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Programa de atraso no saneamento

O Globo, O País, p. 3-4
01 de Abr de 2012

Programa de atraso no saneamento
Só 7% de 114 obras no PAC estão prontas e 60%, atrasadas, paralisadas ou não iniciadas

Alessandra Duarte
duarte@oglobo.com.br
Carolina Benevides
carolina.benevides@oglobo.com.br

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não tem feito jus ao nome quando o assunto é saneamento. Estudo inédito do Instituto Trata Brasil mostra que apenas 7%, ou oito das 114 obras voltadas às redes de coleta e sistemas de tratamento de esgotos em municípios com mais de 500 mil habitantes, estavam concluídas em dezembro de 2011. O levantamento aponta ainda que 60% estão paralisadas, atrasadas ou não foram iniciadas. Os dados foram fornecidos por Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal, Siafi (Sistema Integrado de Informação Financeira do governo federal) e BNDES. As 114 obras totalizam R$ 4,4 bilhões.
- O país avança devagar. Cinco anos é um prazo razoável, mas o PAC 1 foi lançado em 2007 e não temos 10% das obras concluídas em 2011. Houve deficiência grande na qualidade dos projetos enviados ao governo federal e muitos tiveram que ser refeitos. O problema teria sido menor se, antes de enviar os projetos, as prefeituras, companhias de saneamento e estados tivessem sido qualificados - diz Édison Carlos, presidente do Trata Brasil. - O estudo mostrou que 21% das obras podem estar concluídas até dezembro deste ano. Mas, para isso, nenhuma pode ter atrasos ou parar, e não tem sido assim com o PAC.
- A cadeia produtiva do saneamento estava desmobilizada até o PAC, e nessa cadeia entram os governos, empresas e também projetistas e consultores de obras; para você projetar grandes obras, precisa de uns dez anos de experiência, e não havia essa experiência, até porque não havia recursos do PAC para essas áreas. Então, quando chegaram os recursos, todos quiseram aproveitar. E mandaram os projetos que estavam na prateleira -- conta Walder Suriani, superintendente-executivo da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe).
No Norte, 100% das obras paralisadas
Por e-mail, o Ministério das Cidades reconhece que "os principais entraves estão na baixa qualificação dos projetos técnicos e na própria capacidade de gestão dos órgãos executores". Diz ainda que 14% das 114 obras já tiveram seus "contratos concluídos".
A maioria dessas obras do PAC passa pelas concessionárias e empresas estaduais: segundo a Aesbe, dos 5.565 municípios, cerca de quatro mil têm o saneamento gerido por essas empresas. E, na avaliação de Suriani, o ritmo de execução das obras só começa a se normalizar em pelo menos cinco anos.
Segundo o Trata Brasil, o Norte tem 100% das obras do PAC paralisadas, seguido por Centro-Oeste (70%) e Nordeste (34%). O Nordeste tem ainda o maior percentual de obras atrasadas: 49%. Quando somadas as paralisadas, atrasadas e não iniciadas, a pior situação é a do Centro-Oeste, com 90% das obras nessas categorias. Em seguida, aparece o Nordeste, com 88%. Já o Sudeste, região que mais avançou entre dezembro de 2010 e dezembro de 2011, tem apenas 13% das obras concluídas.
Para a manicure Patricia Vieira, o atraso é mais do que uma porção de números. Moradora do Centro de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, ela vive numa casa onde o banheiro não tem descarga e o esgoto vai in natura para o valão, que um dia foi um rio.
- Preferia o banheiro funcionando. Tem também o problema da chuva. Com 15 minutos, o valão transborda e invade as casas. Já perdi todos os móveis, e tenho que conviver com ratos, lacraias e mosquitos - conta Patricia, que cumpre um ritual toda vez que sai. - Coloco peso no vaso sanitário e nos ralos e deixo a chave com o vizinho, que corre aqui se chover.
A vida de Patricia podia ser melhor. O Centro de Caxias e os bairros Laguna e Dourados e Parque Lafaiete serão beneficiados pela obra "construção de sistema de coleta e transporte de esgotamento sanitário da Pavuna". Mas, em dezembro de 2011, a obra estava atrasada e, em 2010, não iniciada.
Presidente da Cedae, no Rio, Wagner Victer explica que "a licitação deve sair dia 3 de abril", que a obra é para "beneficiar a Baía de Guanabara", e que o governo do estado iniciou com recursos próprios obra similar, em fevereiro de 2011, o que fez com que o atraso "não trouxesse prejuízo":
- O Centro de Caxias, Parque Lafaiete e Dourados (Laguna e Dourado) serão alguns dos beneficiados pela obra. Mas a obra que o governo do estado já faz vai tratar mais esgoto que a do PAC, que, quando ficar pronta será, um plus à nossa. As obras do PAC têm mais burocracia. Do ponto de vista da segurança do administrador, isso é bom.
Há 15 anos morando no Laguna e Dourados, Élcio Viana ficou cheio de esperança quando os "homens do PAC chegaram há uns 2 anos":
- Eles reviraram o valão, tiraram umas famílias e deixaram entulho. Daí, abandonaram tudo.
O que Élcio não sabe é que o bairro em que vive conta com duas obras do PAC: a que ele viu começar e não ir adiante - Urbanização Vila Nova e Vila Real - e a que o Trata Brasil constatou que estava atrasada.
- Duas obras? A realidade é que o esgoto vai direto para o valão. Minhas filhas não podem brincar na rua e vivem com dor de barriga - conta Élcio.
O atraso no PAC ganha contornos piores quando confrontado com o Atlas de Saneamento 2011, do IBGE. Em 2008, 55,1% dos municípios tinham coleta de esgoto - avanço de 2,9% se comparado com 2000. O menor índice estava no Norte: 13,3%. Já o Sudeste tinha 95,1% .
- São dois países. Para mudar, não bastam dinheiro e obras. Precisa melhorar a gestão - diz Cassilda de Carvalho, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. - Se mantivermos o ritmo dos últimos três anos, vamos levar mais 50 para universalizar o saneamento.

