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Obras gigantes e incerteza de demarcação das terras Pipipan

Repórter Brasil - https://medium.com/@reporterb
Autor: Renata Bessi
14 de Mar de 2014

Indígenas acompanham com apreensão abertura de novos canais, sem verem reservas saírem do papel

Cabrobró (PE) e Floresta (PE) - Falta fôlego para acompanhar a amplitude das obras das tomadas d'água do Rio São Francisco, sob comando do Exército brasileiro. As obras da transposição se perdem em um horizonte sem fim de terras tomadas pela caatinga. A amplitude do sertão atordoa qualquer um, especialmente quem é de cidade grande, onde céu e terra são usurpados pela verticalidade do espaço moldado por prédios e cimento. Mesmo estando no local das obras é difícil entender a lógica de seus traçados gigantes, tão em descompasso com a simplicidade da vida sertaneja, que segue pacata convivendo com a pior seca em 50 anos.

Indígenas, quilombolas, pequenos agricultores, resumindo, a população difusa do sertão, vive com o essencial. O essencial de água. O essencial de alimentos. Com o essencial também aprendeu a viver a vegetação do semiárido como o mandacaru, o xique-xique, o juazeiro, o umbuzeiro, que aliás possui a folha azeda e muito saborosa, e a aroeira. Vegetação geralmente baixa, mas forte e robusta. Assim, de longe, sob o sol de quase 40 graus, parece morta, afogada pelo ar seco e empoeirado, mas está ali esperando um pequena chance, a mínima quantidade de água, para enverdecer.

Essa essência contrasta com a magnitude da obra que parece ter o poder de salvar toda a comunidade difusa do sertão da sede. Cada canal, aberto com seus 25 metros de largura e 5 metros de profundidade, terá a capacidade de levar água a quilômetros de distância do leito do rio São Francisco. Enquanto hoje a poucas léguas do Velho Chico ainda existem comunidades que veem suas criações morrer de sede, suas terras estéreis e, pior, passando sede, vivendo da água transportada por caminhão-pipa, como o povoado de Serra Negra, onde há Pipipan desaldeado por conta da represa de Itaparica.

A transposição foi chancelada pelo discurso oficial de levar água a quem tem sede e, por enquanto, o que existem são promessas. Depois de seis anos do começo das obras e nada ainda concretizado, o povo está mais do que desconfiado. "Quando foi para eles entrarem aí [começar as obras], tivemos uma reunião em Truká [Cabrobó]. Nós fomos. Chegando lá, eles nos prometeram que antes de fazer o canal iam tirar [demarcar] nossas terras indígenas. Prometeram repassar dinheiro para a Funai tirar nossas terras. Disseram que iam demarcar nosso território antes das obras e nos enganaram. Se até agora não foi feito nada para as caixas de água, a mesma coisa será para a nossa demarcação. Cadê a terra? Nada", conta Expedito, pajé Pipipan.

O pajé guarda na cabeça o território de seus antigos e, apesar da promessa de que seria demarcado antes do começo da obra, nada aconteceu. "A gente tem o mapa velho da gente e tudo. Dentro da caatinga, seguindo os pés da Serra Negra, lagoa do Jacaré, onde nossos antepassados tinham ritual, volta pela aldeia de Caraíba, vai para baixa do Urubu e volta para o Juquiri e a Serra Negra fica no meio de tudo isso. Passa pela Barra do Juá, Riacho do Navio, incluindo Serra do Taiado, Serrote do Tamanduá, Serra do Periquito."

O ponto crucial para os indígenas é a Serra Negra, local sagrado para os Pipipan. "No pé da Serra Negra já não ficou nada, não tem uma amburana para fazer um chá [para combater doenças do estômago]. Não tem uma cacinha. Só cratera, pedra e areia. Aí não pode. Os fazendeiros, caçadores de fora da cidade vêm do outro lado da caatinga e sobem a serra. Como é aberta, o Ibama não tem gente para controlar (...)", relata Expedito.

"A demarcação está só no estudo e pronto. Os antropólogos vieram duas vezes e até agora não sabemos de nada. E se demorarem muito quando voltarem não vai ter mais nada, nem mato nem caça. As abelhas que produzem mel também. Tirando as madeiras, as caças vão embora ou morrem. E do mel não fica nada, as abelhas morrem tudo. Se saísse logo as nossas terras evitaria de isso acontecer, a gente cuidaria da serra."

Enquanto isso as obras continuam em terra reivindicada pelos Pipipan, seguindo o mesmo caminho da construção da represa de Itaparica, que submergiu o território e os lugares sagrados dos Tuxá e Pankararu, antes de as demarcações de suas terras, que estavam em estudo de área, serem concluídas.

Confira vídeo com manifestação dos Pipipan:

https://www.youtube.com/watch?v=z4f4iTNZm_k

Este texto é parte da reportagem Transposição do São Francisco ameaça terras indígenas. Por Renata Bessi, especial para a Repórter Brasil

https://medium.com/p/45a465acf9cb

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