VOLTAR

Período de seca leva paulistas a recorrer até a poços artesianos

O Globo, Economia, p. 24
10 de Mai de 2014

Período de seca leva paulistas a recorrer até a poços artesianos
Estiagem reduziu a menos de 10% nível da água que abastece São Paulo

Roberta Scrivano
Lino Rodrigues

SÃO PAULO Enquanto o governo paulista nega a possibilidade de um racionamento em razão da estiagem e reduziu a menos 10% o nível de água do sistema Cantareira, que abastece 47% da região metropolitana de São Paulo, indústrias e estabelecimentos comerciais já buscam alternativas para continuar funcionando caso os cortes de água se confirmem. Aos varejistas, a Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP) vem recomendando que ampliem a capacidade de suas caixas d'água. Outros estabelecimentos, como os shopping centers têm optado por poços artesianos como uma fonte alternativa.
Pelo menos 20 shoppings na Grande São Paulo já usam poços artesianos, com pequenas estações de tratamento, para complementar o suprimento de água. É o caso do Iguatemi e do Granja Viana, dois dos mais sofisticados da cidade. O Shopping Paulista, que não tem poço, está racionado o uso da água e já trocou os equipamentos de limpeza das garagens por sistemas novos, que fazem lavagem a seco. E também pediu autorização para perfurar um poço. Até colégios, como o tradicional Santa Cruz, estão recorrendo aos poços para enfrentar um eventual racionamento.
- É uma viagem ao passado, para ter água, hoje, em São Paulo, precisamos de poços artesianos - diz José Goldemberg, professor da USP, que é presidente do Conselho de Sustentabilidade da Fecomércio- SP.
Luiz Augusto Ildefonso, diretor da Alshop (associação que representa os shopping centers), diz que ainda não é uma reação em cadeia, mas que alguns centros já fazem prospecção para instalação de poços como autodefesa, caso o cenário de escassez se agrave.
- O risco de agravamento da crise já é uma preocupação grande, especialmente nos grandes centros de compra - afirma Idelfonso.
Para Goldemberg, contudo, os setores que mais seriam prejudicados pelo racionamento são os negócios de menor porte, e também restaurantes, lavanderias e hospitais. A QualityLave, na Zona Oeste da capital paulista, chegou a fechar as portas em fevereiro por causa da falta d'água no bairro. Depois do susto, o dono da lavanderia, Reginaldo Silva, decidiu investir em filtros para a reutilização da água nas lavagens.
- Sem água, lavanderia não funciona. Se tiver racionamento, eu quebro. Então, preferi fazer esse investimento extra para poupar água na caixa, caso pare o fornecimento - disse.
A rede de restaurantes Divino Fogão, uma das maiores de comida brasileira, também já adota medidas preventivas. Com receio do racionamento, conta Emiliano Oliveira da Silva, diretor de operações da rede, a empresa já começou a trocar suas torneiras por modelos com pedal, que param de soltar água quando a peça não está acionada. E também está instalando equipamentos que reduzem a pressão da água para evitar desperdício. O objetivo é reduzir em 20% o consumo e manter mais água na caixa.
Ricardo Slinger, especialista em recursos hídricos, diz que o uso de poços artesianos tem crescido vertiginosamente também em condomínios residenciais. Um artifício facilitado pelo fato de que grande parte da cidade de São Paulo fica sobre o aquífero Guarani. O problema, advertiu, é que essa reserva já dá sinais de diminuição pela excessiva exploração.
- Sem contar o Guarani, há uma rede de lençóis freáticos relativamente rasos em São Paulo, fáceis de explorar e muito difíceis de fiscalizar - acrescentou Slinger.
contaminação do subsolo
A contaminação do subsolo causada por falhas no tratamento e encanamentos de esgoto da capital, alerta Goldemberg, torna a opção pela água dos poços uma solução de risco.
Desde fevereiro, quando a Sabesp cortou em cerca de 20% o fornecimento, a prefeitura de Guarulhos, cidade de 1,2 milhão de habitantes da região metropolitana, faz um "rodízio" entre os bairros na distribuição. Paralelamente, negocia com o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) a utilização de parte da água de uma manancial que já é explorado por uma fábrica da AmBev, e que é uma das nascentes que formam o rio Paraíba do Sul.
Maior da América Latina e privatizado no ano passado, o aeroporto de Cumbica, também em Guarulhos, só não está sendo afetado porque não depende mais da Sabesp, conseguindo toda a água que utiliza de poços artesianos perfurados em diferentes pontos da extensa área que ocupa.
Na indústria, os problemas ocorrem desde o início do ano e o clima é de alerta. Em fevereiro, a Rhodia teve de parar a produção de uma fábrica em Paulínea, que capta água do rio Atibaia, que faz parte do Sistema Cantareira. Com o baixo nível do rio, os captadores da empresa não conseguiam drenar a água e a fábrica ficou parada duas semanas, tendo que importar os produtos da Europa e da Ásia. Foi a primeira paralisação da empresa em 72 anos de operação no país. Para minimizar os prejuízos, a Rhodia deslocou os 122 empregados da planta de Campinas para atividades de manutenção e treinamento, que estavam planejadas para os próximos meses.
- Não podemos recomendar a instalação de mais uma caixa d'água, como faz o comércio, porque as escalas industriais são muito maiores. Sem água, as indústrias fecham - disse o diretor do Departamento de Infraestrutura da Fiesp, Carlos Cavalcanti.
Até a hidrovia Tietê-Paraná, que corta o interior do estado e por onde são transportadas anualmente 6 milhões de toneladas de diferentes produtos - celulose, madeira, etanol e parte da soja colhida no Mato Grosso e em Goiás, rumo ao Porto de Santos -, já enfrenta problemas com baixo nível do rio. No dia 1o, dois comboios da Louis Dreyfus Commodities, com oito mil toneladas de soja, encalharam no leito do rio. Isso levou o Departamento Hidroviário de São Paulo a emitir comunicado informando que o calado de navegação na Tietê-Paraná será reduzido de 2,3 metros para 2,2 metros.

O Globo, 10/05/2014, Economia, p. 24

http://oglobo.globo.com/economia/periodo-de-seca-leva-paulistas-recorre…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.