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Para especialistas, comprar terra na Amazônia 'é ingenuidade'

BBC Brasil
14 de Jun de 2007

Para especialistas, comprar terra na Amazônia 'é ingenuidade'
Organizações ambientalistas que trabalham na região amazônica criticam a proposta da Cool Earth de comprar terras na região, pela dificuldade em se estabelecer a propriedade legítima de muitos desses terrenos.

Denize Bacoccina
De Brasília

Eles chegam a classificar a proposta de ingênua e dizem que a melhor maneira de uma organização estrangeira ajudar a preservar a floresta é se aliar ao governo para colocar em prática os vários projetos de "reservas de papel" que já existem na região e precisam de recursos para ser efetivados.

"Há uma falsa impressão de que não se pode confiar no governo, mas na verdade uma área privada pode dar uma instabilidade maior", diz o supervisor de Conservação da WWF, Claudio Maretti.
O ambientalista Paulo Adario, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, considera a medida"ingênua, embora bem intencionada".

"É uma visão de pessoas bem intencionadas, mas que desconhecem a complexidade e dificuldade do local", afirmou Adario, que vive em Manaus, onde fica o escritório regional do Greenpeace que cuida da Amazônia.

Grilagem
Ele diz que o processo de grilagem de terras públicas na região foi tão intenso que hoje em dia é muito difícil conseguir grandes extensões de terras com documentação legal.

"Não existem grandes áreas de terra à venda com documentação razoável. A questão da propriedade de terras na Amazônia é um pesadelo", afirmou.

"A compra de áreas privadas pode alimentar a indústria da grilagem e levar a mais desmatamento", diz Maretti.
Além disso, o endurecimento da legislação tornou mais difícil a regularização de terras de origem duvidosa e impede a venda de terras em áreas de floresta. Segundo Adario, do Greenpeace, apenas 23% da área total da Amazônia são de propriedade privada regularizada, e 18% do total já foram desmatados.

Outros 41% são terras públicas com destinação já definida, como reservas indígenas e assentamentos. "Os 37% restantes são terras públicas que estão sendo disputadas", diz Adario.

O ambientalista Marcio Santilli, coordenador da campanha 'Y Ikatu Xingu do Instituto Socioambiental, também considera o método inadequado e teme que a compra de terras, mesmo para preservação, pode aumentar ainda mais a grilagem na região.

"Existe um caos fundiário nesta região, e isso só vai colocar dinheiro na mãos dos grileiros", afirmou.
Santilli diz que a proteção ambiental por meio da compra de terras enfraquece o idéia que eles consideram mais correta, de regularização das terras públicas através de instrumentos como áres de proteção e reservas extrativistas.

Neste caso, pessoas que são da região podem continuar vivendo no local e explorar economicamente a floresta - por exemplo, com a colheita de castanhas - mas não podem desmatar, não têm títulos de propriedade e portanto não podem comercializar as terras.

"Já temos instrumentos legais para lidar com isso. A privatização seria um capitalismo selvagem", afirmou.
A melhor maneira de ajudar a preservar a floresta, na avaliação do Greenpeace, é se aliar ao governo brasileiro na vigilância de áreas que já foram destinadas a projetos de conservação, mas que não saíram do papel por falta de recursos.

Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental, também defende a atuação das ONGs estrangeiras em cooperação com o governo brasileiro. "Vale mais a pena investir nisso, num jogo casado com o Poder Público, do que tentar áreas privadas", diz ele.

Essas áreas protegidas estão, por exemplo, na divisa entre os Estados de Mato Grosso e Amazonas, e ao longo da Rodovia BR 163, que liga Cuiabá a Santarém.
Estima-se que 80% das áreas desmatadas estejam numa faixa de 100 quilômetros ao longo das rodovias que cortam a região.

A WWF participa junto com o governo brasileiro, o governo alemão e o Banco Mundial de um fundo para a conservação de uma área que nos próximos seis anos deve chegar a 50 milhões de hectares, o equivalente a 12% do território amazônico. "O que nós dizemos é: se você que proteger, compre virtualmente uma área, ajudando com este fundo", afirmou Maretti.

Este fundo já tem US$ 50 milhões e a meta é chegar a US$ 400 milhões em dez anos. Os recursos devem ser usados para projetos de manejo florestal que além de conservar a floresta também oferecem uma alternativa de trabalho e renda para a população que vive na floresta - cerca de 22 milhões de pessoas.

BBC Brasil.com, 14/06/2007

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