'Se chove, o esgoto invade. Se não, o cheiro fica insuportável'
Moradores do Rio lutam para driblar a falta de saneamento

Desde que nasceu, há 45 anos, o instrutor de motorista de ônibus Celso Pereira vive em Nova Cidade, bairro de São Gonçalo, no Rio. Em frente à porta da sua casa, na Rua Plínio Leite, passa um valão e a única maneira de entrar em casa é andando por uma pequena ponte construída em frente a todas as moradias. Ao lado de Celso, mora sua mãe. Os dois, no entanto, tiveram que abandonar as casas térreas e construíram residências novas em cima da laje. Era isso ou continuar perdendo móveis e acordando com o esgoto invadindo a casa.
- Sempre foi assim. E só aos 12, 13 anos, eu vi que em outros bairros as pessoas viviam sem esgoto na porta. Fechamos as casas e fizemos outras porque vimos que não valia mais a pena mantê-las. Aqui, se chove, o esgoto invade. Mas se não chove, o cheiro fica insuportável.
Celso mora numa área que será beneficiada pela obra do PAC "Implantação de rede coletora e ligações domiciliares de esgoto nas bacias hidrográficas dos rios Mutondo e Coelho". Além de Nova Cidade, os bairros Luiz Caçador e Trindade terão melhorias. No entanto, a obra estava paralisada em dezembro de 2011, depois de ter começado sem medição em 2010. Segundo Wagner Victer, presidente da Cedae, "a obra será retomada em 90 dias". A Cedae cuida ainda da obra de melhoria da Estação de Tratamento (ETE) de São Gonçalo, que também é do PAC e está atrasada, segundo o relatório do Trata Brasil.
- A ETE estará pronta até dezembro de 2012 - diz Victer.
No bairro Luiz Caçador, Simeia Martins enfrenta problemas parecidos com os de Celso. Seu sogro teve que suspender a casa, depois que a mistura de água e esgoto chegou à cintura num dia de chuva. Do outro lado da Rua Bento Felipe, o músico Wendel Castilho está reformando a casa e construindo um muro para separá-la do valão, que um dia foi conhecido como Rio Mutondo:
- Meu filho de 4 anos não pode brincar no quintal, a gente não pode deixar a casa aberta e temos quatro gatos para evitar que os ratos invadam a casa.
O PAC 1, segundo o Ministério das Cidades, recebeu 1.547 propostas de municípios, estados e companhias de saneamento. Por e-mail, o ministério diz que "no fim de 2011, os empreendimentos do PAC 1 que estavam paralisados somavam investimentos de R$ 4 bilhões, em cerca de 370 contratos, sendo que, desses, mais de 170 estavam paralisados há mais de 12 meses".
Mãe de Wendel, Marlene, de 62 anos, mora há 34 em Luiz Caçador. Em maio de 2009, viu o valão transbordar e a casa ser tomada por "um metro de água e esgoto":
- No valão tem cobra, lagarto e até jacaré, e a gente fica com medo. Mas, mesmo estando aqui há muito tempo, ainda tenho esperança de ver o rio limpo. A gente quer que nosso bairro melhore, não é?

