Diário de Cuiabá-MT
Autor: RODRIGO VARGAS
24 de Fev de 2002
Etnia paresi move ação popular contra a União, DNER e a Funai a fim de impedir mudança em traçado de rodovia
O paresi Fernando Omozokiê mostra o recibo entregue a motoristas no pedágio, que existe desde 1998
Um momento inédito na história da relação entre brancos e índios se desenrola desde o ano passado na Justiça Federal em Mato Grosso. As duas maiores associações que representam os índios paresi estão à frente de uma ação popular contra a União, o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) para impedir que o traçado do novo segmento da BR-364 seja desviado de suas terras.
É a primeira vez, em séculos de contato, que um grupo indígena brasileiro tenta obter na justiça o direito de ter suas terras cortadas por uma rodovia. A decisão é questionada por indigenistas e antropólogos, tem o apoio irrestrito dos fazendeiros da região médio-norte e significa um ponto de ruptura de conseqüências imprevisíveis para o futuro da etnia.
A primeira audiência sobre o caso aconteceu na terça-feira (19), na sede da Justiça Federal em Cuiabá. Na ação popular, as associações Waimaré (520 índios de 13 aldeias) e Halitinã (759 índios de 40 aldeias) defendem a manutenção do traçado previsto no edital de Concorrência Pública lançado pelo DNER em 1998.
Conforme o projeto, seria asfaltado o trecho de 65 quilômetros da estrada "Nova Fronteira", aberta em 1984 após acordo entre a associação dos produtores rurais da região dos rios Alto Juruena e Papagaio e as lideranças paresi.
A estrada, cujo segmento em questão corta ao meio a Terra Indígena Utiariti (412 mil hectares), liga a região de Tangará da Serra e Campo Novo do Parecis à Sapezal (veja mapa) e a saída para Rondônia. Um "atalho" que já se consolidou como rota para o escoamento da produção agrícola da região médio-norte em direção à hidrovia Madeira-Itacoatiara (AM).
Mas, como seu traçado esbarrava no parágrafo 6o do artigo 231 da Constituição Federal, que considera "nulos e extintos" quaisquer empreendimentos que resultem ou dependam da "ocupação, o domínio e a posse" das terras indígenas, o DNER resolveu alterar o projeto, contornando pelo norte a área paresi.
A decisão foi publicada em janeiro de 2001 e tem o referendo da Funai e do Ministério Público Federal. Por outro lado, afeta diretamente o interesse dos produtores rurais, uma vez que tornará a viagem 166 quilômetros mais longa, encarecendo o frete.
E também o dos índios, por ameaçar a continuidade da cobrança do "direito de passagem" (R$ 5 por veículo), que, desde 1998 (veja matéria), vem sendo a única fonte segura de renda para a etnia - em torno de R$ 300 mil por ano, segundo estimam as associações.
"Não é muita coisa porque as aldeias são muitas, mas é este pedágio que ajuda na educação, na saúde e um pouco na nossa agricultura", diz a presidente da Associação Waimaré, Miriam Kazaizokairo, que esteve em Cuiabá acompanhando a audiência.
De acordo com a líder paresi, o temor de todos na etnia é que, com a construção do novo traçado, a rota atual seja pouco a pouco abandonada pelos produtores. "É a nossa única forma de sobrevivência. Não podemos perdê-la", afirma.
O cacique João Arrezomae, que ainda era o presidente da Associação Halitinã quando a ação foi proposta, lembra que a aceitação do asfalto está condicionada à manutenção da cobrança de passagem - que juridicamente não se sustentaria na nova rodovia (veja matéria).
"Queremos e aceitamos o asfaltamento, mas só se o pedágio continuar por toda a vida. Senão vai ser o progresso do branco e nada para o índio", diz o cacique. "A gente precisa do dinheiro porque a Funai está sem recurso e a gente nossa está aumentando".
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