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Prédios e obras públicas levaram ao corte de 14 árvores por dia desde 1997

OESP, Metrópole, p. C1; C3
09 de Set de 2012

Prédios e obras públicas levaram ao corte de 14 árvores por dia desde 1997
Total equivale a 5 Ibirapueras; pesquisa apresentada na USP mostra que compensação oficial é insuficiente para repor vegetação perdida

Diego Zanchetta
Rodrigo Burgarelli

A cidade de São Paulo perdeu, com autorização oficial, 14 árvores por dia nos últimos 14 anos. Foram 72.514 exemplares cortados de lotes e áreas verdes com aval da Prefeitura. A vegetação retirada deu espaço a prédios, shoppings, ruas, estações de metrô e outras construções. O número corresponde a quase cinco Parques do Ibirapuera - a área verde na zona sul tem aproximadamente 15 mil árvores.
Os dados foram compilados pela arquiteta e urbanista Luciana Schwandner Ferreira, que os apresentou em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Luciana já trabalhou no departamento da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente responsável pelas compensações ambientais exigidas para corte de árvore. A pesquisadora fez o levantamento com base nos despachos publicados no Diário Oficial da Cidade entre 1997 e 2011.
Segundo a Prefeitura, uma autorização só é dada após a exigência de replantio de um número maior de árvores do que as que foram retiradas. A pesquisa mostrou, porém, que o mecanismo de compensação não funciona de forma eficiente e tampouco aumenta ou mesmo mantém a cobertura vegetal dos locais onde os cortes foram autorizados.
O número é alto, mas ainda é pequeno se comparado ao total de verde perdido pela cidade nesse mesmo período: desmatamentos ilegais não estão computados. "Existem outros cortes que não exigem compensação ambiental e, claro, os cortes irregulares, que não estão computados", diz a pesquisadora.
Na maioria das vezes, os cortes autorizados dizem respeito a prédios e empreendimentos em áreas nobres ou obras do poder público, que respeitam a legislação ambiental por causa da fiscalização. Na periferia, onde há pouca vigilância dos fiscais, a maioria dos cortes de árvore é feita sem registro da Prefeitura.
Devastação. Dados do Atlas Ambiental, estudo feito pela própria Prefeitura, apontou o corte de 53 quilômetros quadrados de área verde entre 1999 e 2000 - equivalentes a 35 Parques do Ibirapuera. A maior parte ocorreu nas bordas da cidade. "É pouco comum, nos bairros afastados, as pessoas pedirem autorização para retirar uma árvore que está atrapalhando a passagem dos pedestres ou que está velha, por exemplo", diz a pesquisadora.
Não entram na conta do desmatamento oficial ocupações e favelas que avançaram sobre a Serra da Cantareira, na zona norte, e na região de Parelheiros, no extremo sul. "Isso mostra que a cidade pode ter perdido muito mais área verde do que aponta a pesquisa", afirma Luciana.
Entre as espécies que foram cortadas com autorização estão remanescentes de Mata Atlântica. São árvores como jequitibá, passuaré, sibipiruna, seafórtia, pau-brasil e tipuana.
Bairros bem arborizados e onde surgiram nos últimos anos dezenas de prédios no lugar das casas aparecem no topo da lista dos mais desmatados, como Santo Amaro, na zona sul, e o Butantã, na zona oeste.

Área nobre da zona sul é líder em devastação
Um dos últimos redutos de Mata Atlântica, Vila Andrade perdeu 13 mil árvores

Localizado em um dos poucos bolsões de Mata Atlântica que restaram na mancha urbana de São Paulo, o distrito de Vila Andrade, na zona sul, foi o mais afetado pelos cortes autorizados de árvores nos últimos 14 anos. O bairro perdeu 13.454 árvores entre 1997 e 2011. O número corresponde a 18,5% de tudo o que a cidade perdeu no período.
A Vila Andrade lidera o ranking por dois motivos. Primeiramente, ainda tem farta cobertura vegetal - hoje, mais de 50% do distrito é coberto por verde. Além disso, impulsionado pelos empreendimentos no Panamby, é um local muito visado pelo mercado imobiliário.
"Construtoras em bairros nobres tendem a respeitar a legislação ambiental e, por isso, registram todos os cortes", afirma Luciana Schwandner Ferreira, autora da dissertação de mestrado apresentada à USP. Esses mesmos motivos fazem com que os distritos de Santo Amaro, Campo Grande, Butantã, Vila Sônia e Morumbi sejam os próximos na lista - cada um perdeu entre 2 mil e 3 mil árvores.
A única exceção é Cangaíba, na zona leste, que ocupa o segundo lugar no ranking. A explicação são as obras de ampliação da Marginal do Tietê, em 2009.
Irreparável. O mestrado de Luciana mostra que, apesar de as compensações ambientais superarem o número de árvores cortadas na Vila Andrade, brechas nas regras e falta de fiscalização fizeram com que o bairro perdesse área verde nas últimas décadas.
Apenas nos anos de 1999 a 2009, a Prefeitura exigiu 70,4 mil mudas de compensação - número bem maior que as 13,4 mil árvores cortadas no bairro em 14 anos. No entanto, só 5.343 delas foram plantadas no distrito.
Há também o corte ilegal de árvores em locais com pouca fiscalização, como em Paraisópolis, que faz parte do distrito. Análise de fotografias áereas do distrito mostra que Vila Andrade perdeu 410 mil m² de vegetação entre 1999 e 2009, o equivalente a quatro Parques da Aclimação ou a 4% da área do bairro.