Saneamento usou menos de 4% dos recursos previstos no PAC 1
TCU encontrou irregularidades como obras com projetos defasados em 10 anos

Alessandra Duarte
duarte@oglobo.com.br
Carolina Benevides
carolina.benevides@oglobo.com.br

Quando são analisados os valores em reais investidos em saneamento dentro do PAC, a situação piora: as ações de saneamento usaram apenas 3,75% dos recursos previstos para a área no PAC 1. Segundo levantamento da ONG Contas Abertas, com dados do Comitê Gestor do PAC, o governo previa investir R$ 40 bilhões na área, dentro do PAC, de 2007 a 2010. Ao final do período, porém, as ações concluídas equivaliam a R$ 1,5 bilhão; ou seja, não foram concluídas ações que equivaliam a um montante previsto de R$ 38,5 bilhões.
- No PAC, o saneamento é absolutamente inexpressivo. Lula disse que ia "tirar o povo da merda". O governo ainda não tirou - diz Gil Castello Branco, da Contas Abertas. - Tem de haver coordenação federal e estadual.
Mas Walder Suriani, da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais, alerta: "Não há, hoje, políticas estaduais de saneamento".
- Não está havendo indução suficiente do governo federal e dos governos estaduais. Poderiam ser reduzidos prazos de análise para liberação de recursos. E, em vez de pedirem comprovações mensais de execução, poderiam ser trimestrais, como organismos como o BID fazem - diz Suriani. Ele, porém, justifica: - Obras de saneamento não são para ocorrerem em quatro anos (tempo do PAC 1).
Se nas cidades maiores há atrasos e paralisações, naqueles municípios com menos de 500 mil habitantes, mesmo sendo capitais, os problemas se agravam. Relatórios de auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram irregularidades como uma obra que começou em São Luís com um projeto de dez anos atrás.
- Em vez de atualizarem o projeto inicial e fazerem novas medições, continuaram com o projeto antigo - destaca o secretário de Fiscalização de Obras do TCU, Eduardo Nery.
Os contratos somavam R$ 83 milhões. Mas foram necessárias tantas mudanças no projeto, como a do local das estações elevatórias e a do traçado das redes, que o custo da obra subiu para R$ 171 milhões, e sua execução foi atrasada.
Em Porto Velho, numa obra de cerca de R$ 600 milhões, o tribunal constatou indício de sobrepreço de R$ 120 milhões e o fato de que a obra começaria tendo apenas um projeto inicial, incompleto - que, depois da licitação, precisou ter alterados os locais de todas as estações. Acórdãos do TCU determinaram anulação de concorrências. Um novo edital para o projeto básico teve de ser lançado no fim do ano passado. A obra ainda não começou.
Em Goiás, auditorias do TCU encontraram obras licitadas sem previsão orçamentária nos contratos, ou com previsão insuficiente ou "ilimitada"; alterações de contratos sem que houvesse termo aditivo; contratos que expiraram sem que a obra fosse concluída, e que não tiveram renovação; aproveitamento de contratos preexistentes; e "pagamentos de serviços não recebidos ou feito a empresas não vinculadas à obra".
- Os investimentos públicos e privados em saneamento no Brasil, em 2010, foram em torno de R$ 7,5 bilhões. Mas precisaríamos de R$ 17 bilhões por ano. Isso para se universalizar o serviço em 20 anos - completa Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base.
- O problema do saneamento também afeta a água - diz Sérgio Ayrimoraes, da Agência Nacional de Águas. - Metade das cidades precisa de investimentos para que não haja falta de água.

