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Poluição afeta 9 dos 11 lagos de parques de SP

FSP, Cotidiano, p. C1, C11
15 de Ago de 2004

Poluição afeta 9 dos 11 lagos de parques de SP
Conexões irregulares degradam ainda mais a qualidade de vida; só Burle Marx e Água Branca têm boas condições

Mariana Viveiros
Da reportagem local

Sol e céu azul. Dezenas de paulistanos aproveitam para se exercitar no parque da Aclimação (zona sul de SP). À beira do lago, uma senhora faz tai chi chuan ao lado das azaléias. Chegando mais perto da água, porém, a visão é bem diferente. O "perfume" também.
Cinza escuro e opaco, com uma nata verde espessa em alguns trechos da superfície e lixo, o lago exala, em certos pontos, um mau cheiro característico de esgoto.
O paradoxo se repete em quase todos os parques da cidade: 9 dos 11 que têm lagos enfrentam problemas de poluição. Entre os quais o do Ibirapuera, o da Cidade de Toronto e o do Jardim Botânico. Só os lagos dos parques Burle Marx e Água Branca, na zona sul, estão em boas condições.
Embora alguns estejam em regiões nobres e um deles fique em uma área de proteção ambiental, os lagos são vítimas de conexões irregulares e da inadequação da rede de esgoto e das galerias de água da chuva, que não acompanharam o crescimento da cidade.
Lixo jogado no chão e nos córregos que formam os lagos ajuda a completar o quadro de degradação. Os dados são da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, que cuida dos 32 parques municipais; do Instituto de Botânica, que mantém o Jardim Botânico; e da direção do Horto Florestal (os dois últimos ligados ao governo).
Os lagos poluídos indicam danos à fauna aquática e ao equilíbrio do ecossistema dos parques e implicam restrições ao aproveitamento dos locais para diversão e lazer contemplativo, diz José Luiz Negrão Mucci, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Peixes e outros animais morrem por falta de oxigênio na água, que se torna imprópria ao contato humano, por ameaça de transmitir doenças. Isso impossibilita uso de pedalinhos, barcos e o nado.
Os lagos muitas vezes apresentam trechos cobertos por uma crosta verde que lembra uma sopa de ervilhas, mas é formada por algas que se proliferam em excesso por causa da abundância de comida: nitrogênio e fósforo. O primeiro resulta da decomposição de matéria orgânica, e o segundo vem em geral de detergentes.
São as algas que consomem o oxigênio da água e causam a mortandade e o mau cheiro.
"Sabesp [companhia de Saneamento básico de SP] e prefeitura têm culpa conjunta na poluição", diz José Roberto Brandão, diretor no Depave (Departamento de Parques e Áreas Verdes) da seção de manutenção dos parques.
As ligações clandestinas de esgoto são feitas pelos moradores, construtores ou, no passado, pela própria Sabesp, que conectava provisoriamente a rede de esgoto na de água da chuva. "Mas o provisório virou definitivo", diz o engenheiro Luiz Fernando Orsini Yasaki, consultor da Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê.
Na área do parque da Aclimação, foram achadas 25 dessas ligações cruzadas. Segundo a Sabesp, todas elas já foram desfeitas.
Quando as ligações clandestinas são feitas pelos moradores, as razões vão desde a falta de informação até economia, uma vez que quem se liga na rede paga o dobro na conta de água (metade do valor equivale ao esgoto recolhido).
Por outro lado, as conexões clandestinas acabam aprovadas pelo município, que, concedendo o habite-se a imóveis nessas condições, lhes dá aval, diz Brandão.
"O sistema separador [redes diferentes para esgoto e água da chuva] só existe no papel", diz Ricardo Araújo, assessor da Diretoria Metropolitana da Sabesp. Segundo ele, além do despejo de esgoto nas galerias, ocorre o inverso. "Por isso às vezes a rede de esgoto não agüenta e extravasa."

