedreiro Jesuino Ferreira Correia, 36, observa pela última vez o "predinho" de três andares que construiu para abrigar mulher, filha, enteada, irmã e agregados.
Um trator derruba o imóvel vizinho antes de começar a pôr abaixo o "arranha-céu", imóvel irregular onde vivia desde 1993. A prefeitura ofereceu R$ 13 mil pelo imóvel. Após negociações, subiu para R$ 33 mil, o que não foi suficiente para comprar a nova casa, de três cômodos, pela qual pagou R$ 55 mil.
"Foi uma coisa errada. Tinham de dar uma casa do mesmo tamanho que eu tinha", disse ele, que optou por seguir no bairro. "Fora daqui, é mais caro."
No Estado, o despejo coletivo atual só encontra algum paralelo nas remoções de favelas feitas pelo prefeito Paulo Maluf (1993-96) para construir a avenida Água Espraiada (Jornalista Roberto Marinho), quando cerca de 7.000 famílias foram removidas.
A demolição em massa de imóveis mais polêmica envolveu a construção das estações Brás, Pedro 2 e Bresser, da linha 3-vermelha do metrô, no final dos anos 1970.
Quase mil imóveis foram destruídos. Outro deslocamento expressivo foi a transferência de 15 mil habitantes da vila piloto de Jupiá, na divisa São Paulo/Mato Grosso do Sul, para a cidade paulista de Ilha Solteira em 1969.
A vila era provisória e havia sido criada para abrigar os que atuaram na implantação da usina hidrelétrica de Ilha Solteira. O povoado operário durou nove anos.

FSP, 25/10/2010, Cotidiano, p. C1 e C4

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2510201001.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2510201008.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2510201009.htm

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