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Peixes ficam vorazes com ansiolíticos

O Globo, Ciência, p. 32
15 de Fev de 2013

Peixes ficam vorazes com ansiolíticos
Cientistas suecos dizem que resíduos do remédio podem impactar ambiente

Duilo Victor
duilo.victor@oglobo.com.br

Quem toma ansiolíticos prescritos por psiquiatras para tratar sintomas de ansiedade, como Lexotan e Rivotril, tem o poder de mudar o nível de humor das pessoas com quem convive, mas nem imagina que pode alterar também o comportamento de inocentes peixes de água doce, a depender de onde vai parar o esgoto de sua casa. Pesquisadores da Universidade de Umea, na Suécia, avaliaram em laboratório o efeito de resíduos mínimos de um remédio para o mesmo sintoma e bastante usado no mundo todo, o oxazepam, na vida de uma espécie de peixe chamada Perca fluviatilis, da mesma família das tilápias. A conclusão é que os peixes se tornaram mais vorazes com a comida, mais destemidos - o que os expunha a perigos - e mais antissociais, atitudes que podem desequilibrar o ambiente da espécie e afetar a reprodução do animal.
Contaminação Simulada
Os cientistas tiraram como padrão a quantidade de oxazepam encontrada no rio sueco Fyris para simular as concentrações testadas em laboratório. Os peixes foram criados em água com concentração de 1,8 micrograma (o milésimo da miligrama) em cada litro de água - três vezes mais que a quantidade encontrada no rio -, enquanto outro grupo foi criado em uma concentração 1.500 vezes maior e um terceiro em tanque sem a droga. As benzodiazepinas - família do oxazepam - são bastante resistentes à ação da luz, o que pode explicar sua presença na água. Além disso, os peixes concentram na sua carne até seis vezes mais do princípio ativo do que no ambiente onde estão.
- Quando sozinhos, os peixes expostos ao oxazepam ousaram deixar áreas de refúgio e entrar em locais potencialmente mais perigosos - explicou Tomas Brodin, coautor do estudo, em um comunicado.
- Em contraste, peixes não expostos ficaram escondidos em seu refúgio. Os peixes no tanque com o remédio pareceram menos estressados e medrosos,
com comportamento mais calmo e ousado.
Ayrton Figueiredo Martins, líder do Grupo de Pesquisa em Química Analítica Ambiental da Universidade Federal de Santa Maria, pondera que as pesquisas feitas nesta área ainda não tiveram comprovação em testes no ambiente natural, fora do laboratório.
- Apesar do volume de pesquisas e a comprovação em testes de laboratório, o efeito direto nos organismos aquáticos é raro. Mas temos que considerar tais estudos porque não há pesquisas ecotoxicológicas de longo prazo, já que a técnica de analise com tamanha precisão se desenvolveu dos anos 90 para cá. Por isso, não se sabe o que pode ocorrer se os resíduos e o tratamento de água continuarem iguais daqui a cem anos - avalia Martins.
O pesquisador brasileiro destaca que, além de drogas psicoativas, testes semelhantes aos dos pesquisadores suecos já foram feitos com várias outras substâncias, como conservantes, antibióticos e anticoncepcionais. Os antibióticos, ressalta Martins, permanecem na água porque são feitos para resistir mais tempo e programados para matar micro-organismos. Ele conta que uma pesquisa feita em um rio do estado do Colorado, nos EUA, já detectou traços do estrogênio de anticoncepcionais, o que estaria feminilizando os peixes mas, segundo Martins, com efeito bem limitado e localizado. Apesar das evidências, o pesquisador esclarece que não se pode demonizar qualquer resíduo químico feito pelo homem.
- Nenhum ambiente fica parado no tempo. Árvores liberam fitoesteroides, substância semelhante ao estrogênio, em quantidade maior na água, sem que se saiba com precisão seus efeitos. Da mesma forma que se modifica o ambiente, a ciência pode criar métodos de tratamento de água e princípios ativos menos resistentes.

"Não se sabe o que pode ocorrer se os resíduos e o tratamento de água forem iguais daqui a cem anos" Ayrton Martins, Químico ambiental

O Globo, 15/02/2013, Ciência, p. 32

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