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Povos Indígenas de Roraima debatem futuro em seminário na TI Raposa-Serra do Sol

ISA - www.socioambiental.org
Autor: Ciro Campos e Leandro Mahalem
05 de Out de 2010

O que fazer com a terra homologada, identificar os problemas e a forma de enfrentá-los, como e com quem fazer isso e quais as prioridades a serem estabelecidas foram as questões debatidas durante os dois dias do II Seminário de Etnodesenvolvimento dos Povos Indígenas de Roraima, realizado na TI Raposa-Serra do Sol, na comunidade do Maturuca, em Roraima.

O seminário, que aconteceu nos dias 18 e 19 de setembro, foi centrado no tema "Terra, Identidade, Autonomia", contou com a participação de 320 lideranças do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Hutukara Associação Yanomami, Conselho do Povo Indígena Ingaricó, Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (Omir), Organização dos Professores Indígenas de Roraima (Opir) e outras organizações indígenas, além dda Diocese de Roraima e de representantes de órgãos do governo federal e da sociedade civil, como Funai, MMA, Inpa, Embrapa, Instituto Insikiran (UFRR), TNC, ISA , MST e Secretaria Especial de Políticas para a Mulher (Casa Civil). O apoio do ISA ao evento faz parte dos esforços de articulação da Rede Rio Negro , que pretende aglutinar os atores que trabalham na Bacia do Rio Negro - compartilhada por Brasil, Guiana, Venezuela e Colômbia - em torno de uma agenda mínima de sustentabilidade socioambiental.

A ausência de representantes do governador do estado, que lutou até o fim contra a homologação da Raposa-Serra do Sol e declarou que o lugar se transformaria em um zoológico humano foi notada e sua afirmação novamente lembrada pelas lideranças em suas falas. E se mostraram preocupadas com a recente declaração do governador, sobre a construção da hidrelétrica do Rio Cotingo. A afirmação colocou ainda mais pimenta na já bastante conturbada relação com os índios da região.

Em 26 de abril de 1977, nesta mesma comunidade do Maturuca, foi realizada a histórica reunião conhecida como "ou vai ou racha", que marcou a luta dos povos indígenas da região contra a dependência do álcool e pela reconquista da terra. Trinta e três anos depois, a batalha que se apresenta hoje é contra a dependência do assistencialismo, pela reconquista da autonomia e afirmação de sua cultura. A vitória na luta pela terra, suada e sangrenta, custou a vida de 21 lideranças e envolveu sequestros, incêndios e bombas, além da destruição de casas, pontes e estradas. Desta vez a vitória depende da escolha sobre aonde se quer chegar e o melhor caminho para chegar lá. As circunstâncias são diferentes, mas é novamente uma escolha do tipo "ou vai ou racha" que vai decidir o futuro dos povos indígenas de Roraima.

Organização, divisão e eleições

Embora este seja o segundo encontro focado no tema etnodesenvolvimento, o evento deu sequência a ciclos de assembléias e seminários promovidos pelo CIR, com o apoio de instituições parceiras, desde o início da década de 1980, com vistas a debater alternativas concretas para todos os povos indígenas de Roraima. Há muito tempo os tuxauas (caciques) entendem e se preocupam com a formulação de alternativas de desenvolvimento adequadas aos seus anseios e modos de vida. Após a homologação da Raposa/Serra do Sol, Terra Indígena mais populosa do Brasil, as discussões sobre gestão, manejo e proteção territorial tem ganhado ainda mais força. A pauta do seminário foi marcada por questões como: "o que nós queremos com nossa terra homologada? Quais são os problemas? Como fazer? Com quem? O que vamos priorizar?".

A má conservação das estradas ao final do período chuvoso atrapalhou o deslocamento e chegada no Maturuca, mas a ausência de muitos tuxauas foi atribuída fundamentalmente ao período pré-eleitoral. Várias lideranças se mantiveram em suas comunidades e regiões, ou para tentar barrar os assédios dos candidatos que percorriam a região em busca do voto dos eleitores indígenas, ou mesmo para barganhar vantagens e presentes.

Esta situação foi apontada como um dos principais fatores de segmentação e divisão entre os povos indígenas de Roraima. Fortalecer a organização comum (CIR) em meio ao assédio político foi apontado como um de seus maiores desafios. As lideranças avaliaram que esse assédio enfraquece a organização dos povos indígenas.

Apoio e autonomia

Os programas sociais e o trabalho assalariado foram permanentemente mencionados como complicadores para a autonomia e a identidade dos povos indígenas. A "Bolsa Preguiça", modo como algumas lideranças se referiam ao "Bolsa Família" e outros auxílios, estariam gerando desinteresse pela agricultura, resultando no aumento da importação de alimentos, na mudança dos hábitos alimentares e no surgimento de problemas de saúde que antes não existiam. A proliferação de cargos e salários também estaria se tornando um problema, não apenas influenciando na decisão de plantar menos, mas também aumentando o individualismo dentro das comunidades.

A necessidade reduzir a dependência dos salários e dos programas assistenciais ficou clara na fala do tuxaua Jacir de Souza, uma das mais respeitadas lideranças indígenas do Estado e ganhador da última edição do Prêmio Chico Mendes: "Nós precisamos dar uma freada nos pedidos, vamos olhar para nós, para os igarapés, para os rios, para a terra. (...) Nós lutamos tanto para ter nossa terra garantida e agora vocês pedem arroz, feijão, salário?".

Projetos e formação técnica

Na pauta foi incluída a discussão de diversos projetos que o CIR já executa ou pretende implementar com seus parceiros: o projeto de Gestão Territorial e Ambiental, Desenvolvimento Sustentável e Segurança Alimentar dos Povos Indígenas de Roraima (Fundo Amazônia/BNDES); os planos de gestão por meio da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e a formação de agentes ambientais voluntários indígenas (Funai, MMA e TNC); o apoio às atividades de mapeamento e os planos para aproveitamento da energia dos ventos e do sol (ISA); a produção de mudas de espécies nativas e recuperação florestal em áreas degradadas (Inpa); a produção de arroz orgânico (MST); a produção agrícola mecanizada (Embrapa); os projetos de apoio ao Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol e o curso de formação de Gestores de Projetos Indígenas (PDPI/MMA, Instituto Insikiran-UFRR); a Assistência Técnica e a Extensão Rural Indígena; o Programa de Aquisição de Alimentos da CONAB nas comunidades indígenas.

Como não foi possível esgotar os temas prioritários, novos encontros estão previstos ainda para este ano. A organização da nova Secretaria Especial de Saúde Indígena, que ainda não foi discutida com as organizações indígenas, será tema de um seminário específico a ser realizado ainda no mês de outubro. O conjunto das propostas deverá ser finalizado antes da visita do presidente Lula, prevista para novembro. A busca de alternativas para evitar a construção da Hidrelétrica do Cotingo, no coração da Raposa-Serra do Sol, por exemplo, seguirá sendo discutida antes e depois da visita do presidente Lula, prevista para novembro. Uma das alternativas seria o aproveitamento da energia eólica e solar, deliberação que foi aprovada na Assembleia Geral realizada em março e incluída na Carta do Araçá. Segundo dados do governo federal, a Raposa-Serra do Sol apresenta grande potencial para geração de energia eólica, sendo o maior da região norte e um dos maiores do Brasil.

http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3177

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