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Para salvar a CTNBio

OESP, Notas e Informações, p. A3
03 de Ago de 2006

Para salvar a CTNBio

Com enorme atraso, sacudido por numerosos alertas, o Planalto parece ter enfim despertado para os efeitos da bem-sucedida guerrilha administrativa movida pelos intratáveis opositores dos transgênicos e do agronegócio em geral, com assento na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Incumbe a esse colegiado multidisciplinar de 27 membros, criado em 1995 e reformulado no último ano, julgar os eventuais riscos para a saúde e a natureza de espécies geneticamente modificadas que se pretendam cultivar para fins comerciais e de pesquisa.

O trabalho de sapa dos partidários menos ou mais ostensivos do medieval movimento "Por um Brasil livre de transgênicos" - em especial os representantes dos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, e ainda do Ministério Público Federal - consiste essencialmente em multiplicar os empecilhos e manobras protelatórias para travar as deliberações da comissão.

Quando a letra miúda da legislação também joga a favor da inércia, como no caso de certas provisões da Lei de Biossegurança aprovada em 2005, o resultado é alarmante. Espertamente aproveitados, os meandros legais conseguem empurrar os trabalhos da CTNBio na direção de um muro virtualmente intransponível: segundo fontes do setor, um pedido de plantio de uma variedade transgênica pode levar mais do que um ano e meio. Não espanta, portanto, que haja 536 processos à espera de parecer da comissão.

Piores ainda, do ponto de vista institucional, são os indícios de seu desmanche. Os cientistas que ali representam a comunidade acadêmica e que procuram se guiar pela objetividade no seu cotidiano profissional têm escasso tempo e paciência quase nenhuma para ouvir asnices e presenciar demonstrações explícitas de má-fé em sessões aborrecidas, intermináveis e, afinal, estéreis. Em conseqüência, de reunião em reunião diminui o comparecimento de integrantes sérios do órgão, alguns dos quais, entre eles um geneticista, um botânico, uma médica e um agrônomo, já pediram para deixá-lo.

Meses atrás, quando o delegado da Embrapa na comissão, Edilson Paiva, contou a este jornal que "um grupo que notadamente está lá para atrapalhar fica se atendo a picuinhas, e não se avança no principal", outro membro, Rubens Nodari, do Ministério do Meio Ambiente, quis que ele fosse punido por "falta de decoro". O episódio dá idéia do esforço programado para vencer pelo cansaço ou pela exasperação os cientistas que se recusam a pôr viseiras ideológicas.

O presidente Lula decidiu reunir-se com os 11 ministros que formam o Conselho Nacional de Biossegurança para cobrar mais agressividade dos seus representantes na CTNBio e dar um "puxão de orelhas" nos responsáveis pela sua sabotagem ininterrupta, a começar da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. Ao mesmo tempo, os membros do governo cientes dos prejuízos ao País causados pela fronda do atraso começaram a se manifestar com mais ênfase. "O mundo não vai esperar as decisões burocráticas brasileiras", adverte o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, citado pelo Valor.

De seu lado, o novo titular da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, inequivocamente favorável aos transgênicos - "são usados há mais de 10 anos no mundo e até hoje não foi identificado um mal-estar decorrente disso", declarou à Folha de S.Paulo -, chama a atenção para o fato de que o imobilismo da CTNBio afeta sobremodo a Embrapa, um dos centros mais avançados do mundo no setor. "Pensam alguns que, paralisando as pesquisas, se resguardam os interesses nacionais em prejuízo das multinacionais. Eu diria que é o inverso", argumenta, aludindo às empresas com variedades transgênicas já autorizadas no Brasil.

É de recear, no entanto, que puxões de orelha ou exortações ao patriotismo dos ecofundamentalistas não bastem. Há quem considere necessário rever o próprio modelo institucional da CTNBio e a regulamentação que permite tolher as suas decisões, como o quórum de 2/3 para a liberação comercial de transgênicos. Um ex-presidente da comissão, o neurocientista Ésper Cavalheiro, acha que, em vez de permanecer ancorada no Ministério de Ciência e Tecnologia, ela deveria ser promovida a órgão de assessoria direta da Presidência. Não está claro se isso resolveria, mas em princípio nenhuma opção deve ser descartada para salvar a CTNBio.

OESP, 03/08/2006, Notas e Informações, p. A3

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