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Projeto de lei revolta ecologistas

CB, Cidades, p.26
30 de Jul de 2004

Projeto de lei revolta ecologistas

A aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei que veda a aplicação do Código Florestal nas áreas urbanas provocou uma reação em cadeia por parte de diversos representantes do poder público, de ONGs e da sociedade civil. Eles defendem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete o artigo 64 do projeto de lei 47 aprovado no dia 8 de julho pelo Senado Federal. O Ministério Público do Distrito Federal enviou ontem uma carta de repúdio à norma, na qual pede à presidência da República o veto.
Caso a lei seja sancionada, a ocupação das áreas urbanas ficará a cargo dos poderes executivo e legislativo locais. Caberia à Câmara Legislativa, por exemplo, regulamentar as construções na orla do Lago Paranoá, em áreas originalmente rurais, como a Colônia Agrícola Vicente Pires, em nascentes, próximo aos córregos e riachos. Em cidades litorâneas, um manguezal, fundamental para a proliferação de peixes do mar, não teria mais segurança de preservação.
Caso a prefeitura e a câmara municipal de uma cidade litorânea se unam para aprovar a exploração de uma área como essa, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) poderá ficar sem instrumentos legais para evitar. A Pesquisa de Informações Básicas Municipais realizada em 2001 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que apenas 22,2% dos 5.560 municípios brasileiros contam com conselhos municipais de meio ambiente. "Muitos desses conselhos não funcionam, atendem às determinações do Executivo local", explica Antônio Celso Junqueira Borges, coordenador substituto do licenciamento ambiental do Ibama/DF.
Em Brasília a situação é ainda mais preocupante. Como grande parte do terreno da capital federal fica na Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, os empreendimentos necessitam de licenciamento ambiental para serem construídos. Com a medida, porém, a construção civil estaria livre. "Com a especulação urbana, a tendência natural das prefeituras é permitir a ocupação desordenada. Assim, a arrecadação de impostos aumentaria", explica a promotora de Defesa do Meio Ambiente do MPDF, Marta Eliana de Oliveira. "O projeto aprovado é uma verdadeira aberração", critica. Os distritais são responsáveis pela autorização de obras controversas do ponto de vista ambiental, como é o caso da Park Fair na Academia de Tênis de Brasília.
Notas contrárias
Os defensores do meio ambiente têm motivos para ficar animados. A perspectiva de organizações não-governamentais (ONGs) e de integrantes do próprio governo é que o artigo 64 seja vetado na sanção da lei. Tanto a Advocacia-Geral da União quanto o Ministério do Meio Ambiente se apressaram em fazer notas técnicas derrubando os argumentos do deputado federal Ricardo Izar (PTB-SP), responsável pela tentativa de impossibilitar a aplicação do Código Florestal em centros urbanos.
"Solicitamos o veto devido às implicações ecológicas, econômicas, jurídicas e sociais que teria para todo o país", argumenta o secretário de Biodiversidade e Florestas do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. "O Código Florestal não trata apenas da proteção de florestas e matas, mas também auxilia na manutenção da qualidade ambiental e de vida do brasileiro em meio urbano", completa Capobianco. A decisão presidencial tem de ser proferida até segunda-feira. Caso contrário, o projeto será validado.
Reação em cadeia
A primeira reação contrária ao artigo 64 partiu do Instituto Socioambiental (ISA), em seu site oficial. Foi feito abaixo-assinado virtual quem era contra o projeto de lei deveria clicar. Em sete dias, 2.165 internautas já tinham se manifestado contra a norma. O ISA foi o responsável pela elaboração de uma carta aberta destinada ao presidente Lula. Ao todo, 161 organizações ambientais pediram o veto do artigo 64.
André Lima, advogado da ONG, explica que se for sancionado como está o projeto causará o caos na política ambiental do país. "Leis estaduais e municipais de proteção do meio ambiente fazem referência ao Código Florestal, elas deixariam de fazer sentido de uma hora para outra", afirma o advogado. Depois do conhecimento público do projeto apresentado, os defensores do meio ambiente começaram a se manifestar um a um.
O Ibama também se pronunciou contra o texto. "Além da catástrofe natural, a medida irá gerar catástrofes urbanas como desmoronamentos e alagamentos. A legislação ambiental garante a qualidade de vida da população", diz Antônio Celso Junqueira Borges, coordenador substituto do licenciamento ambiental do Ibama/DF.
Na mesma direção das críticas foi a esfera governamental local. A aprovação do projeto desagradou ao secretário de Administração de Parques de Unidades de Conservação no DF, Ênio Dutra. Para ele, o projeto é equivocado. "Gostaríamos que o Código Florestal fosse respeitado. A lei pode ter problemas como qualquer outra, mas não pode ser ignorada. Será o caos", critica.

