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Para onde vai o Ibama ?

OESP, Nacional, p. A6
Autor: NOVAES, Washington
27 de Abr de 2007

Para onde vai o Ibama ?

Opinião
Washington Novaes

Só o tempo e a prática vão dizer se a cisão no Ibama terá os resultados anunciados ou se destinou a resolver os problemas políticos causados pelo processo de licenciamento das hidrelétricas do Rio Madeira.

O tempo e a rotina mostrarão se a simples criação de um instituto separado para cuidar das áreas de proteção resolverá o problema destas, quando a questão central nesse setor sempre foi e continua sendo a falta de recursos - para pagar indenizações a proprietários desapropriados, resolver o problema de populações que já ocupavam o interior de áreas criadas, para criar (e pagar) estruturas de fiscalização e gestão. Para ficar em um só exemplo: há poucos anos, quando esteve no Parque Nacional do Jaú, maior que a Bélgica, o autor destas linhas ali encontrou apenas um guarda terceirizado, na confluência das águas dos Rios Jaú e Negro; dentro do parque, centenas de famílias que já moravam ali quando da criação; e centenas de igarapés, sem nenhuma fiscalização, abrindo passagem para madeireiros clandestinos.

Da mesma forma no licenciamento. Nos últimos meses, o Ibama cansou-se de demonstrar quantas hidrelétricas licenciou, quantas obras em portos, etc. Mas o problema só se colocou por causa das hidrelétricas do Madeira e por causa de Belo Monte, no Rio Xingu - megaobras que o governo federal parece querer a qualquer preço, para viabilizar o PAC.

Quem conhece a história de hidrelétricas no Amazônia tem de ser mesmo cauteloso. Basta lembrar os desastres ambientais e econômicos das usinas de Samuel e Balbina, onde se gastaram fortunas para produzir muito menos energia que a projetada. Pode trazer à discussão os desastres ambientais, sociais e sanitários de Tucuruí, para produzir energia subsidiada destinada a fabricar alumínio para países que não querem arcar com esses custos.

Pode até sair da Amazônia e chegar a Serra da Mesa, que deixou o Rio Tocantins seco em mais de 40 quilômetros durante anos. Ou pode ir ao Sul, ao processo de liucenciamento da usina de Barro Grande, onde o estudo de impacto ambiental e o licenciamento se 'esqueceram' de que seriam inundados milhares de hectares de uma floresta de araucárias que precisaria ser preservada.

Pode sair da área ambiental e lembrar que o Ibama concedeu licença prévia a um projeto como de transposição de águas do Rio São Francisco, onde ele mesmo apontou 41 questões graves a serem resolvidas, como a de destinar mais de 50% das águas a serem transpostas para projetos de irrigação em terras já desertificadas ou ameaçadas.

Talvez se concluísse, ao final, que o problema maior do Ibama tenha sido a condescendência, não o rigor. Talvez se visse que, no caso das hidrelétricas do Madeira, seria mesmo temerário licenciar um projeto em que as próprias empresas construtoras afirmam que em uma década o reservatório estará com 50% de sua capacidade comprometida pela acumulação de sedimentos (O Globo, 26/4). Um projeto em que não se diz quanto custarão as linhas de transmissão (fala-se em mais R$ 20 bilhões).

Principalmente, é muito difícil discutir tudo isso sem um exame sereno da matriz energética brasileira. Terá razão a Unicamp, que num estudo recente aponta a possibilidade de economizar mais de 30% no consumo atual - sem falar em ganhos possíveis com repotenciação de usinas vencidas e ganhos na transmissão? Se tudo isso é possível, por que não repensar projetos precipitados e não redirecionar investimentos para setores tão carentes como a saúde, a educação, a segurança ?

Seria melhor do que fazer de conta que o problema são os bagres.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 27/04/2007, Nacional, p. A6

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