Outro Perfume
Principal entrave é financeiro, mas há a intenção de estender a despoluição para os de parques na periferia
Recuperação começa em lago de área nobre
Da reportagem local
A tentativa de acabar com o lançamento de esgoto nos lagos dos parques municipais de São Paulo e de limpá-los começou neste ano pela maior vitrine da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, o Ibirapuera. O plano é estender o projeto, a partir de 2005, aos parques da Aclimação e Cidade de Toronto (nessa ordem), também em áreas nobres. Só então as ações seguem rumo à periferia.
Como o principal entrave à iniciativa é financeiro, foram eleitas prioridades. "Fazer os projetos em parques de maior visibilidade se justifica pelo caráter de educação ambiental", afirma Luiz Fernando Orsini Yasaki, que coordena a despoluição no Ibirapuera.
Nesses locais, sustenta, as ações ganham maior divulgação, são acompanhadas por mais pessoas, que vão entender a seguinte mensagem: a poluição dos lagos é a parte visível da poluição dos córregos e riachos que cortam a cidade, mas foram canalizados e estão escondidos sob o asfalto.
O projeto de despoluição do córrego Sapateiro, que forma os lagos do Ibirapuera, já ganhou a mídia e, se funcionar como o esperado, será replicado. Consiste de uma operação caça-esgoto nas casas da região, para identificar as ligações clandestinas. Depois os irregulares serão notificados e a situação, consertada pela Sabesp. O terceiro passo é a remoção do lodo acumulado nos lagos.
Apenas a primeira parte, que deve terminar até o fim do ano, custou R$ 1,5 milhão à prefeitura.
Segundo Ricardo Araújo, da Sabesp, na região do parque da Aclimação, foi finalizada a correção das ligações de esgoto na rede de água da chuva, um compromisso com o Ministério Público. "Em certos lugares, não é fácil porque tem de instalar coletor tronco [que recolhe todo o esgoto da área], uma obra grande e cara."
Em relação ao parque Cidade de Toronto (zona norte), Araújo diz acreditar que a poluição do lago vai melhorar com a saída, nos próximos meses, de uma favela na margem da rodovia dos Bandeirantes, cujos moradores serão relocados pela CDHU (companhia de habitação do governo).
Sobre os demais parques com problemas, Araújo afirma não ter informações detalhadas. "Mas essas coisas só vão ser corrigidas lentamente. Não há solução mágica para esta cidade", afirma.
Como a culpa pela poluição dos lagos é conjunta, a solução terá de ser feita em parceria, dizem Araújo e o secretário do Verde e do Meio Ambiente, Adriano Diogo.
Ambos se mostram dispostos à colaboração, mas o primeiro convênio, para notificação e regularização das ligações clandestinas na região do Ibirapuera, ainda não saiu por "problemas burocráticos", afirma Araújo. "Ano de eleição é complicado", admite.
"A valorização do espaço urbano das cidades, que ficam mais caras, vai exigir que os lugares mais emblemáticos estejam mais bonitos e protegidos. Vai ser politicamente muito difícil justificar que se jogue esgoto nas galerias e nos lagos", diz, por sua vez, Diogo. (Mariana Viveiros)

Água chega a virar esgoto a céu aberto
Da reportagem local
O parque Chico Mendes é um oásis de verde na árida Vila Curuçá (zona leste de SP). Todo verão, quando as chuvas fortes começam, o lago, porém, vira um esgoto a céu aberto. As galerias pluviais e a rede coletora da vizinhança não suportam o volume de água que recebem e extravasam. "É uma tristeza só", resume o vigia do local José Carlos Bina, 50.
Também na zona leste, o parque Raul Seixas enfrenta problema semelhante, mas não há previsão de quando eles serão solucionados pela prefeitura e pela Sabesp.
O despejo de esgoto e o assoreamento (carregamento de terra e resíduos pela chuva) atingem também os parques do Piqueri e do Carmo.
A situação do Jardim Botânico (zona sul) é pior. O Lago das Garças, que um dia abasteceu a região, recebe esgoto in natura do complexo da Secretaria de Estado da Agricultura e os resíduos da limpeza dos recintos dos animais do zoológico.
"Estamos fazendo um projeto com a secretaria para que eles passem a tratar o esgoto, e o zôo deve estar finalizando uma estação de tratamento própria", diz Carlos Bicudo, do Instituto de Botânica, que cuida do parque.
No Horto Florestal (zona norte) e nos parques da Aclimação e Ibirapuera, para reduzir o impacto do esgoto, é feita a flotação, coagulação da sujeira em flocos, retirados da água. Mas, se as mortes de peixes cessaram no Horto, nos outros dois locais os problemas continuam.
Em outubro de 2003, a concentração de coliformes fecais (bactérias que indicam presença de esgoto) ultrapassou o limite em todos os pontos de medição nos parques Ibirapuera e da Aclimação. (MV)
Hoje poluído lago já serviu para nadar

