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Prefeitos evitam cobrança de taxa ambiental por motivações políticas

OESP, Vida, p. A24
09 de Mar de 2008

Prefeitos evitam cobrança de taxa ambiental por motivações políticas
Para evitar desgaste com empresários, gestores municipais preferem deixar responsabilidade nas mãos do Estado

Adriana Fernandes e Luciana Nunes Leal

A perspectiva de grandes obras impulsionadas pela expansão da economia e pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal está levando alguns Estados a se movimentar para dar agilidade à cobrança de taxas ambientais e à aplicação dos recursos. Um dos caminhos para isso é transferir aos municípios a responsabilidade pelo licenciamento de projetos que causam impacto no meio ambiente, ao menos os de menor porte.

A tarefa, no entanto, não é simples. Há mais de três anos o governo do Espírito Santo lançou um programa para municipalização do licenciamento, o que permitirá aos municípios receber a taxa de compensação ambiental, de no mínimo 0,5% do valor dos empreendimentos. Dos 78 municípios capixabas, só 6 (7,7% do total) assumiram a tarefa. Até o fim deste ano, somente mais 8 deverão aderir.

Para as prefeituras que alegaram falta de estrutura, equipamento e pessoal, o governo ofereceu computador e curso de capacitação. Mas isso não foi suficiente em muitos casos, e a resistência em assumir o licenciamento revelou uma preocupação mais política do que administrativa. "Muitos acham que é um desgaste político assumir a licença ambiental. E muitas vezes os prefeitos têm razão mesmo, o empreendedor faz pressão, reclama, depois não ajuda na campanha", explica a secretária estadual de Meio Ambiente, Maria da Glória Brito Abaurre.

Resultado: "O governo do Estado acaba licenciando desde um novo porto até um lava-jato ou uma oficina mecânica. Muitas vezes tenho que mandar um funcionário graduado a uma cidade distante para autorizar um posto de gasolina", conta.

Um dos municípios que ainda não assumiram o licenciamento ambiental, embora tenha recebido os incentivos estaduais, é São Mateus. O secretário de Meio Ambiente do município, Antenor Malverdi Filho, diz que há estudos para assumir em breve a responsabilidade. "A gente não tinha corpo técnico nem conhecimento. Se apenas seis municípios assumiram até agora, é porque não é fácil", diz. Antenor reconhece o peso da questão política na decisão de a prefeitura assumir as licenças, a cobrança de taxas e a fiscalização dos empreendimentos. "Infelizmente, tem a questão política. Aqui, estamos muito próximos do empreendedor, tem que ter paciência e jogo de cintura. Ele pressiona o prefeito, que cobra do secretário. Com a municipalização, fica mais fácil o secretário de Meio Ambiente perder o cargo."

No Rio, o governo estadual fechou convênio com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), no valor de R$ 1 milhão, para reestruturar o Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) e para criar um fundo específico de compensação ambiental, que receberá os recursos da cobrança.

"A simples regulamentação traz uma enorme segurança jurídica, já que a compensação tem impacto no custo do investimento. Ao se explicitar valor e uso, há uma sinalização favorável ao investidor", diz o secretário de Fazenda do Rio, Joaquim Levy.

Levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) aponta que, até 2010, o Estado terá R$ 107 bilhões em investimentos. Como grande parte refere-se a obras de infra-estrutura, indústria de transformação e turismo, no mínimo R$ 500 milhões em compensação financeira vão reforçar o novo fundo. No Estado, dos 92 municípios, 21 (23%) assumiram o licenciamento.

FRAGILIDADE

Segundo o coordenador da unidade de Instrumentos Econômicos do Funbio, Manoel Serrão, os recursos cobrados com base na Lei 9.985 chegam "pingados". Para piorar, o que entra no caixa não é destinado exclusivamente à demarcação e à preservação de unidades de conservação.

O superintendente de conservação da organização não-governamental WWF, Cláudio Maretti, reforça as críticas. Para ele, a taxa de compensação ambiental deve ser cobrada exclusivamente em dinheiro e os recursos não podem ser usados para outros fins, como pagamento de salários e manutenção dos órgãos ambientais.

"Para o desenvolvimento sustentável do País, a unidade de conservação tem que ser tratada como se fosse uma escola, um hospital", diz Moretti.

