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Palpite infeliz

FSP, Opinião, p. A2
Autor: SILVA, Marina
11 de Ago de 2008

Palpite infeliz

Marina Silva

O Ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, fez afirmações no fórum de governadores da Amazônia, sexta-feira, em Cuiabá, que podem ser vistas como provocação para três grandes interlocutores: a sociedade civil, o Congresso e o próprio governo.
Para o ministro, o regime legal de proteção do meio ambiente "não foi construído para valer", mas como "retórica para aplacar não a nós mesmos, mas sobretudo os estrangeiros". Palavras que podem até ser tomadas como falta de respeito às pessoas que, nas organizações da sociedade civil, nos governos, nos legislativos, na academia, no setor privado, no meio jurídico e nos movimentos sociais trabalharam incansavelmente para levar o país a um patamar conceitual e jurídico compatível com a responsabilidade de ter um patrimônio ambiental incomparável.
Talvez tenha sido só falta de conhecimento sobre os processos que levaram ao atual arcabouço legal, que tem na Constituição de 88 um ponto de inflexão. Ela deu parâmetros claramente impressos nos marcos legais e nas políticas públicas desde então.
Na Amazônia, nas últimas décadas, o esforço conjunto que uniu desde comunidades tradicionais até pesquisadores de ponta e setores mais avançados do empresariado ostenta resultados que, longe de apontarem impropriedades na legislação ambiental, se valeram dela para criar alternativas mais justas e eficientes de vida, com respeito ao patrimônio natural.
Fazer tábula rasa disso tudo é reducionista e primário. Pergunto: o problema seria o suposto excesso de leis ambientais ou a resistência do velho vício patrimonialista que mistura o público com o privado e se imagina acima do interesse coletivo?
Poucos exemplos falam tão magistralmente do interesse coletivo quanto a proteção ambiental, pois cuida até mesmo de gerações que nem sequer nasceram. Não é tarefa fácil diante do imediatismo dos que tradicionalmente se opõem ao controle de suas atividades e não aceitam decisões nas quais o uso equilibrado dos recursos naturais e a participação da sociedade são tão importantes quanto o lucro ou metas de crescimento.
Se o ministro expressa alguma nova visão do governo federal sobre política ambiental, trata-se de enorme contradição e retrocesso.
Vai na contramão das conquistas históricas e de tudo o que foi feito nos últimos cinco anos e meio para reduzir os déficits da regulação ambiental e fazer a lei alcançar aqueles que se sentiam inatingíveis. É preocupante ver essa abordagem feita pela maior autoridade de um dos principais programas para a Amazônia, o Plano Amazônia Sustentável. É como se fosse uma senha para desconstituí-lo.

contatomarinasilva@uol.com.br

FSP, 11/08/2008, Opinião, p. A2

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