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Pesquisa sobre conservação na Amazônia 4: Oportunismo versus priorização científica

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/
Autor: FEARNSIDE, Philip M.
21 de Abr de 2015

A proteção da biodiversidade requer uma interação entre a comunidade de pesquisa e grupos de vários tipos: os tomadores de decisão responsáveis pela criação e manutenção de reservas e os grupos ou indivíduos na sociedade civil, cujas demandas e pressão são, em maior ou menor medida, refletidas em ações de governo. Em alguns casos, as empresas privadas podem representar uma influência adicional, mas a influência de grupos empresariais é, muitas vezes, negativa, influenciando governos para bloquear a criação de reservas (como refletido nas atuais propostas legislativas por "ruralistas" no Congresso Nacional brasileiro).

As decisões do governo, tanto em nível nacional e subnacional, geralmente são a chave para a criação de reservas. Apesar da urgência da criação de áreas protegidas antes que a oportunidade seja perdida na prática, a criação de novas áreas protegidas tem sido praticamente paralisada desde 2008, em nível federal e estadual.

O papel da pesquisa é importante, mas as muitas chamadas para os tomadores de decisão "ouvirem os pesquisadores" não refletem a natureza da interação entre esses grupos. A pesquisa é necessária para identificar os valores da biodiversidade em áreas que podem ser convertidas em reservas, bem como a estimativa de outros serviços ambientais (tais como o armazenamento de carbono e a ciclagem de água) e o grau de ameaça que afetam cada área. Uma linha de pesquisa em priorização "científica" de potenciais reservas se encontra em andamento há anos.

Em 1979, o departamento de parques nacionais do Brasil, então uma parte do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), adotou uma abordagem sistemática para priorização com base na identificação dos tipos de vegetação que careciam de proteção [1]. O levantamento indicou os tipos desprotegidos de vegetação na Amazônia Legal, mas quando se percebeu que cerca de dois terços do custo de proteger essas áreas seria apenas no Estado de Mato Grosso, onde o desmatamento era bem avançado e a obtenção de terras para reservas seria muito cara, a decisão foi simplesmente para não criar reservas em Mato Grosso e usar os recursos disponíveis para reservas em outros lugares na Amazônia Legal.

Em 1990 a organização não-governamental (ONG) Conservação Internacional organizou um seminário em Manaus ("Workshop 90") para sistematizar a opinião de especialistas e os dados disponíveis sobre prioridades para a criação de áreas protegidas na Amazônia brasileira [2]. Uma análise de lacunas utilizou as ferramentas recentemente disponíveis de sistemas de informação geográfica (GIS) para estimar a área protegida e desprotegida de cada tipo de vegetação em cada Estado da Amazônia Legal, com base no mapa de vegetação do Brasil em escala 1:5.000.000 [3]. O exercício produziu uma série de áreas candidatas para proteção com o objetivo de proteger alguma parte de cada tipo de vegetação em cada um dos nove estados da região. As áreas candidatas escolhidas tentaram minimizar o número de reservas para alcançar este objetivo, escolhendo os locais onde ocorrem mais de um tipo de vegetação desprotegida nas proximidades. As escolhas também procuravam evitar conflitos e obstáculos conhecidos. Uma consideração adicional foi sugerida por Peres e Terborgh [4] em uma proposta que iria organizar as prioridades por bacia hidrográfica e dar ênfase às áreas candidatas de proteção que sejam mais defensáveis do ponto de vista de acesso físico. O tamanho das reservas também é importante, e muitas considerações sobre a biodiversidade exigem grandes áreas contínuas [5].

Em 1995 a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) contratou a World Wildlife Fund dos EUA (WWF-US) para produzir um ranqueamento para a prioridade de conservação na América Latina e o Caribe, que foi publicado pelo Banco Mundial [6]. Além do número de espécies (riqueza de espécies) ou outros índices de diversidade de espécies dentro de um determinado habitat (diversidade alfa), o ranking leva em conta a diversidade beta, ou a substituição das espécies ao longo de gradientes ecológicos. Diversidade beta varia consideravelmente em toda a Amazônia, sendo mais alta perto dos Andes e diminuindo na medida em que se desloca em direção leste [7, 8]. Vários critérios além da diversidade também foram aplicados para dar prioridade às áreas ameaçadas e aos ecossistemas que são exclusivos ou precisam de proteção para conseguir uma representação regional. O resultado foi que mais florestas amazônicas tinham suas prioridades reduzidas em deferência aos ecossistemas ameaçados em outros lugares [9-11].