Em Fortaleza, obras paralisadas tiram
a esperança de uma vida melhor
Companhia de água e esgoto reconhece problema, mas não dá prazos

Adriano Muniz*
opais@oglobo.com.br

FORTALEZA (CE). A grandiosidade da obra do estádio cearense que vai sediar jogos das Copas das Confederações e do Mundo se confunde com a sujeira e a lama de grande parte das ruas. O Castelão é um dos bairros de Fortaleza que devem ser contemplados com obras de saneamento feitas com recursos do PAC. Cinco anos depois do anúncio do investimento, pouco mudou.
Pelo levantamento do Trata Brasil, em dezembro de 2011, as dez obras do PAC em Fortaleza analisadas pelo instituto estavam na seguinte situação: cinco paralisadas, quatro atrasadas e uma em situação normal.
Presidente de uma das associações de moradores do Castelão, Alberto Barros conta que a obra de saneamento de algumas ruas começou em 2011, mas depois de três meses parou. Ele acredita que pelo menos 60% das vias não foram saneadas.
- Se tivessem feito ao menos os buracos... Mas só marcaram o asfalto. O pior é que a água suja escorre para dentro do Rio Cocó, que corta vários bairros.
Barros lembra que faz 30 anos que o esgotamento foi prometido pela primeira vez.
- Até tive esperança de que fosse feito em 2011. Mas estou vendo que vou morrer e não vai ficar pronto - diz ele, que que "vive há mais de 50 anos afundando o pé na lama".
A falta de esperança de que o saneamento fique pronto também abala quem mora no lugar há "apenas" 11 anos. O estudante Mateus Souza diz que nunca se acostumou com o mau cheiro:
- Meu sonho é morar com a família da minha mãe lá em Maranguape (Região Metropolitana). Lá não tem essa imundície.
Responsável pela execução dos recursos de saneamento do PAC, a Companhia de Água e Esgoto (Cagece) admite que seis projetos estão paralisados ou ainda vão começar em Fortaleza. Alguns aguardam readequação ou liberação de recursos. Ao todo, 27 bairros serão beneficiados, mas a obra perto do estádio não tem prazo para começar.
A Cagece informou ainda que outras obras de saneamento com recursos do PAC estão em andamento e na fase de construção de estações de tratamento.

Em PE, obra avançou apenas 1%
Falta de mapeamento de tubulações e fiações é um dos problemas enfrentados

Letícia Lins
leticia.lins@oglobo.com.br

RECIFE. Em Pernambuco - com uma capital em que só 30% da população têm acesso a esgotamento sanitário -, as duas obras citadas pelo Trata Brasil estão em atraso. Tida como não iniciada na pesquisa, a ampliação do sistema Proest 1 teve início em janeiro, mas até agora a obra avançou 1% do previsto. Pelo cronograma inicial, ela deveria ter começado em 2009 e ficado pronta este ano. A previsão é que só se conclua em 2014 ou 2015.
Entre os problemas apontados por funcionários das empreiteiras responsáveis pelo serviço estão escassez de mão de obra especializada e falta de mapeamento de fiações e tubulações subterrâneas, algumas pertencentes à própria Compesa (Companhia de Saneamento de Pernambuco).
Segundo a Compesa, o projeto foi concluído há uma década e teve longa tramitação na burocracia do governo federal até receber verba do PAC. Em sua concepção, o traçado dos bairros era diferente e muitas mudanças tiveram de ser incluídas no desenho inicial.
- A gente acha fibra ótica, tubulação de água, de gás. É muito confuso aí embaixo - reclama o topógrafo Cristiano Badu de Oliveira.
Além disso, o lençol freático tem nível alto, o que vem exigindo constantes escoramentos nas valas abertas para a colocação dos tubos. Segundo a Compesa, problemas como esses atrasam o andamento da obra. Pela previsão da empresa, a obra será entregue em julho de 2014 - caso não se registre inverno rigoroso.
Já o Proest 2, iniciado em 2008, exigiu investimentos superiores a R$ 53 milhões. Segundo a Compesa, 72% das obras já estão executadas. O cronograma inicial, porém, previa a entrega em 2010; e ela só deverá ocorrer em 2015.

O Globo, 01/04/2012, O País, p. 3-4

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