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OMC obriga País a aceitar importação de pneus usados da União Européia

OESP, Vida, p. A14
13 de Mar de 2007

OMC obriga País a aceitar importação de pneus usados da União Européia
Governo deve recorrer da decisão e levar caso ao órgão de apelação da entidade, o que adiará uma decisão final

Jamil Chade

A União Européia (UE) venceu ontem a disputa contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) e forçou a abertura do mercado nacional para pneus usados, considerados "lixo" pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Depois de vencer vários contenciosos comerciais importantes nos últimos anos, agora será a vez de o Brasil ter de modificar suas leis diante do resultado do tribunal internacional. Brasília, porém, deverá recorrer da decisão e levar o caso ao órgão de apelação da OMC, o que adiará uma decisão final por meses.

A disputa foi aberta em 2005 por causa de uma lei brasileira de 2000 que estabelecia que produtos usados não podem ser importados. Pela norma, portanto, os pneus usados estariam impedidos de ser vendidos por outros países ao mercado nacional.

Antes da lei que barrava o produto, a Europa era responsável por 95% das importações do País. No total, os europeus vendiam 7,8 mil toneladas de pneus usados ao Brasil, ocupando 25% do mercado.

Ainda assim, cerca de 8 milhões de unidades de carcaças conseguiram entrar no mercado nacional em 2005 graças a ações judiciais de importadores - o que agora não será mais necessário.

O principal argumento europeu era de que o Brasil proibia de forma discriminatória a importação de pneus usados. Isso porque os países do Mercosul, principalmente o Uruguai, podem exportar produtos similares ao Brasil. De fato, os uruguaios só passaram a exportar para o mercado nacional depois que também venceram uma disputa no órgão de arbitragem do Mercosul.

Segundo o laudo da entidade, que é mantido em sigilo e entregue apenas aos governos em disputa, o Brasil praticava atos discriminatórios no comércio e precisa agora tratar de forma igual seus parceiros comerciais. Na prática, o País não poderia autorizar a importação apenas do Mercosul e impedir o comércio com a Europa.

Um dos argumentos brasileiros é de que a barreira tem razões ambientais, já que esse tipo de produto significaria um risco. Mas os europeus argumentam que se esse fosse o motivo real da barreira, toda a venda de pneus desse tipo teria de ser proibida.

DEPÓSITO DE LIXO

Já sabendo da dificuldade em defender a lei nos tribunais da OMC, o Itamaraty chegou a apresentar uma proposta ao governo que poderia evitar a derrota. A sugestão era autorizar a importação do produto europeu, mas elevar as tarifas a um nível que, na prática, impossibilitaria o comércio. Essa, por exemplo, é a prática adotada pelos Estados Unidos.

A proposta, porém, não teria sido aceita pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que na reunião pediu que os aspectos ambientais fossem levados em conta. Marina Silva chegou a ir à OMC e acusou a Europa de estar despejando lixo no País, inclusive com risco para a saúde. Para o Ministério do Meio Ambiente (MMA), um dos problemas é que o País não tem a capacidade de reciclar a quantidade que seria vendida pelos europeus.

Segundo o MMA, o Brasil pode ser obrigado a absorver 80 milhões de pneus por ano caso a decisão da OMC permaneça.

Em Bruxelas, os produtores europeus comemoram o resultado do laudo da OMC. "Esses produtos não são lixo. São produtos legítimos e reciclados", afirmou um representante da Associação de Produtores de Pneus Recauchutados da Europa. Segundo a entidade, cerca de seis empresas vão poder voltar a exportar com segurança para o Brasil. Os maiores interessados são os ingleses, espanhóis, portugueses e italianos.

O representante afirmou que algumas empresas na Europa faliram por causa da proibição brasileira.

Os produtores europeus ainda comemoram o fato de que a decisão da OMC poderá ser um precedente positivo para que o setor consiga derrubar outras barreiras pelo mundo. Hoje, cerca de 20 países contam com embargos aos pneus usados, entre eles Costa Rica, Venezuela, Argentina, Paraguai, Nigéria, Egito, Israel, Líbano e Argélia.

INTERPRETAÇÃO DIFERENTE

O diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo, afirmou ontem de forma categórica que não há nada no relatório da OMC que obrigue o Brasil a iniciar a importação de pneus usados, como reivindica a UE.

Sob a justificativa de que o documento é confidencial, Azevedo não deu detalhes sobre a decisão. Afirmou apenas que a argumentação brasileira de que a importação de pneus usados traria riscos sanitários e ambientais foi em parte acatada pelos avaliadores do painel, o que, em sua interpretação, é o dado mais importante da disputa.

Ao aceitar argumentos brasileiros, a OMC estaria abrindo um caminho para eventuais "ajustes", que continuariam a garantir ao País o direito de vetar a compra de pneus usados.

