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Presidente da Funai diz faltar folego e verba para fundacao

FSP, Brasil, p. A20
Autor: GOMES, Mércio Pereira
06 de Mar de 2005

Falta de terra, expansão da soja e lentidão do Judiciário contribuem para mortes, diz Gomes
Presidente da Funai diz faltar fôlego e verba para fundação

Eduardo Scolese
Rubens Valente

Em meio à série de mortes de crianças indígenas por causa da desnutrição, o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mércio Pereira Gomes, 54, diz que a autarquia não tem "fôlego" nem orçamento suficiente para atender à atual demanda do setor no país.
Em entrevista à Folha, Gomes (licenciado do PPS-RJ) atribuiu as recentes mortes em Dourados (MS) em parte à falta de terra para os índios da região. Segundo ele, a expansão da soja em Mato Grosso do Sul e os processos "empacados" pelo Judiciário contribuem para o quadro.
Folha - Como explicar a morte de crianças indígenas?
Mércio Pereira Gomes - É preciso ver fatos importantes que têm acontecido nos últimos 50 anos, como o crescimento das populações indígenas. Em todo o mundo, muitos achavam que os índios acabariam. [Mas, no Brasil] houve um crescimento muito importante [de 120 mil, em 1520, para 430 mil, hoje, segundo a Funai], a mortalidade infantil foi diminuindo, e as grandes doenças, acabando.
Folha - O governo é incapaz de controlar esse nível de mortalidade?
Pereira Gomes - Está baixando.
Folha - Mas por que crianças têm morrido nas aldeias de MS?
Pereira Gomes - Entenda o contexto. Não queira me pegar na perna, não. Entenda o contexto. Os índios estão crescendo nessas regiões. As terras em que eles crescem são pequenas terras (...) As terras [em MS] são pequenas, porque se pensava que os índios iam acabar. E eles vêm crescendo e exigindo possibilidades de terra, para plantar e ter uma vida estabilizada (...) Foi crescendo uma densidade demográfica muito grande. Se você pensar em 12 mil índios em 3.500 hectares, isso é....Outro dia eu vi uma estatística dizendo que, se fosse um acampamento do MST, só caberiam mil pessoas.
Folha - As crianças morrem de fome pela falta de terra? É isso?
Pereira Gomes - As crianças... rapazes [repórteres], vocês são danados, né? As crianças até agora... Vocês sabem quantas crianças morreram de fome, de desnutrição?
Folha - Num período curto, pelo menos seis, sete?
Pereira Gomes - Que vinham com problema de desnutrição.
Folha - E a causa disso?
Pereira Gomes - Eu tenho impressão que é a falta de terras, de plantio. Algumas daquelas áreas deles estão com soja, alguns índios arrendaram terra naquela área com soja. Temos de retirar a soja e dar condição ao plantio.
Folha - Se há ciência disso, o que pode ser feito agora e por que não foi feito antes?Pereira Gomes - Rapaz, vem sendo feito. Por que vocês estão achando que problema de índio se resolve assim? Um problema que tem 500 anos. Um problema de crescimento demográfico. Um problema de relacionamento com fazendeiros, com tensões. Tem sido trabalhado há anos e anos (...) Antes de surgir a crise, estávamos para construir o Programa Guarani, um programa para ser instalado em Dourados. Mas não é só para Dourados. É para ver todas essas questões: terra, educação, nutrição, agricultura. E em relação a plantio de coisas permanentes, como erva-mate, de plantas nativas, de proteção de meio-ambiente, de proteção de rios que atravessam essas pequenas terras. Porque você está cercado ali de soja de tudo quanto é lado. Então todas as áreas estão poluídas de soja, de defensivos agrícolas etc.
Folha - A presença da soja, então, atrapalha?
Pereira Gomes - Atrapalha.
Folha - Mas o governo não incentiva isso, a expansão da soja, o agronegócio?Pereira Gomes - Antes de incentivar, já existe isso. É um processo do agrobusiness brasileiro. Não somos contra isso. Mas temos de encontrar um modo de seguir a legislação, de proteger as nascentes dos rios, dentro e fora das áreas indígenas.
Folha - Enquanto não se aumentam as terras indígenas, que é um processo longo de obtenção, nada pode ser feito?
Pereira Gomes - Pode e está sendo. Há um equipe lá.
Folha - Essa equipe foi enviada agora?
Pereira Gomes - Uns 15 dias atrás.
Folha - Ou seja, uma ação a reboque dos acontecimentos.Pereira Gomes - Bem, ninguém sabia que ia estourar uma série de casos de desnutrição nesse nível.
Folha - A saúde não é acompanhada?Pereira Gomes - É acompanhada. Mas os problemas que surgem com crianças e em circunstâncias indígenas são às vezes inesperados. Como você acha que a gente vai ter controle de tudo?
Folha - Em dois anos, o governo Lula demarcou apenas uma área em MS. E isso é prioridade?Pereira Gomes - Temos 11 áreas no Judiciário que estão em processo de demarcação. O juiz recebe um pedido do fazendeiro, concede uma liminar e aí prende o processo de demarcação.
Folha - O Judiciário, então, atravanca esses processos?Pereira Gomes - O Judiciário impede que a demarcação vá adiante, porque os fazendeiros dizem que querem uma garantia maior do que a compensação pelas benfeitorias que a Funai avalia
Folha - É difícil compreender quando o sr. diz que os índios guaranis são prioridade, diante de um Programa Guarani há dois anos sem execução e quando apenas uma área é demarcada.
Pereira Gomes - Meu caro, você não entende que tem o Judiciário? Você entende, né? O Judiciário empaca. O que a gente pode fazer?
Folha - O Judiciário então tem culpa na morte das crianças e na falta de terras?Pereira Gomes - Não tem culpa de nada, rapaz. Quem tem culpa é você, brasileiro. Somos nós que colonizamos aquela terra (...) Então não venha culpar a ninguém, em particular (...) A Funai não tem o fôlego atual para abranger toda a questão indígena, daí a saúde estar com a Funasa [Fundação Nacional de Saúde], e os projetos de ajuda alimentar nessas áreas cruciais com o Ministério do Desenvolvimento Social.
Folha - Por que a Funai tem perdido esse fôlego?
Pereira Gomes - Neste governo, a Funai cresceu de fôlego. Dois anos atrás, vocês não entrariam aqui [sede da autarquia] se não fosse por um corredor polonês (...). Os recursos da Funai não alcançam todas as necessidades dos índios. Em algumas regiões, [a verba] é mais do que suficiente. Em outras, não é.
Folha - E qual seria um orçamento necessário?
Pereira Gomes - Eu acho que um orçamento de R$ 160 milhões. E hoje [para 2005] temos R$ 117 milhões.

FSP, 06/03/2005, p. A20

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