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Permanência de índios no Morro do Osso gera atritos

Zero Hora-Porto Alegre-RS
Autor: LÚCIA PIRES
05 de Out de 2004

Caingangues são provenientes de vilas da Capital

Um carregamento de madeira recebido na semana passada por caingangues acampados no Morro do Osso, em Porto Alegre, revoltou moradores do bairro Sétimo Céu e defensores do parque. Eles temem que o material seja usado para manter o grupo no local com a construção de casas.

Hoje, uma das três associações ligadas ao Parque Natural Morro do Osso deverá protocolar na prefeitura da Capital um pedido de providência imediata para a retirada dos índios do local. O documento destaca o direito de ir e vir da comunidade. Os índios ocupam uma via pública no entorno do parque desde abril.

- Não somos contra os índios, mas a situação está insustentável. Perdemos o direito de andar no local. Eles têm hábito de ouvir música alta, a rua está suja e bloqueada. Nem a Brigada Militar pode fazer ronda completa no bairro. Isso é um descaso da prefeitura - reclama Noris Balbuena, presidente da Associação de Defesa do Morro do Osso.

Uma vez por dia, a prefeitura abastece as duas caixas d´água instaladas no local, o que garante a sobrevivência das 18 famílias que integram a aldeia improvisada. Sob o comando do cacique Jaime Kentanh, cerca de 70 pessoas - entre elas mais de 30 crianças - passam o dia fazendo artesanato e evitam falar com a imprensa.

- As madeiras são para a sala de aula. As crianças vão aprender a nossa língua e a cultura indígena. Não somos invasores, só queremos proteger o que ainda resta das nossas terras. É menos da metade do que temos direito - diz Faustino Feliciano, 38 anos, homem de confiança do cacique.

Os caingangues acreditam haver no local um cemitério onde estariam enterrados os ossos de seus antepassados. Diante da informação - descoberta na Internet -, garantem que só sairão da rua para dentro do parque, onde pretendem preservar a cultura e cuidar da natureza.

A motivação indígena é legítima, segundo Sérgio Baptista da Silva, professor do programa de pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estudioso há mais de 10 anos da tribo caingangue, ele confirma a existência de um sítio arqueológico indígena no local:

- Faz sentido para eles viver na área. Mas o direito reivindicado entra em conflito com outros dois: o ambiental e o de patrimônio. Esperamos do governo uma solução inédita no país, na qual todos sejam respeitados.

A ocupação da Rua Professor Padre Werner pelos índios foi apresentada ao Ministério Público Federal, em junho. Conforme o procurador federal e chefe da procuradoria da República, Marcelo Beckhausen, a reivindicação implica processo administrativo de identificação, delimitação e demarcação de terra indígena.

- Aguardo que a Funai (Fundação Nacional do Índio) constitua um grupo de trabalho e apresente laudos e estudos sobre o caso. Não podemos adiantar o que pode acontecer - disse Beckhausen.

( lucia.pires@zerohora.com.br )

Saiba mais
A área tem aproximadamente 228 hectares com o topo situado a uma altitude de 137 metros.
Entenda o caso
- Treze famílias caingangues invadem uma área do Parque Natural do Morro do Osso, reserva ambiental no extremo sul de Porto Alegre, no dia 9 de abril. Oriundos de bairros e vilas populares da Capital, alegam que o Morro do Osso teria abrigado um cemitério indígena.
- Em 16 abril, os índios foram despejados.
- Prometendo retornar para a área invadida, o grupo acampa em uma rua às margens do Morro do Osso.
- A reivindicação indígena foi levada pelo Ministério Público Federal à Fundação Nacional do Índio.
- Hoje, vivem no acampamento 18 famílias com cerca de 70 pessoas. A aldeia improvisada pretende iniciar a construção da primeira escola indígena em via pública.
Contraponto
O que diz Luiz Antônio Brenner Guimarães, secretário municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana:
"Estamos participando de reuniões com o Ministério Público Federal para tentar resolver o problema. Temos tentado convencê-los a sair com propostas concretas. A prefeitura oferece espaço na Lomba do Pinheiro, em uma área adquirida pela prefeitura para assentar os índios. Mas não estamos avançando. A Justiça determinou à prefeitura colocar água para os índios no local."
O que diz Arthur Nobre Mendes, diretor de Assuntos Fundiários da Fundação Nacional do Índio (Funai):
"Não vamos deixar o Ministério Público sem resposta, mas a Funai ainda está avaliando se será preciso ou não montar o grupo de trabalho solicitado. Não há elementos suficientes que indiquem a necessidade de criar o grupo."

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