O ministro também deixou claro que este foi apenas o primeiro capítulo da disputa. "O contencioso não acabou", afirmou. Mas Azevedo não quis nem mesmo definir se o Brasil saiu ou não vencedor deste primeiro round. "Não saberia dizer se vai ou não vai apelar da decisão. Normalmente não é o perdedor que apela?"

PREJUÍZOS

Para o diretor-geral da Associação Nacional da Indústria dos Pneumáticos (Anip), Vilien Soares, a decisão é danosa ao Brasil "porque tira mercado dos pneus nacionais, porque o pneu reformado tem metade da vida útil de um novo e porque o País já tem dificuldades para a correta destinação do que é produzido aqui".

A Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip) também não ficou satisfeita com a decisão da OMC, que em sua avaliação atinge em cheio as empresas brasileiras que trabalham na remoldagem de pneus. Tais fábricas, por força de liminares obtidas na Justiça, conseguem importar da Europa pneus de segunda mão para recondicioná-los no Brasil. Se for mantida em última instância, a decisão da OMC faria o País importar os pneus europeus já remoldados. "Será uma situação esdrúxula: o Brasil estará obrigado a comprar do exterior pneus remoldados, mas nossas fábricas estarão proibidas de importar os pneus usados que servem de matéria-prima para a remoldagem", disse Francisco Simeão, presidente da maior produtora de remoldados do Brasil, a BS Colway, e dirigente da Abip.

De acordo com Simeão, o Brasil perdeu o embate na OMC por ter baseado sua estratégia num argumento falso: o de que o pneu remoldado, por durar menos, representa uma ameaça ambiental maior do que o pneu novo. "O pneu remoldado tem a mesma durabilidade do novo", afirmou Simeão.

Ambientalistas prometem intensificar oposição
Cristina Amorim
Ambientalistas afirmam que manterão sua oposição à decisão tomada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) ontem, que força a abertura do mercado brasileiro a pneus europeus usados. O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Fbons) promete intensificar a campanha contra a União Européia, em parceria com organizações internacionais.

"Vamos denunciar essa contradição européia, que ao mesmo tempo exige boas práticas ambientais em seu terreno e exporta o problema para os outros países", afirma Temístocles Marcelos, do Fbons. "Nesses painéis internacionais, como a OMC, a decisão acaba sempre por beneficiar os mais poderosos." A campanha "O Brasil não é lixão" será ampliada para outros países, promete Marcelos. O fórum também promete solicitar que o governo brasileiro apele da decisão.

Segundo Marcio Mariano, da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), a posição da União Européia deixa clara sua disposição em empurrar para países menos rigorosos, com consumidores igualmente menos exigentes, poluentes e tecnologias obsoletas. "O volume de pneus na Europa é muito grande e eles não têm área física para o descarte, então querem mandar para cá. Além disso, lá o povo não aceita o descarte." A campanha contra os pneus continua, diz Mariano.

Projeto de lei no Congresso deve ser rejeitado
Rosa Costa, BRASÍLIA
A derrota do Brasil na Organização Mundial do Comércio deve estimular a rejeição do projeto de lei do senador Flávio Arns (PT-PR) que autoriza a importação de pneus usados. É o que prevê o relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Romeu Tuma (PFL-SP). O senador entende ser esta a única maneira de os parlamentares impedirem que o território nacional venha a se transformar em depósito de lixo de países ricos. "Eles querem mandar para cá os pneus e outros resíduos", alega. Sua avaliação é a de que a maioria dos colegas será favorável ao parecer contrário à importação que apresentará nos próximos dias.

Como um dos principais opositores à compra de pneus velhos de outros países, o senador César Borges (PFL-BA) é enfático ao afirmar que nunca houve empenho do governo para impedir a importação. "O governo faz um jogo dúbio, tem um jogo aí por trás a favor da importação de pneus velhos", acusa. "Agora, mais do que nunca, não podemos esmorecer, faremos o possível para que o projeto não avance". A mesma opinião tem o senador Tião Viana (PT-AC). "O Brasil não pode hesitar no que diz respeito à qualidade de vida e ao meio ambiente, não podemos nos tornar depositários de lixo de sociedade moderna."

O senador Demóstenes Torres (PFL-GO) afirma que chegou a ser designado para relatar o projeto, mas que ficou sem a tarefa após anunciar ser contrário à importação de pneus usados "a um pessoal do Paraná". "Não tem cabimento o Brasil importar lixo."

Há uma aparente dubiedade do governo nesse assunto. A principal delas é a do autor ser um senador petista. Arns disse que sua proposta foi trocada pelo substitutivo de outro governista, o líder do PMDB, Valdir Raupp (RO). Arns afirma que o debate ficou "muito radicalizado", a ponto de não interpretar corretamente sua idéia de "dar ao Brasil uma salvaguarda" no caso de uma decisão como esta da OMC. O projeto obrigaria o importador a recolher um determinado número de pneus abandonados na natureza para cada unidade "estrangeira" que entrar no Brasil.

OESP, 13/03/2007, Vida, p. A14

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