Risco de retrocesso
O Código Florestal (Lei 4.771/65) dispõe sobre a gestão ambiental em Áreas de Preservação Permanente. Juristas especialistas no assunto consideram o texto um dos principais instrumentos para impedir a ocupação desordenada de áreas verdes relevantes. Para os técnicos, restringir a aplicação da lei às áreas não urbanas seria um retrocesso.
- O Código proíbe construções e alterações ambientais:
a 30m de cursos d'água com menos de 10m de largura
a 50m de cursos d'água que tenham entre 10m e 50m de largura
a 100m de cursos d'água que tenham entre 50m e 200m de largura
a 200m de cursos d'água que tenham entre 200m e 600m largura
a 500m de cursos d'água que tenham largura superior a 600m
ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais e artificiais, num raio de 50m
em terrenos com mais de 25 graus de inclinação
em topos de morro, montes, montanhas e serras
- Com a lei aprovada pelo Congresso, o Código Florestal passaria a não ser aplicado em áreas urbanas. Os critérios de ocupação dessas regiões ficariam a cargo das prefeituras e governos locais.
Aprovação em tempo recorde
Os defensores do Código Florestal estranharam que a aprovação de uma emenda tão discutível tenha ocorrido rapidamente no Congresso Nacional. O trâmite na Câmara e no Senado é bem mais lento do que isso. O projeto de proteção da Mata Atlântica, por exemplo, chegou à Câmara em 1992 e só foi aprovado no ano passado.
O artigo 64 foi apresentado na noite do dia 7 de julho, imediatamente após a aprovação da lei do mercado imobiliário. "Inseriram um artigo que não versa sobre o mesmo tema da lei. Não houve profundidade alguma na rápida discussão. Definitivamente o projeto foi aprovado de maneira ilegítima", enfatiza Walmor Alves Moreira, procurador chefe da República em Santa Catarina. "Se for sancionado, vamos propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade", garante.
Surpresa
Os ambientalistas foram surpreendidos com a votação. Ao contrário do que sempre acontece, não havia um assessor parlamentar do Ministério do Meio Ambiente em plenário acompanhando a votação. Isto porque a sessão não tratava de Código Florestal - é um artigo inserido na lei 2.109/1999, que regulamenta o mercado imobiliário. A sanção seria de rotina, não fosse um dos últimos dispositivos do projeto.
A assessoria do deputado federal Ricardo Izar (PTB/SP) rebateu as críticas. "Bateu uma neura danada nas ONGs, totalmente sem fundamento", argumenta Waldemar Villas Boas, assessor especial do parlamentar e da Frente de Habitação. De acordo com ele, a lei vai desobstruir os canais de construção de moradias no país, especialmente para famílias mais pobres. "Cuidar de 30 metros de margem de cursos de água não é importante quando temos pessoas que precisam de postos de saúde", afirma. Dos R$ 213,9 mil doados para a campanha eleitoral de Izar em 2002, R$ 107,6 mil vieram de construtoras e imobiliárias.

CB, 30/07/2004, Cidades, p. 26

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