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Povos indígenas se mobilizam no Acampamento Terra Livre contra ataques de Bolsonaro

Amazônia Real - amazoniareal.com.br
Autor: Cristina Ávila
04 de Abr de 2022

Brasília (DF) - As perspectivas de votações de projetos anti-indígenas no Congresso, principalmente o de abertura de territórios tradicionais às mineradoras pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), e a volta do julgamento da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), prevista para este semestre, ampliaram em mais seis dias a realização do 18o Acampamento Terra Livre (ATL), que começou nesta segunda-feira (4) e segue até o dia 14, em Brasília. A cada ano, o evento se torna mais representativo das mobilizações populares. E, em 2022, será presencial depois de dois anos realizado virtualmente por causa da pandemia da Covid-19. Mais de 5 mil indígenas de vários territórios são esperados para participar do acampamento.

Em 2021, em clima de inseguranças e ameaças, foi realizada em Brasília a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas. Quatro mil mulheres de 150 povos indígenas do país enfrentaram as dificuldades do momento político para lutar pelos direitos em áreas como saúde e educação. Também no ano passado, aconteceu o histórico Acampamento Luta pela Vida, que mobilizou 5 mil indígenas para pressionar em relação às decisões tomadas pelos poderes Judiciário e Legislativo.

Nesta segunda-feira, Sônia Guajajara, coordenadora-geral da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), instituição que promove o evento, disse que o ponto central do ATL será a demarcação das terras indígenas. Segundo ela, de 13% de terras demarcadas no país, 98% estão na Amazônia e apenas 2% nas outras regiões do país. Ela ainda disse que o objetivo deste ano é "aldear" a política, o que significa ocupar espaços elegendo indígenas no Legislativo, como também ter representatividade no Executivo e Judiciário. A líder da organização estima que até 8 mil indígenas de 200 povos participarão do movimento.

Sônia Guajajara concedeu uma entrevista coletiva, na manhã desta segunda-feira, ao lado da coordenadora executiva da Apib, Eunice Kerexu, Guarani Kaiowá (MS), e de Marquinho Xukuru (PE), representante da Apoinme (Associação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo). Ela falou sobre a necessidade de políticas públicas para conservação da biodiversidade brasileira; ele lembrou do cacique Xicão Xukuru, sem citar que estava falando de seu pai, assassinado em 1997 na luta pelas causas dos povos originários.

"Pela primeira vez viemos a Brasília em dois ônibus, com quase 100 jovens e mulheres da Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia, porque queremos que este movimento tenha mais repercussão ainda do que já teve", afirmou a jovem liderança Txai Suruí, que chegou no acampamento domingo (3), quando o ATL começou a ser montado no Eixo Monumental, na área central da capital federal. Em agosto, ela esteve com uma delegação de 23 integrantes no Acampamento Luta pela Vida para acompanhar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata do marco temporal e que ainda não chegou ao fim.

Única brasileira a discursar na abertura oficial da Conferência da Cúpula do Clima (COP26), na Escócia, em novembro, Txai Suruí ressaltou que no exterior as pessoas não sabem exatamente o que acontece, mas entendem perfeitamente que a Amazônia está sendo destruída. "O Brasil hoje é uma vergonha internacional", frisou. Ela é coordenadora e uma das fundadoras da Juventude Indígena de Rondônia, que reúne cerca de mil jovens de 12 povos do estado, entre 15 e 29 anos. Antes de viajar, os que estão agora no ATL participaram de oficinas de formação política sobre assuntos como mudanças climáticas e eleições, preparativas para o trabalho em Brasília. "Vamos aproveitar este momento aqui na capital também como formação do movimento jovem de Rondônia", explicou. Proporcionalmente ao seu tamanho, o Estado é um dos mais devastados da Amazônia.

Neste ano, o tema do evento promovido pela Apib é "Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política". A instituição anunciou no mês passado que 2022 está declarado como "último ano do governo genocida" e o que o "Abril Indígena" será marcado por ações simbólicas que mostrarão a capacidade na luta pelas demarcações territoriais, "de forma que a defesa pela vida contra a agenda de destruições é nossa prioridade".

Entre as primeiras comitivas que já chegaram a Brasília está a do Amapá, com cerca de 100 pessoas, de 11 povos. Ao contrário de Rondônia, esse é um dos Estados mais preservados da Amazônia, também comparativamente ao território. Porém, as ameaças são crescentes. Já em julho de 2019, os indígenas denunciavam invasões de garimpeiros cada vez mais agressivas e que levaram ao assassinato do cacique Emyra Waiãpi, ancião de sua comunidade, no oeste amapaense.

