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Porto Alegre: Vereador apresenta projeto que ameaça área de proteção ambiental

Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/
Autor: Marcelo Ferreira
14 de Nov de 2020

Projeto busca validar lei aprovada em 2015 e barrada na Justiça, que permite empreendimento na Fazenda do Arado

Menos de um mês antes das eleições municipais, o vereador e candidato a reeleição ao cargo em Porto Alegre (RS), Wambert Gomes Di Lorenzo (PTB), apresentou o projeto de lei (PLCL 16/20) na Câmara de Vereadores, no dia 27 de outubro, que visa legitimar a urbanização da Fazenda Arado Velho, no Extremo Sul da Capital.

Com 426 hectares, no bairro Belém Novo, a área é de proteção permanente, contendo banhados, fauna e flora protegidos. Campo de várzea, é local de alagamento em período de cheia do Guaíba. Também é sítio arqueológico e abriga famílias Mbyá Guarani, que reivindicam a demarcação da área como terra indígena.

Alvo da especulação imobiliária, o destino da região está na justiça. Sob a gestão do então prefeito José Fortunati (PTB), em 2015, foi aprovada a Lei Complementar 780, conhecida como "Lei do Arado", que alterou o Plano Diretor do município, permitindo a construção de um grande condomínio no local pela empresa Arado Empreendimentos Imobiliários.

Após mobilização de grupos ambientalistas e moradores do Extremo Sul, o Ministério Público (MP) promoveu ação pública contra o município e a empresa, declarando a ilegalidade da lei e de todo o processo que levou à sua edição.

A sentença foi concedida pela Justiça em 19 de dezembro de 2019, suspendendo a mudança no Plano Diretor. O MP argumentou que a Lei do Arado foi aprovada sem conhecimento a participação da população.

Além disso, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) apresentado pelo empreendedor traz inconsistências técnicas que são alvo de investigações cíveis e criminais em andamento junto ao MP e a Delegacia do Meio Ambiente (Deca).

A campanha Preserva Arado Agora, composta pelo Movimento Preserva Belém Novo, pelo Coletivo Ambiente Crítico, pelo Instituto Econsciência e com apoio de diversas entidades ambientalistas da capital gaúcha, manifestou repúdio ao novo projeto que coloca em pauta novamente a mudança do regime urbanístico.

"Alertamos quanto a manobra imoral e legalmente questionável do vereador Wambert Gomes Di Lorenzo (PTB) que pretende 'passar a boiada' para legitimar a urbanização no Extremo Sul da Capital através do PLCL 16/20. Entendemos que esse projeto de lei objetiva solapar a importância da preservação da Fazenda Arado Velho, bem como evitar o amplo diálogo do tema pela sociedade", afirmam as organizações.

O ambientalista Felipe Viana, do Instituto Econsciência, crítica o período da proposta, em meio as eleições municipais, e destaca que há indícios de fraude nos laudos apresentados pela Arado Empreendimentos Imobiliários, que comprou a fazenda em 2010 e desde então busca formas de tocar o empreendimento. "O Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) deles subestimou a biodiversidade e omitiu algumas informações que ambientalmente seriam mais limitantes à urbanização da fazenda", afirma.

O contra laudo que contesta o EIA-RIMA da Arado Empreendimentos Imobiliários foi feito por Rualdo Menegat, autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre. "A parte geológica é o principal erro que tem no estudo deles, que beneficia a eles", aponta Viana.

Para advogada e integrante do coletivo Preserva Belém Novo, Michele Rihan Rodrigues, a atual proposição legislativa do vereador Wambert "é no mínimo estranha". Ela argumenta que o vereador busca ratificar uma lei que teve todo processo legislativo declarado ilegal em primeira instância.

"O processo ainda está tramitando, então só isso já causa um desconforto e desconfiança em relação a intenção do Projeto de Lei 16/2020", avalia.

