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Prejuízo certo

O Globo, Opinião, p. 6
16 de Jun de 2004

Prejuízo certo

Duas questões distintas mas ambas profundamente polêmicas foram, lamentavelmente, incluídas num mesmo projeto de lei, o de biossegurança. É o cultivo de lavouras transgênicas e o uso de células-tronco embrionárias em pesquisa científica. Não é de admirar que o projeto esteja enfrentando tanta dificuldade: depois de ter sido desfigurado na Câmara por pressão de grupos religiosos, seguiu para o Senado, onde está praticamente decidido que será retomado o texto original; mas a tramitação continua emperrada.
É certo que o problema não está apenas em que a legislação trata de temas controvertidos. Crises políticas sucessivas, um grande número de medidas provisórias e a disputa pela votação da emenda da reeleição para os presidentes das duas casas contribuíram para tumultuar de vez toda a pauta do Congresso. O resultado é que, ao que tudo indica, a Lei de Biossegurança não será apreciada antes do recesso de julho - e nesse caso, as eleições municipais tornarão muito difícil que ela seja votada ainda este ano.
À primeira vista, os efeitos negativos podem não parecer graves: a liberação da safra de soja transgênica, como no ano passado, pode sair mais uma vez à base de uma medida provisória; e não há por que não prosseguir com as pesquisas com células-tronco enquanto se espera pela lei.
Mas não se pode querer que haja investimentos de vulto em sementes transgênicas num setor que ano após ano fica dependente de medidas provisórias, o que obriga agricultores a recorrerem a variedades contrabandeadas da Argentina. E no caso das células-tronco, a investigação científica fica paralisada se os cientistas, em lugar de um respaldo legal seguro, contam por ora apenas com uma vaga promessa de liberação da pesquisa.
Nos dois casos, é o país que sai perdendo. O que tornaria altamente meritório um esforço concentrado para apressar a votação, se necessário adiando o recesso por uma semana, como já foi proposto. A polêmica global sobre os dois temas não tem impedido que as pesquisas médicas e a agricultura à base de transgênicos avancem em ritmo rápido em todo o mundo. O Brasil não pode ficar para trás.

O Globo, 16/06/2004, Opinião, p. 6

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