Da reportagem local
Andando pelo parque da Aclimação para mostrar à Folha os problemas do lago, o diretor de manutenção dos parques no Depave, José Roberto Brandão, 54, tem um súbito ataque de nostalgia. "Eu já nadei aqui...", diz.
Diante do espanto de todos -afinal a água é suja, em alguns locais apresenta uma nata verde na superfície e exala um cheiro forte-, ele conta a história.
"Estudava aqui do lado e costumava cabular aula para vir com amigos ao parque. Pegávamos um barquinho a remo e íamos até o centro do lago. Lá mergulhávamos. O segurança fica louco da vida", lembra rindo. Isso foi em 62.
Uma década antes, nos anos 50, quando ainda eram namorados, Francisco e Ana Volpe já freqüentavam o Aclimação. Iam lá para namorar, e o lago era limpo.
"O parque sempre foi uma delícia. É maravilhoso, um dos melhores da cidade", diz Ana, 66. "Mas naquela época não tinha mau cheiro, nem problemas de poluição da água", completa.
Hoje a situação é diferente. "Quando cheguei, já senti um cheiro ruim", diz a nora do casal, Suzana Volpe, 30. "Não é sempre. Acho que piora se está mais quente", emenda Francisco, 75. A pequena Giulia Volpe, 2, neta de Francisco e Ana e filha de Suzana, é a terceira geração de fãs do Aclimação na família e a única que parece não ter do que reclamar.
"Apesar de o lago não ser limpo, ainda prefiro vir aqui do que ir ao Ibirapuera. Lá a poluição é pior. Às vezes forma uma camada verde sobre a água", diz Suzana, que mora nos Jardins (zona sul).
"Em certos dias, o mau cheiro incomoda e há realmente muita sujeira na beira do lago. É ruim até de olhar, então desisto de ficar perto. Mas, quando está melhor, como hoje, gosto de passear pela borda", conta a dona-de-casa Maria Amélia Carvalho Vaz, 75.
Quinta-feira passada, ela "passeava" pela margem do segundo lago do Ibirapuera numa cadeira de rodas, empurrada por um enfermeiro. Não se sentia nenhum odor, mas as bolhas saindo do meio da água denunciavam a atividade quase silenciosa de degradação do esgoto que chega ao lago. "Não são peixes, como muita gente pensa, é metano [gás gerado pela decomposição da matéria orgânica]", explicou o engenheiro Luiz Fernando Orsini Yazaki.
No outro extremo da cidade, na zona norte, alheio ao esgoto que polui o lago do parque Cidade de Toronto, o ex-jogador de futebol Jorge Luís, o Jorginho, 39, que atuou no Santos e no Palmeiras, entre outros, aproveitava o dia com o sobrinho Nicolas, 2.
Ele conta que corre quase todo dia em volta do lago e, apesar de nunca ter sentido mau cheiro, sabe que a água é poluída, tem muitas algas e às vezes lixo. "As pessoas não se preocupam em cuidar de nada. Seria muito melhor se fosse mais limpo." (MV)
A População nos lagos dos Parques de SP
As causas
Esgoto lançado de forma clandestina nas galerias de água da chuva
Esgoto que, por problemas na rede coletora, vasa para a calçada, cai nas bocas-de-lobo e acaba nas galerias de água da chuva
Lixo jogado no próprio lago ou em córregos que nele deságuam
Dejetos de pássaros (patos, cisnes etc.) que ficam no lago
Terra, lama, restos de folhas e outros materiais orgânicos carregados de áreas próximas pela água das chuvas

As conseqüências
Excesso de algas
0 excesso de matéria orgânica, associado à luz solar e ao calor, leva a uma proliferação exagerada de algas, que geralmente formam uma crosta verde sobre o lago, dando-lhe um aspecto esteticamente desagradável de sopa de ervilha
Mortes de peixes
As algas costumam causar mortandade de peixes porque tiram o oxigênio da água, afetando a fauna do lago. Há ocorrências de mal cheiro por causa da decomposição da matéria orgânica
Doenças
0 esgoto torna a água imprópria ao contato, por ameaça de doenças como diarréias, hepatite e problemas de pele, o que impossibilita a utilização dos lagos para atividades como pedalinhos, barcos e o nado

FSP, 15/08/2004, Cotidiano, p. C1, C11

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