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A porteira do meio ambiente está aberta para novas 'boiadas'

O Globo, Opinião, p. 2
11 de Fev de 2021

A porteira do meio ambiente está aberta para novas 'boiadas'

Onde passa um boi, passa uma boiada. Um estudo liderado pelas pesquisadoras Mariana Vale e Rita Portela, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comprova que, enquanto o drama da Covid-19 afligia os brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se aproveitavam para flexibilizar normas ambientais sem causar alarde. O estudo compilou 57 dispositivos legais que passaram por "desregulação" ou "flexibilização", tendo como resultado o enfraquecimento das normas de preservação. Tudo sem o aval do Congresso.

Mais da metade das medidas entrou em vigor após a turbulenta reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, quando Salles disse, sem rodeios, que o governo deveria aproveitar a atenção da mídia voltada para a pandemia do novo coronavírus para "passar a boiada" sobre as normas ambientais. Assim foi feito.

O estudo concluiu também que houve uma redução de 72% nas multas ambientais durante a pandemia, apesar do aumento no desmatamento da Amazônia no mesmo período. Evidentemente, os protocolos de prevenção da Covid-19 alteraram a rotina da fiscalização, como de qualquer outra atividade. Mas o vírus não é o único vilão. Sabe-se que o desmonte dos órgãos ambientais tem sido uma constante no governo Bolsonaro.

O resultado dessa política irresponsável e negligente com o meio ambiente está retratado nos números destes dois anos de governo. Desmatamento e queimadas na Amazônia e no Pantanal bateram recordes, reforçando a imagem do Brasil como pária internacional. O agronegócio brasileiro também paga o preço, pois o mercado está cada vez mais preocupado com a preservação. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento na Amazônia cresceu 9,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020, na comparação com o mesmo período do ano anterior. A área desmatada, de 10.129 quilômetros quadrados, é a maior desde 2008.

No Congresso, a eleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliados de Bolsonaro, e o providencial apoio do Centrão abrem as porteiras para novas boiadas, agora com a certificação luxuosa do Congresso. Ao menos quatro projetos enviados pelo Executivo, tratados como prioritários, flexibilizam normas ambientais vigentes. Tratam de mineração em terras indígenas, regularização fundiária, licenciamento ambiental e concessão de florestas públicas.

A julgar pelo que foi feito - e dito - até agora, o governo Bolsonaro chega à metade do mandato com perspectivas sombrias para o meio ambiente nos próximos dois anos. Todo esse descalabro pode ser resumido na declaração do presidente sobre as queimadas: "A Amazônia, a Bacia Amazônica, pega fogo? Não pega fogo. Nem se você pegar o fósforo, o álcool, é difícil pegar fogo. É úmida, não pega fogo".

Inépcia, quando se junta com ignorância, é mesmo fogo.

O Globo, 11/02/2021, Opinião, p. 2

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/porteira-do-meio-ambiente-e…

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