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Para Santilli, índios devem ser capitalistas a seu modo

FSP, Entrevista da 2ª , p. 1-4
Autor: SANTILLI, Márcio
11 de Set de 1995

Para Santilli, índios devem ser capitalistas a seu modo
Presidente da Funai diz que indígenas devem montar suas próprias empresas

Abnor Gondim
Da Sucursal de Brasília

As riquezas naturais das reservas indígenas devem ser exploradas porque índio não vive de vento e deve ser capitalista a seu modo.
Essa é a posição do novo presidente da Funai, o ex-deputado paulista Márcio Santilli, 39, que vai assumir o posto em substituição a Dinarte Madeiro.

"A geração de excedente econômico é uma necessidade para qualquer comunidade indígena", disse Santilli à Folha.
Em Brasília, ele dirigia um dos três escritórios do Isa (Instituto Socioambiental), organização não-governamental (ONG) com 40 funcionários e orçamento de US$ 2,6 milhões para este ano.

É a primeira vez que um dirigente de entidade defensora dos índios assume a Funai. Teve seu nome endossado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi seu correligionário no PMDB.

Santilli entrou quase que por acaso na questão indígena. Em 83, por falta de outro peemedebista interessado, foi escolhido pelo partido para participar da Comissão dos Índios, criada a pedido do ex-deputado Mário Juruna (PDT-RJ), e não largou mais a causa indígena. A seguir os principais trechos de sua entrevista:

Folha - O governo tem recursos para demarcar todas as áreas indígenas no país?

Santilli - O problema não é de recursos. Nesta semana deverá ser aprovado o contrato do governo brasileiro com o governo alemão referente ao plano piloto do G-7 (grupo dos sete países mais ricos) para a Amazônia Legal. Este contrato aloca US$ 30 milhões para demarcação e identificação de quase todas as áreas indígenas da região amazônica não-demarcadas e não-identificadas. Restará apenas um resíduo, que pode ser atendido pelo Orçamento da União.
Folha - A maior parte das reservas está na Amazônia?

Santilli - Estão na região 98% das reservas. Mas 48% dos índios do Brasil está fora da Amazônia e vive apenas em 2% das áreas indígenas. Então, você tem uma situação meio esquizofrênica.

Folha - Existe muita terra para pouco índio na Amazônia?

Santilli - Não concordo. Acho que há muita terra para tudo na Amazônia. Há imensos latifúndios nas mãos de poucas pessoas, há uma grande extensão territorial nas unidades de conservação, imensas extensões de terras devolutas que são desconhecidas, imensas extensões de terras destinadas ao uso exclusivo das Forças Armadas e ainda um quadro de de população do interior e superpopulação nas capitais.

Folha - O que o sr. acha da frase do sociólogo Hélio Jaguaribe, de que os índios vão acabar até o ano 2000?

Santilli - Acho que Jaguaribe está desmentido pelos dados demográficos da população indígena.

Folha - Ele disse que os índios iriam acabar como cultura.

Santilli - Falta informação antropológica ao Hélio Jaguaribe. O fato de um índio usar relógio, falar português e criar empresa não significa que ele deixou de ser índio. Significa que ele está estabelecendo relações com a sociedade nacional a partir da situação concreta de ser índio. O brasileiro não deixa de ser brasileiro por usar calça jeans, andar em um carro japonês, viajar para a Europa ou por gostar de música norte-americana.

Folha - O fato de os índios caiapós terem permitido a exploração de madeira e ouro em suas terras acabou com o mito de que os índios defendem a floresta?

Santilli - Se você for ao sul do Pará e fizer um sobrevôo, vai notará que florestas ainda existem dentro das áreas indígenas. Não há muito mais fora delas. Por outro lado, é ilusão imaginar que índios sejam ecologistas atávicos. A forma de vida deles depende da floresta. É mais fácil convencer os índios a fazer um manejo adequado da floresta do que convencer um fazendeiro a não plantar pasto.

Folha - O projeto do novo Estatuto das Sociedades Indígenas diz que eles podem explorar madeira, ouro...

Santilli - E devem poder, porque ninguém vive de vento. A partir do momento em que você trava contato com a sociedade nacional, você tem necessidade de medicamentos, transporte, enfim, do facão ao avião. Você não pode imaginar que uma economia indígena nos moldes tradicionais dará aos índios condições de manter intercâmbio com a sociedade envolvente em torno desses bens. Eles precisam gerar um excedente econômico. Não com esse contrato que hoje vigora, no qual o índio não participa da exploração e tem ao final a terra devastada. Ao contrário: que eles sejam os próprios empreendedores da produção em sua terra.

Folha - Quer dizer que o índio precisa se enquadrar no padrão capitalista?

Santilli - Ao seu modo. Acho que eles necessitam de relações com o mercado, mas elas devem ser diferenciadas.

Folha - O presidente Fernando Henrique Cardoso disse que a Funai poderia ser mais eficiente.

Santilli - A Funai precisa ser urgentemente reestruturada. Minha proposta para a Funai é desenvolver programas segundo as especificidades de cada região. Outra coisa é o governo ter a decisão política de concluir a demarcação de todas as terras indígenas ainda neste mandato. Isso não é uma dádiva aos índios. É essencial para eles e para qualquer proposta de desenvolvimento na Amazônia e de outras regiões.

Folha - É justa a reclamação de que as terras ianomâmis são ricas em minérios e a lei impede sua exploração?

Santilli - Não é verdade. Sobre mineração, a Constituição estabelece procedimentos. No caso da madeira, o novo Estatuto das Sociedades Indígenas prevê que os empreendimentos podem ser dos próprios índios, o que não os impede de se assessorar ou se associar a empresas ou pessoas não-indígenas.

Folha - Os caiapós devem montar uma empresa para exportar mogno?

Santilli - Sim, como hoje você tem empresas indígenas (Aukre e Pukanu Tradies Companies) que vendem castanha do Pará a Body Shop. Os recursos naturais das reservas devem ser explorados.

Folha - O que faz uma ONG como a que o sr. dirigia confiar em um governo tido como "neoliberal"?

Santilli - A posição das ONGs não é ser contra o governo, é ter independência em relação ao governo. É uma não-governamental, não uma antigovernamental.

RAIO X
Nome: Márcio José Brando Santilli
Idade: 39 anos
Formação: filosofia (1976) pela Universidade Estadual Paulista
Cargos: deputado federal (1983-87), assessor de ONGs na Constituinte de 88, fundador do Núcleo de Direitos Indígenas e do Instituto Socioambiental
Família: está esperando o terceiro filho com sua atual mulher, Juliana, advogada do Instituto Socioambiental
Livro que está lendo: "O Direito do Brasil", de Joaquim Nabuco, sobre a disputa territorial do Brasil com o Reino Unido e a França sobre as fronteiras com as Guiana

FSP, 11/09/2005, Entrevista da 2ª, p. 1-4

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