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ONU: Brasil tem 3a. pior desigualdade do mundo

O Globo, Economia, p. 33
23 de Jul de 2010

ONU: Brasil tem 3a. pior desigualdade do mundo
Dez dos 15 países com maior concentração de renda estão na América Latina. Situação brasileira melhorou recentemente

Carolina Brígido

Em seu primeiro relatório sobre desenvolvimento humano para a América Latina e Caribe em que aborda especificamente a distribuição de renda, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) constatou que a região continua sendo a mais desigual do planeta. Dos 15 países do mundo nos quais a distância entre ricos e pobres é maior, 10 estão na América Latina e Caribe. O Brasil tem o terceiro pior Índice de Gini - que mede o nível de desigualdade e, quanto mais perto de 1, mais desigual - do mundo, com 0,56, empatando nessa posição com o Equador.

Concentração de renda pior só é encontrada em Bolívia, Camarões e Madagascar, com 0,60; seguidos de África do Sul, Haiti e Tailândia, com 0,59. O relatório considera a renda domiciliar per capita e o último dado disponível em que era possível a comparação internacional. No caso do Brasil, porém, a desigualdade de renda caiu fortemente nos últimos anos e, em 2008, o Índice de Gini estava em 0,515.

Na região, os países onde há menos desigualdade são Costa Rica, Argentina, Venezuela e Uruguai, com Gini inferior a 0,49. Na média, segundo o Pnud, o Índice de Gini da América Latina e do Caribe é 36% maior que o dos países do leste asiático e 18% maior que os da África Subsaariana.

O relatório, denominado "Atuar sobre o futuro: romper a transmissão intergeneracional da desigualdade", mostra que a concentração de renda na região é influenciada pela falta de acesso aos serviços básicos e de infraestrutura, baixa renda, além da estrutura fiscal injusta e da falta de mobilidade educacional entre as gerações.

No Brasil, educação dos pais tem forte influência
No Brasil, por exemplo, a escolaridade dos pais influencia em 55% o nível educacional que os filhos atingirão.

O estudo também mostra que ser mulher indígena ou negra na região é, em geral, sinônimo de maior privação. As mulheres recebem menor salário que os homens pelo mesmo tipo de trabalho, têm maior presença na economia informal e trabalham mais horas que os homens. Em média, o número de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia é duas vezes maior entre a população indígena e negra, em comparação com a população branca.

Ainda segundo o relatório, a desigualdade na região é historicamente "alta, persistente e se reproduz num contexto de baixa mobilidade social". No entanto, para a entidade, é possível romper esse círculo vicioso - não com meras intervenções para reduzir a pobreza, mas com a implementação de políticas públicas de redução da desigualdade. Um exemplo são mecanismos de transferência de renda.
De 2001 a 2007, gasto social cresceu 30% na região
"A desigualdade deve ser combatida per se, como objetivo de política explícito", diz o documento.Mas essa diretriz parece não ter funcionado na região. "Os altos níveis de desigualdade têm sido relativamente imunes às diferentes estratégias de desenvolvimento implementadas na região", conclui o estudo.

Entre as conquistas da América Latina e Caribe, o estudo mostra que as mudanças na política social da região na década de 1990 se refletiram na distribuição de renda. O gasto público social apresentou tendência crescente e gira em torno de 5% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) dos 18 países da região, apesar das limitações fiscais enfrentadas pela maioria dessas economias.

Além disso, registrou-se na região um aumento do gasto social por habitante, em média, de quase 50% entre 1990 e 2001. Entre 2001 e 2007, o aumento foi de 30%. A maior parte do dinheiro concentrou-se nas áreas de seguridade e de assistência social - esta última, representada principalmente pelo aumento no número de aposentados.

Programas sociais são 20% da renda
Transferências crescem desde 1988, quando representavam só 8,1%

Gustavo Paul

Os programas de transferência de renda - incluindo aposentadorias, bolsa família e assistência social - representam 20% do total da renda das famílias brasileiras.

Desde a Constituição de 1988, esse percentual cresce acentuadamente, mostra levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 1988, essas transferências representavam 8,1% da renda familiar per capita.

Em 2008, 18,7 milhões de pessoas viviam com menos de um quarto de salário mínimo e, sem as transferências, seriam 40,5 milhões, ou seja, um aumento de 21,8 milhões de pessoas na situação de pobreza extrema. Para o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão, os dados mostram que a política de transferência de renda está sendo eficaz:
- O sistema público brasileiro de transferência de renda está interferindo na renda das famílias brasileiras. Essa é sua função.

De acordo com o Ipea, o peso da participação dos auxílios nos últimos anos compensou as perdas no rendimento salarial, devido à inflação e ao desemprego, observadas nos anos de 1980 e 1990. Entre a população mais pobre, o número de domicílios que passaram a receber esses recursos passou de 8,3% em 1978 para 58,3% em 2008.

Essas transferências de recursos não ocorrem apenas nos estados mais pobres. O destaque é a população do Rio de Janeiro, onde se verificou que 25,5% da renda das famílias vem dessas transferências, situando-se em quarto lugar, atrás de Piauí (31,2%), Paraíba (27,5%) e Pernambuco (25,7%). A razão, diz Abrahão, está nas características da população fluminense:
- O Rio tem uma grande proporção de idosos, superior à média nacional. Além disso, como ex-capital, o Rio concentra um número grande de funcionários públicos aposentados, cuja renda é superior à da previdência social.

Por isso, com 7% da população brasileira, o Rio aparece em segundo lugar no volume das transferências. O estado recebe 13,7% desses recursos, ficando atrás de São Paulo - que leva 23,5% do total, mas tem 21% da população.

O levantamento mostra ainda que, apesar do crescimento no número de pessoas cobertas pela previdência pública no Brasil - passou de 31,2 milhões em 1978 para 81,2 milhões em 2008 - o percentual de alcance do sistema pulou de 52% para 65% da população em idade ativa (entre 16 e 64 anos de idade).

Para idosos, cobertura é mais abrangente
Por outro lado, para a população acima de 65 anos, a cobertura é bem mais abrangente. Pelos dados do Ipea, o percentual de idosos atendidos passou de 73% em 1978 para 98% em 2008. Abrahão destaca esse desempenho:
- Ser idoso no Brasil hoje significa ter alguma cobertura social, o que garante cidadania para uma camada da população que esquecida antigamente.

O Globo, 23/07/2010, Economia, p. 33

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