Mbyá Guarani

Além disso, há o novo componente da retomada guarani da área. Diversos conflitos já foram registrados com ameaças, tiros e cercamento do local onde vivem as famílias indígenas, impedindo-os de terem acesso a água potável.

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) garantiu a permanência do grupo no local e determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) inicie o processo de identificação a fim de avaliar se a terra pertence ou não aos indígenas.

O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi-Sul), Roberto Liebgott, conta que a comunidade ocupou o local conhecido como Ponta do Arado em 2018, se instalou e requereu junto aos órgãos públicos a demarcação da terra. "Concomitante a isso houve ações judiciais contra os indígenas e essas ações estão suspensas até que a Funai proceda com os estudos de identificação e demarcação da área", explica.

Ele destaca ainda os direitos constitucionais dos povos indígenas. "Nesse contexto de disputa de posse e propriedade, pela Constituição Federal no artigo 231, as terras quando são caracterizados como de ocupação indígena, elas são de usufruto exclusivo dos povos indígenas", afirma.

Liebgott ressalta que o direito originário é inalienável, não pode ser substituído ou trocado, é indisponível, ou seja, só o povo indígena pode dispor desse direito, e que qualquer título de posse ou propriedade do território é declarado nulo pela Constituição.

Carta aos candidatos

O Preserva Belém Novo redigiu uma carta aos candidatos e candidatas à prefeitura e Câmara de Porto Alegre, trazendo demandas que são de construção coletiva e da observação de necessidades levantadas por moradores do bairro Belém Novo, região Extremo Sul e de toda Porto Alegre.

No documento, destaca-se que "a Fazenda do Arado é um patrimônio especial, tendo em vista que agrega, em um mesmo local, uma diversidade de elementos naturais e culturais que lhe conferem alta significância patrimonial. Estes elementos são ainda permeados pela imaterialidade da história e das memórias, dos saberes e dos fazeres relativos aos processos de vida vinculados ao sítio".

"A carta busca qualificar a participação da cidadania nas propostas para políticas públicas na questão ambiental e em outras diversas também. Foram pontuadas questões de segurança, saúde, educação, cultura, temas necessários para a região, para o bairro e para a cidade como um todo", afirma Michele.

Segundo a advogada, existem alternativas que não são necessariamente inviáveis economicamente, mas "são possíveis desde que os tomadores de decisão olhem com outros olhos para os bairros e periferias". "A questão ambiental é caríssima no sentido que nós defendemos um ambiente equilibrado para viver e para garantir para as futuras gerações uma cidade mais humanizada e mais cidadã."

A carta é dividida em três blocos de demandas ambientais. Para a cidade, traz propostas como valorização e investimentos na estrutura da Secretaria Municipal de Meio Ambiente; fortalecimento da fiscalização, do licenciamento ambiental e dos quadros técnicos; monitoramento, fiscalização e avaliação da qualidade do ar; plano de arborização e manejo da vegetação das áreas urbanas e rurais; retomada do Viveiro Municipal de Porto Alegre; plano de manejo da vegetação das áreas de orla e da fauna silvestre; retomada da educação ambiental; criação de conselhos locais de Meio Ambiente e de uma Unidade de Conservação de toda orla do bairro Belém Novo.

Para os bairros do Extremo Sul são demandas como melhorias e cuidados com as praças; proteção e fiscalização da orla nos bairros da região; monitoramento das águas das praias durante o ano todo; instalação de sede de fiscalização ambiental na região; melhoria da rede elétrica usando técnicas que garantam a segurança de animais silvestres; melhorias na rede de esgoto; instalação de ao menos um ponto de coleta de resíduos; plano de acessibilidade na região; ampliação da Atenção Básica de Saúde; instalação de farmácia distrital; implementação de atividades culturais regulares; ampliação do transporte público; instalação de sede da Guarda Municipal.

Acesse a carta com as propostas na íntegra aqui.

https://www.brasildefato.com.br/2020/11/14/porto-alegre-vereador-aprese…

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