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Povos indígenas defendem direito à consulta e à tomada de decisão sobre BR-319

Agência Cenarium - https://agenciacenarium.com.br
Autor: Lucas Ferrante
20 de Ago de 2024

MANAUS (AM) - Nos dias 30 de julho e 5 de agosto, os povos indígenas das etnias Mura e Munduruku entregaram formalmente ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em Brasília e em Manaus, respectivamente, os protocolos de como desejam ser consultados sobre a rodovia BR-319. De acordo com o cacique da Terra Indígena Palmeira, no Lago do Capanã Grande, em Manicoré, o protocolo informa como os indígenas deverão ser consultados pelo Dnit sobre o empreendimento da rodovia BR-319.

O direito de consulta é estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e por um decreto presidencial de 2019. As consultas aos povos tradicionais, como estabelece a Convenção 169 da OIT, defendem que povos tradicionais que tenham seus territórios afetados por grandes empreendimentos têm direito a uma consulta prévia, livre e informada. A consulta é prévia porque deve ser realizada antes do empreendimento; informada, pois as comunidades precisam estar cientes de todo o dano que os empreendimentos podem causar nos territórios afetados; e livre, pois os povos não podem ser consultados contra sua vontade ou forçados a aceitar o empreendimento. Atualmente, o DNIT estabeleceu que apenas seis comunidades seriam consultadas conforme a Convenção 169 da OIT. Entretanto, não é o DNIT que define quais serão as comunidades consultadas, tendo direito à consulta qualquer comunidade que se sinta impactada.

Em estudo publicado no periódico científico Land Use Policy, foi apontado que a rodovia BR-319, que liga Porto Velho, em Rondônia, a Manaus, no Amazonas, impacta direta e indiretamente 63 terras indígenas oficialmente reconhecidas, cinco comunidades fora de áreas oficialmente reconhecidas e uma população de indígenas isolados. A população de indígenas isolados se encontra no município de Tapauá, em uma área sob extrema pressão de madeireiros e grileiros, como apontou um segundo estudo publicado na Land Use Policy.

Ainda de acordo com o estudo, ramais ilegais estão sendo abertos por grileiros dentro de terras indígenas, onde a principal motriz para o fluxo de invasores nas áreas é a trafegabilidade e acessibilidade fornecida pela rodovia BR-319. Segundo as lideranças indígenas que entregaram o protocolo, todas as comunidades impactadas deverão ser consultadas e da forma que desejarem. Ambos os estudos da Land Use Policy também apontam essa necessidade, respaldando o direito dos indígenas.

Preocupantemente, o Dnit tem violado esses direitos ao avançar na tentativa de pavimentar o "Lote C" da rodovia BR-319, também conhecido como "Lote Charlie", que não possui nem estudos ambientais nem as consultas aos povos indígenas impactados, como apontado pela revista científica Science. De acordo com um estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, editado pelo renomado grupo Springer Nature, o aumento do desmatamento no trecho do meio da rodovia, devido à pavimentação, já aumentou em mais de 400% os casos de malária na região. O mesmo estudo aponta que as audiências públicas realizadas pelo Dnit referentes ao licenciamento do "trecho do meio" ocorreram de forma ilegal, pois não contaram com a presença dos povos tradicionais impactados. O estudo ainda aponta que o aumento de casos de malária na região é um proxy do risco de aumento de saltos zoonóticos que podem causar uma nova pandemia global e aumento de epidemias. Esses resultados foram corroborados em um estudo publicado na semana passada no Lancet Planetary Health, periódico científico do grupo Lancet, um dos grupos de revistas médicas mais conceituados do mundo.

Políticos como o senador Plínio Valério têm apontado que, devido à seca, a rodovia BR-319 precisaria ser pavimentada. O estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities desmentiu o senador, apontando que os municípios afetados pela seca não são beneficiados pela pavimentação da rodovia, além de a pavimentação agravar a seca em toda a região amazônica devido ao aumento da degradação florestal e do desmatamento causados pela maior trafegabilidade da rodovia. Todos esses resultados foram corroborados por uma publicação no periódico Nature, considerado um dos periódicos científicos mais importantes do mundo. Segundo a publicação, a pavimentação levaria a Amazônia além do limiar de desmatamento e degradação florestal suportados pela floresta, desencadeando o colapso climático do bioma e abrindo um dos maiores reservatórios de patógenos do mundo, o que afetaria toda a população.

*Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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