A situação ideal - recursos destinados exclusivamente à preservação - esbarra na realidade financeira de Estados e municípios. Em Goiás, 30% da receita do fundo ambiental é usada na manutenção da Secretaria de Meio Ambiente. Em Belo Horizonte, os recursos servem à implementação de projetos, mas também ao pagamento de salários e outras despesas. "É um defeito que o nosso fundo tem. Seria melhor que tivesse autonomia, mas depende de tramitação na Câmara Municipal e não é simples", diz a titular da Secretaria Adjunta de Meio Ambiente, Flávia Moura Parreira do Amaral.

TROCAS

O pagamento da taxa de compensação ambiental por meio de bens e serviços, em vez de dinheiro, é prática comum nos municípios. Em Goiânia, o presidente da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma), Clarismino Luiz Pereira Júnior, também presidente da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma), conta que a agência já recebeu veículos e equipamentos como pagamento pela licença para empreendimentos de grande impacto ambiental. "Tenho vans de educação ambiental, o ônibus Ecomóvel, tratores para plantio de mudas. São opções para receber a compensação."

Sem contar os bens e serviços, Goiânia arrecada entre R$ 250 mil e R$ 300 mil mensais para o fundo ambiental. "Cada centavo recolhido para o fundo é rigorosamente aplicado em questões ambientais", diz Clarismino.

Compensação gera disputas com empresas
Entidade reclama da falta de regulamentação e quer transformar valor mínimo em teto

A compensação ambiental, prevista na Lei 9.985, de 2000, é uma das principais quedas-de-braço entre governo e iniciativa privada. A Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) reclama da falta de regulamentação e cobra agilidade e pragmatismo na definição de quatro pontos: fixar um valor máximo (a cobrança mínima é de 0,5% do valor da obra); criar uma metodologia para o cálculo; esclarecer o que é "significativo impacto ambiental" e definir a base de cálculo. A associação, representante de empresas que só em 2007 investiram R$ 70 bilhões em grandes empreendimentos, quer que o mínimo fixado na lei vire o teto da cobrança.

O presidente da Abdib, Paulo Godoy, também reclama do desvio do uso dos recursos da compensação para despesas que não estão ligadas às unidades de conservação. "A compensação ambiental foi criada para que um empreendimento compense financeiramente os impactos ambientais que não são mitigáveis. Esses valores devem ser destinados para a manutenção das unidades de conservação ambiental existentes no Brasil", diz Godoy.

A associação argumenta que seria contraproducente fixar um teto alto de cobrança, pois implicaria em arrecadação maior do que a necessária e implicaria em risco de inviabilizar investimentos. Hoje, os porcentuais da compensação ambiental são fixados muitas vezes em negociações do poder público com as empresas, levando em conta a amplitude do dano causado ao meio ambiente.

NEGOCIAÇÃO

O presidente do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), Elias Araújo, concorda que é preciso tornar a lei mais clara e que a "operação é complicada porque depende de negociação caso a caso com a empresa". No entanto, defende que o limite mínimo seja mantido em 0,5%. "O empresariado não percebeu ainda que ter o diferencial da atenção com o meio ambiente gera competitividade no mercado. É preciso quebrar barreiras e investir nessa área", diz.

Outra compensação que tem causado brigas entre empresas e o poder público é aquela cobrada das empresas mineradoras. Municípios que têm minas de ferro, manganês, ouro e prata, localizados principalmente no Pará e em Minas, cobram na Justiça mais de R$ 2,5 bilhões da mineradora Vale. As prefeituras reclamam que, no pagamento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), a companhia não contabilizou a movimentação de carga dentro da mina.

A empresa considerou como frete, sobre o qual não é cobrada a taxa. "É custo de produção, não é frete", reage o prefeito de Parauapebas (PA), Darci Lermen, vice-presidente da Associação dos Municípios Mineradores do Brasil. A prefeitura cobra R$ 650 milhões da Vale. A empresa, por meio da assessoria de imprensa, diz que fez os pagamentos "de acordo com as exigências da legislação em vigor".

A Vale recorre na Justiça contra a inclusão da empresa na Dívida Ativa da União, já que o pagamento de R$ 428 milhões à prefeitura de Parauapebas foi determinado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DPMN). Segundo a Vale, a disputa judicial é decorrente "de divergências na interpretação da legislação".

OESP, 09/03/2008, Vida, p. A24

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