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A professora tem medo: 'se mataram uma freira...'

OESP, Nacional, p. A6
24 de Fev de 2005

A professora tem medo: 'Se mataram uma freira...'
Na lista dos ameaçados, Maria do Espírito Santo lidera luta pela exploração sustentada de reserva de castanhais no Pará

Depois da morte da irmã Dorothy Stang, a quem ajudou, por uns dias, em um protesto que fechou um trecho devastado da Transamazônica, em Anapu, a professora Maria do Espírito Santo da Silva deu de chorar. "Se mataram uma freira, que era americana, que dirá eu", diz, sem esconder as lágrimas e o medo. Com 47 anos, cinco filhos do primeiro casamento, cinco netos, Maria é, no segundo mandato, a presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta-Piranheira (Apaep), uma das últimas reservas de castanhais no sudeste do Pará. Com Zé Cláudio, seu segundo marido há 17 anos, lidera luta pela preservação e exploração sustentada da área. Está na lista dos 35 marcados para morrer feita pela Comissão Pastoral da Terra de Marabá.
Há duas semanas, com advogado, ela registrou na polícia de Marabá, a 50 quilômetros de Nova Ipixuna, a última ameaça que recebeu: um ex-presidiário instalou-se perto de onde ela mora e passou a circular, ostensivamente, com espingarda calibre 16. Encostando a arma em uma árvore entrou na escola da Associação, onde Maria dá aulas. Dava, diz, porque o medo afastou os alunos.

A professora e seu companheiro recebem avisos freqüentes de que pretendem matá-los. De dezembro para cá, uma mesma voz anônima alertou-os, pelo telefone, duas vezes, para tomarem cuidado em determinados locais da estrada de terra que leva ao castanhal, e com lugar em que tomam banho, junto a um açaizal.

A Apaep incomoda, desde que nasceu, os madeireiros clandestinos que continuam a derrubar castanheiras e outras árvores da reserva. Ultimamente, a pressão foi agravada pelos produtores do carvão que as siderúrgicas de Marabá não param de comprar. Maria diz que já há 10 fornos de barro operando e muita gente querendo entrar no negócio. "O projeto está se acabando, nas barbas do governo Lula e da ministra Marina Silva", reclama, petista engajada, militante e fã do presidente da República que continua a ser.

Na campanha para a prefeitura, em que foi reeleito José Pereira de Almeida, o Zezão, do PT, que apóia a Apaep, e vice-versa, o futuro dos castanhais foi tema freqüente do candidato que perdeu, Edison Alvarenga, do PTB. Segundo a professora, Alvarenga disse, em palanques da área rural do município, que, para ela, era melhor que Zezão ganhasse, senão seus dias estavam contados. Alvarenga explicou, depois de questionado, que falara figurativamente, querendo referir-se ao desejado fechamento da Apaep. Alvarenga não tem o telefone na lista. O Estado tentou encontrá-lo através do diretório estadual do PTB, que também não tinha informação.

Paraense de São João do Araguaia, filha de pais lavradores, Maria criou-se em Marabá, casou-se com 16 anos e lá concluiu o Magistério, com cursos posteriores de qualificação na Universidade Federal do Pará. Mudou-se para Nova Ipixuna em 1990. Engajou-se na militância social quando a Apaep foi criada, em 1997, tendo Zé Cláudio como presidente.

Seu primeiro encontro com a irmã Dorothy foi em outubro de 2003, quando participou do protesto na Transamazônica. Um jornal da região de Anapu publicou, então, que militantes de outros municípios eram "capangas" da irmã. Em janeiro de 2004, quando se viram pela última vez, em reunião em Marabá, Dorothy mostrou-lhe o jornal e brincou: "Que prazer reencontrar minha capanga de Nova Ipixuna." Maria respondeu que o prazer era dela. De novo às lágrimas, a professora diz que a morte da irmã a desestruturou. "O medo é grande, mas mesmo assim eu não vou me calar", diz.

OESP, 24/02/2005, Nacional, p. A6

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