"Os ataques estão aflorando, muito intensos sobre nós", afirma Simone Karipuna, da aldeia Kunana, Terra Indígena Juminã, no Oiapoque. "Mesmo antes de ser votado, o PL 191 (que tramita na Câmara e trata de mineração em terras indígenas) já tem seus efeitos. Eles (os interessados em sua aprovação) estão confundindo nosso povo, infiltram informações dentro dos nossos territórios, dizendo que os garimpos já foram liberados. Eles instigam indígenas a acreditar que a mineração já foi aprovada no Congresso, fazem leituras erradas da Constituição Federal e nosso trabalho é desconstruir essas narrativas", afirma.

Simone Karipuna conta que homens, mulheres, jovens e idosos levaram quatro dias em transportes fluviais e terrestres para chegar a Brasília. "O PL 191 é um rolo compressor sobre nós. Não tem como esperar mais. Nosso grito de socorro será ouvido. Não queremos mineração. Não vamos permitir que nos tirem a liberdade de usufruir de nossos territórios. Ninguém vai nos calar. Temos a força de nossos ancestrais e nossa voz vai ecoar." Ela relatou que os indígenas no Amapá estão em constante vigilância sobre seus territórios.

A programação até o dia 14 vai dar uma visão aprofundada sobre as principais ameaças aos direitos constitucionais indígenas, abordando questões específicas do Judiciário, Legislativo e Executivo, tratando ainda de assuntos como saúde e educação.

A coordenadora da Associação de Guerreiras Indígenas de Rondônia, Fabrícia Sabanê, do Parque Indígena Aripuanã (RO/MT), deverá levar para o debate no dia 13 a questão de Bolsas Permanência que foram cortadas para cerca de 40 alunos, entre os 300 estudantes de cursos interculturais como o de licenciatura (professores) que já estudam em campi no Estado e precisam dos recursos mensais (900 reais) para se manter estudando nas cidades. Ela disse que também vão debater a disponibilidade de apenas 20 vagas que foram destinadas ao ingresso de novos estudantes este ano na Universidade Federal de Rondônia, das 60 que eram esperadas. Além do número ser bem menor, também são destinadas a indígenas e quilombolas. No dia 13, o tema do ATL será educação, tratando inclusive da lei de cotas e bolsas.

O principal foco dos projetos de lei que tramitam no Congresso neste momento é o PL 191. Em pleno Ato pela Terra, protagonizado pelo cantor e compositor Caetano Veloso em Brasília, no dia 9 de março, o presidente da Câmara dos Deputados, o agropecuarista Arthur Lira (Progressistas/AL), articulou a votação de requerimento para que o projeto que pretende abrir a mineração em terras indígenas passasse a tramitar em regime de urgência no Congresso. Os parlamentares decidiram pela criação de um Grupo de Trabalho para tratar do assunto em 30 dias, mas até agora os participantes não foram nomeados. A expectativa é que a bancada ruralista queira votar também com urgência um novo código de mineração para facilitar ainda mais a invasão dos territórios tradicionais, que já é crescente.

Outros processos também estão na fila de espera para votações no Congresso, com os mesmos objetivos anti-indígenas, como o PL 490/2007, que altera a legislação da demarcação de terras indígenas, o PL 6.299/2002, que trata de agrotóxicos; o PL 2.633/2020, chamado PL da Grilagem, e o PL 3.729/2004, que flexibiliza o licenciamento ambiental.

Veja a programação do 18o Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília (DF)

Dia 4/4/2022 - Apresentação das delegações e recepção pela coordenação executiva da Apib e regionais

05/04 - Plenárias (horário de Brasília)

10h - Plenária: #Emergência Indígena - Ameaças aos territórios

11h - Plenária: #AlertaCongresso - Impactos do Legislativo e lançamento da carta aberta contra o PL 191/2020 - Frente Parlamentar

14h às 18h - Plenária: #Emergência Indígena - Nossa Luta pela Vida: Impactos no Executivo, demarcação e políticas públicas

06/04 - Plenárias (horário de Brasília)

8h| Plenária: #AdvocaciaIndígena - Impacto do judiciário na vida dos povos indígenas

10h | Plenária: #IsoladosOuDizimados - Pelas vidas dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato

14h | #ATL18anos | luta e resistência indígena

07/04 - Plenárias (horário de Brasília)

8h | #LutaPelaVida - O presente e futuro da saúde indígena

14h | Plenária: #LutaPelaVida - Sistemas de produção e economia indígena.

08/04 - Plenárias (horário de Brasília)

Nossas Vozes Ancestrais Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política.

#IndígenasMulheres

9h30 | Retomando o Brasil: Vozes Diversas das primeiras Brasileiras

11h | Demarcar Territórios: Nossos corpos Territórios no Reflorestamentes

13h30 | Ritual abertura da tarde

14h | Aldear a Política: Nós pelas que nos antecederam, nós por nós e nós pelas que virão

15h30 | Caravana das Originárias

20h | Noite Cine Debate

09/04 - Plenária (horário de Brasília)

9h | #EmergênciaIndígena - Mobilização nacional dos movimentos

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