NOTAS

[1] Pádua, M.T.J. & Quintão, A.T.B. 1982. Parks and biological reserves in the Brazilian Amazon. Ambio 11(5): 309314.
[2] Rylands, A. 1990. Priority areas for conservation in the Amazon. Trends in Ecology and Evolution 5: 240-241.
[3] Fearnside, P.M. & Ferraz, J. 1995. A conservation gap analysis of Brazil's Amazonian vegetation. Conservation Biology 9(5): 1134-1147. doi: 10.1046/j.1523-1739.1995.9051134.x
[4] Peres, C.A. & Terborgh, J.W. 1995. Amazonian nature reserves: An analysis of the defensibility status of existing conservation units and design criteria for the future. Conservation Biology 9: 34-46.
[5] Peres, C.A. 2005. Why we need megareserves in Amazonia. Conservation Biology 19: 728-733.
[6] Dinerstein, E.; Olson, D.M.; Graham, D.J.; Webster, A.L.; Primm, S.A.; Bookbinder, M.P. & Ledec, G. 1995. A Conservation Assessment of the Terrestrial Ecoregions of Latin America and the Caribbean. International Bank for Reconstruction and Development -The World Bank. Washington, DC, E.U.A. 129 p.
[7] Ter Steege, H.; Pitman, N.C.; Phillips, O.L.; Chave, J.; Sabatier, D.; Duque, A.; Molino, J.F.; Prévost, M.F.; Spichiger, R.; Castellanos, H.; von Hildebrand, P. & Vásquez, R. 2006. Continental-scale patterns of canopy tree composition and function across Amazonia. Nature 443: 444-447.
[8] Ter Steege, H.; Pitman, N.; Sabatier, D.; Castellanos, H.; Van Der Hout, P.; Daly, D.C.; Silveira, M.; Phillips, O.; Vasquez, R.; van Andel, T.; Duivenvoorden, J.; de Oliveira, A.A.; Ek, R.; Lilwah, R.; Thomas, R.; van Essen, J.; Baider, C.; Maas, P.; Mori, S.; Terborgh, J.; Núñez Vargas, P. & Morawetz, W. 2003. A spatial model of tree alpha-diversity and tree density for the Amazon. Biodiversity & Conservation 12(11): 2255-2277.
[9] Fearnside, P.M. 1997. "A Conservation Assessment of the Terrestrial Ecoregions of Latin America and the Caribbean" by E. Dinerstein, D.M. Olson, D.M. Graham, D.J. Webster, A.L. Primm, S.A. Bookbinder and G. Ledec. Conservation Biology 11(4): 1040. doi:10.1046/j.1523-1739.1997.0110041037.x
[10] Fearnside, P.M. 2013. South American natural ecosystems, status of. In: S.A. Levin (ed.) Encyclopedia of Biodiversity, 2nd ed. Academic Press, San Diego, CA, E.U.A. doi:10.1016/B978-0-12-384720-1.00246-3
[11] Isto é uma tradução parcial atualizado de Fearnside, P.M. 2014. Conservation research in Brazilian Amazonia and its contribution to biodiversity maintenance and sustainable use of tropical forests. p. 12-27. In: 1st Conference on Biodiversity in the Congo Basin, 6-10 June 2014, Kisangani, Democratic Republic of Congo. Consortium Congo 2010, Université de Kisangani, Kisangani, República Democrática do Congo. 221 p. http://congobiodiversityconference2014.africamuseum.be/themes/bartik/fi…. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1).

Philip M. Fearnside fez doutorado no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM) desde 1978. Membro da Academia Brasileira de Ciências, também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis através de http://philip.inpa.gov.br.

http://amazoniareal.com.br/pesquisa-sobre-conservacao-na-amazonia-4-opo…

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