'Se estiver tudo correto, nós temos de autorizar'
Engenheiro agrônomo da Divisão de Avaliação e Proteção Ambiental da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, Sérgio Arimori diz que só são autorizados cortes previstos em lei. "Na maioria das vezes, não temos o que fazer. Podemos ir ao local e, antes de aprovar o empreendimento, tentar fazer mudanças que preservem o máximo de árvores que existem. Mas, se estiver tudo correto, com porcentual certo de área verde respeitado, nós temos de autorizar."
Segundo ele, o grande número de autorizações na Vila Andrade se explica pelas áreas livres do distrito. E a exigência mínima é que se plante no mesmo bairro pelo menos o mesmo no de árvores cortadas. "Preferencialmente, o plantio deve ser no bairro, mas na maioria das vezes não há espaço. Então, pode haver entrega de muda no viveiro e recurso para a Prefeitura fazer parques ou obras no entorno." Na compensação em dinheiro, cada muda vale R$ 378.

4 Razões para...
A compensação falhar na cidade
1. Não é levado em conta o número de folhas, apenas o diâmetro do tronco. Assim, apesar de ambientalmente mais eficientes segundo especialistas, árvores com troncos mais finos e muitas folhas acabam valendo menos do que uma árvore "seca" de tronco grande.
2. Todos os bairros têm o mesmo critério de autorização. Retirar uma árvore da Mooca, o distrito menos arborizado da cidade, vale o mesmo que um corte em Parelheiros, cercado por mata.
3. Apesar de o plantio de mudas de compensação exigir 15 vezes mais árvores plantadas do que as retiradas, nem todo o volume de contrapartida é reposto no mesmo local.
4. As mudas que, por falta de espaço, não podem ser plantadas no mesmo local onde houve o corte podem ser distribuídas em viveiros municipais ou ser pagas em dinheiro ou obras viárias.

Rua é aberta no meio de antiga mata nativa

Novas ruas abertas no meio da mata e placas de lançamentos imobiliários em terrenos cheios de árvores indicam que o estrago na vegetação da Vila Andrade, na zona sul, poderá ser ainda maior nos próximos anos. Espigões com até 26 andares avançam na direção da última franja de Mata Atlântica que restou ao lado do Rio Pinheiros, no alto do Panamby.
É nessa região que uma rua, a Maria Antonia Ladalardo, foi prolongada dentro da mata nativa, como forma de facilitar o acesso dos novos condomínios à Marginal do Pinheiros. Ali estão alguns dos mais caros imóveis lançados na capital nos últimos três anos, com apartamentos de 529 m², 12 vagas de garagem e preço estimado em R$ 6 milhões.
Um dos atrativos da região é o Parque Burle Marx, área verde com as mesmas espécies que sumiram de terrenos vizinhos para dar lugar a prédios, como palmeiras, andá-açu e pau-brasil.
Queixas. Prédios gigantes atrás do prolongamento da Maria Antonia Ladalardo também foram erguidos sobre antiga área com árvores nativas, como lembram moradores da Rua Clinton, na parte mais baixa e antiga do Panamby. "Essa parte mais alta do Panamby, perto do rio, era tudo mata ciliar do Rio Pinheiros. Tinha muita árvore, a gente queria que virasse parque. Mas pode ver que não param de fazer prédios", diz a professora de piano Júlia Antonini Figueira, de 56 anos, que vive há 20 na região.
A professora aponta para as torres do futuro condomínio Vista Verde Panamby, que terá torres com vista para a mata que restou. "A vista para eles vai ser verde agora, como era para nós. Logo também vão estar com vista para outros prédios", prevê.
Os novos prédios do Panamby fazem divisa com ocupações e favelas da região do Campo Limpo, onde barracos "escalam" os últimos morros verdes. O desmatamento causado pelas invasões que cercam a Vila Andrade não foram contabilizados no levantamento feito na pesquisa de Luciana Ferreira, pois os cortes de árvore, nesse caso, são feitos sem autorização.

OESP, 09/09/2012, Metrópole, p. C1; C3

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